Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

Há uns dois anos, eu e minha esposa decidimos comprar um cachorro de brinquedo para nosso filho. A criança pode brincar com ele em vários estágios da vida. Primeiro, serve como andador, ajuda a dar os primeiros passos. Depois, o pequeno pode subir e empurrar com as pernas. Ainda tem um espaço para encaixar formas, toca várias músicas e acende luzes quando a criança aperta seus botões. Hoje meu filho tem quase três anos e ainda se diverte com seu cão de brinquedo.

Na época em que fizemos a compra, o preço era bem salgado: R$ 550. Mas pensamos: “Com todas essas funcionalidades, com a chance de ele usar por tanto tempo, vale a pena!”



Decidimos checar em sites americanos para ter ideia de quanto custava por lá. E não era só mais barato, era bem mais barato, em torno de US$ 50. Numa época em que o dólar era vendido por coisa de R$ 2,30, o brinquedo do meu filho, que no Brasil custava R$ 550, sairia por R$ 115 se comparado lá fora.

Tudo bem, é caro transportar produtos de fora para cá. Pode justificar parte dessa diferença. Mas não dá para colocar uma disparidade absurda como essa só na conta dos custos de transporte e distribuição.



A verdade é: o Brasil é um país super fechado aos fluxos internacionais de comércio. E isso faz com que o preço dos importados (e produtos nacionais que poderiam sofrer concorrência com importados) seja muito mais alto por aqui. Brinquedos, eletrônicos, veículos, bebidas, até roupas, tudo custa uma exorbitância no Brasil na comparação com o país de origem.

Quem sofre mais com isso?

Para os mais pobres, o problema do fechamento de uma economia é particularmente cruel: preços altos tiram dessa população a possibilidade de consumir diversos produtos.

A culpa é toda dos impostos? Será?

Ainda que os impostos para importação sejam sempre apontados como culpados, o baixo grau de abertura por aqui não se deve apenas a eles.

A chave da questão também está na burocracia para desembaraçar produtos, o que encarece e provoca atrasos nas entregas.

Outro ponto que atrapalha demais e não pode ser descartado: a baixa qualidade de nossa infraestrutura de portos e aeroportos. Contribui, como os demais fatores, para desestimular a importação, reduzir a competição e puxar preços para cima.

Brasil fechado é “folclore”, José Serra? Em que mundo?

Nesse sentido, nós do Porque.com.br achamos um tanto estranha a declaração do ministro José Serra (Relações Exteriores) em sua visita à China. Basicamente, o chanceler definiu como “folclore” esse negócio de que a economia brasileira é fechada, o que chamam por aí de "protecionismo". Ele disse que nosso comércio não seria mais fechado que a média dos países, que, segundo afirma, vivem protegendo seus mercados internos da competição externa.

Será? Que tal dar uma olhada nos dados?

Uma medida comum da exposição de um país ao comércio é a soma de exportações e importações dividida pelo valor do PIB (a divisão pelo PIB é feita para retirar o efeito da escala, já que países maiores acabam exportando e importando mais):

 

Serra_Graf1

O gráfico acima mostra esse indicador para 169 países. Os dados são do Banco Mundial e dizem respeito ao ano de 2014. Cada barra é um país e eles estão ordenados de forma decrescente. Essa linha vermelha aí mostra a média mundial do indicador (ponderada pelo PIB de cada país).

Já achou o Brasil? Isso mesmo, em penúltimo lugar no ranking.

Nosso volume de comércio como proporção do PIB é igual a 25% em 2014 e só é maior que o do Sudão. Está bem abaixo da média mundial (que é próxima de 60%).

A realidade é diferente da que o ministro Serra observa.

Há um problema, é verdade, em olhar de maneira crua para esse indicador: ele tende a ser mecanicamente mais baixo para os países maiores, como o Brasil. Isso porque países grandes fazem muito comércio internamente, o que acaba substituindo o comércio com o exterior.

Para ver isso com maior clareza, sugerimos um exercício hipotético: suponha que a Europa se torne um país único. Todos aqueles fluxos de comércio entre países europeus deixariam de ser comércio internacional para se tornarem comércio interno desse novo país. A fração dos fluxos de comércio internacional no PIB, consequentemente, seria menor.

Essa relação entre tamanho do país e comércio é evidente nos dados. O gráfico abaixo mostra a relação entre o volume de comércio dos diversos países (eixo vertical) e a população (eixo horizontal). Cada ponto é um país e, novamente, os dados são para o ano de 2014 e provenientes do Banco Mundial. A linha vermelha é a reta que melhor se aproxima da nuvem de pontos.

Serra_Graf2

Repare só: a linha vermelha é descendente, isto é, países maiores (em termos de população) tendem a apresentar menos comércio como proporção do PIB. Quando estimamos essa linha, permitimos também que a média do comércio dependa da população. No caso, por causa da inclinação descendente, teremos valores menores de comércio médio do que apresentam países maiores.

Para saber se um país está acima ou abaixo da média neste caso, analisamos sua posição na nuvem de pontos relativamente à linha vermelha. Note que o Brasil está abaixo da linha. Ou seja, mesmo depois de levar em conta o efeito do tamanho do país, continuamos com a conclusão que o Brasil faz menos comércio do que a média.

A realidade, de novo, contraria o que Serra disse lá na China.

Caso encerrado?

Ainda não. Pode-se argumentar que o Brasil comercializa pouco por estar longe dos principais centros consumidores do mundo – como Estados Unidos, União Europeia, Japão e China. Daí que o baixo comércio resultaria de fatores geográficos, não de políticas que dificultam a abertura internacional.

Para avaliar se esse raciocínio faz sentido, podemos olhar como o indicador de comércio se comporta ao longo do tempo em comparação ao mundo. A geografia, afinal, não muda com o passar do tempo – não dá para alterar a posição do Brasil no globo terrestre.

No próximo gráfico, temos o comércio como proporção do PIB do Brasil e do mundo, avaliado anualmente entre 1960 e 2015. Como se vê, a diferença entre nosso comércio e o do mundo cresce ao longo do tempo. Não há como atribuir a nossa distância em relação a grandes centros consumidores. Essa distância, obviamente, não se amplia com o tempo.

Serra_Graf3

A explicação mais plausível: a economia brasileira – que sempre foi fechada – se torna cada vez mais fechada ao longo dos anos.

Sim, está certo que há políticas protecionistas em todo canto do mundo. Mas dá para dizer que o Brasil é tão fechado quanto a média?

Desculpe, sr. ministro José Serra, mas seu argumento não faz muito sentido...

Serra chama de "folclore" protecionismo do Brasil – e erra feio. Por quê?

Há uns dois anos, eu e minha esposa decidimos comprar um cachorro de brinquedo para nosso filho. A criança pode brincar com ele em vários estágios da vida. Primeiro, serve como andador, ajuda a dar os primeiros passos. Depois, o pequeno pode subir e empurrar com as pernas. Ainda tem um espaço para encaixar formas, toca várias músicas e acende luzes quando a criança aperta seus botões. Hoje meu filho tem quase três anos e ainda se diverte com seu cão de brinquedo. Na época em que fizemos a compra, o preço era bem salgado: R$ 550. Mas pensamos: “Com todas essas funcionalidades, com a chance de ele usar por tanto tempo, vale a pena!” Decidimos checar em sites americanos para ter ideia de quanto custava por lá. E não era só mais barato, era bem mais barato, em torno de US$ 50. Numa época em que o dólar era vendido por coisa de R$ 2,30, o brinquedo do meu filho, que no Brasil custava R$ 550, sairia por R$ 115 se comparado lá fora. Tudo bem, é caro transportar produtos de fora para cá. Pode justificar parte dessa diferença. Mas não dá para colocar uma disparidade absurda como essa só na conta dos custos de transporte e distribuição. A verdade é: o Brasil é um país super fechado aos fluxos internacionais de comércio. E isso faz com que o preço dos importados (e produtos nacionais que poderiam sofrer concorrência com importados) seja muito mais alto por aqui. Brinquedos, eletrônicos, veículos, bebidas, até roupas, tudo custa uma exorbitância no Brasil na comparação com o país de origem. Quem sofre mais com isso? Para os mais pobres, o problema do fechamento de uma economia é particularmente cruel: preços altos tiram dessa população a possibilidade de consumir diversos produtos. A culpa é toda dos impostos? Será? Ainda que os impostos para importação sejam sempre apontados como culpados, o baixo grau de abertura por aqui não se deve apenas a eles. A chave da questão também está na burocracia para desembaraçar produtos, o que encarece e provoca atrasos nas entregas. Outro ponto que atrapalha demais e não pode ser descartado: a baixa qualidade de nossa infraestrutura de portos e aeroportos. Contribui, como os demais fatores, para desestimular a importação, reduzir a competição e puxar preços para cima. Brasil fechado é “folclore”, José Serra? Em que mundo? Nesse sentido, nós do Porque.com.br achamos um tanto estranha a declaração do ministro José Serra (Relações Exteriores) em sua visita à China. Basicamente, o chanceler definiu como “folclore” esse negócio de que a economia brasileira é fechada, o que chamam por aí de "protecionismo". Ele disse que nosso comércio não seria mais fechado que a média dos países, que, segundo afirma, vivem protegendo seus mercados internos da competição externa. Será? Que tal dar uma olhada nos dados? Uma medida comum da exposição de um país ao comércio é a soma de exportações e importações dividida pelo valor do PIB (a divisão pelo PIB é feita para retirar o efeito da escala, já que países maiores acabam exportando e importando mais):   Serra_Graf1 O gráfico acima mostra esse indicador para 169 países. Os dados são do Banco Mundial e dizem respeito ao ano de 2014. Cada barra é um país e eles estão ordenados de forma decrescente. Essa linha vermelha aí mostra a média mundial do indicador (ponderada pelo PIB de cada país). Já achou o Brasil? Isso mesmo, em penúltimo lugar no ranking. Nosso volume de comércio como proporção do PIB é igual a 25% em 2014 e só é maior que o do Sudão. Está bem abaixo da média mundial (que é próxima de 60%). A realidade é diferente da que o ministro Serra observa. Há um problema, é verdade, em olhar de maneira crua para esse indicador: ele tende a ser mecanicamente mais baixo para os países maiores, como o Brasil. Isso porque países grandes fazem muito comércio internamente, o que acaba substituindo o comércio com o exterior. Para ver isso com maior clareza, sugerimos um exercício hipotético: suponha que a Europa se torne um país único. Todos aqueles fluxos de comércio entre países europeus deixariam de ser comércio internacional para se tornarem comércio interno desse novo país. A fração dos fluxos de comércio internacional no PIB, consequentemente, seria menor. Essa relação entre tamanho do país e comércio é evidente nos dados. O gráfico abaixo mostra a relação entre o volume de comércio dos diversos países (eixo vertical) e a população (eixo horizontal). Cada ponto é um país e, novamente, os dados são para o ano de 2014 e provenientes do Banco Mundial. A linha vermelha é a reta que melhor se aproxima da nuvem de pontos. Serra_Graf2 Repare só: a linha vermelha é descendente, isto é, países maiores (em termos de população) tendem a apresentar menos comércio como proporção do PIB. Quando estimamos essa linha, permitimos também que a média do comércio dependa da população. No caso, por causa da inclinação descendente, teremos valores menores de comércio médio do que apresentam países maiores. Para saber se um país está acima ou abaixo da média neste caso, analisamos sua posição na nuvem de pontos relativamente à linha vermelha. Note que o Brasil está abaixo da linha. Ou seja, mesmo depois de levar em conta o efeito do tamanho do país, continuamos com a conclusão que o Brasil faz menos comércio do que a média. A realidade, de novo, contraria o que Serra disse lá na China. Caso encerrado? Ainda não. Pode-se argumentar que o Brasil comercializa pouco por estar longe dos principais centros consumidores do mundo – como Estados Unidos, União Europeia, Japão e China. Daí que o baixo comércio resultaria de fatores geográficos, não de políticas que dificultam a abertura internacional. Para avaliar se esse raciocínio faz sentido, podemos olhar como o indicador de comércio se comporta ao longo do tempo em comparação ao mundo. A geografia, afinal, não muda com o passar do tempo – não dá para alterar a posição do Brasil no globo terrestre. No próximo gráfico, temos o comércio como proporção do PIB do Brasil e do mundo, avaliado anualmente entre 1960 e 2015. Como se vê, a diferença entre nosso comércio e o do mundo cresce ao longo do tempo. Não há como atribuir a nossa distância em relação a grandes centros consumidores. Essa distância, obviamente, não se amplia com o tempo. Serra_Graf3 A explicação mais plausível: a economia brasileira – que sempre foi fechada – se torna cada vez mais fechada ao longo dos anos. Sim, está certo que há políticas protecionistas em todo canto do mundo. Mas dá para dizer que o Brasil é tão fechado quanto a média? Desculpe, sr. ministro José Serra, mas seu argumento não faz muito sentido...
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