Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

Por Marcela Kawauti *

Você já deve ter ouvido falar: a partir de agora, para ter seu nome incluído em cadastros de devedores no estado de São Paulo, será exigida a sua assinatura em aviso de recebimento. A nova lei pode parecer boa. Mas será mesmo? Se mantivermos olhar cuidadoso sobre o caso, a coisa muda de figura...

(Um parêntese rápido: cadastros de devedores, como o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), têm a intenção de diminuir riscos nas operações de crédito no comércio do Brasil. Existem para proteger o setor produtivo de eventuais perdas causadas por inadimplência, popularmente chamada de calote.)

Para quem não está por dentro do assunto, a partir de agora, quem não pagar seus compromissos em dia só terá o nome incluído em cadastros de devedores caso assine aviso de recebimento. Ou seja, só fica com o nome sujo quem quiser. Todo mundo topa assinar um documento para garantir que seu nome está sujo na praça?

A lei anterior exigia o envio de uma carta simples para incluir o consumidor em cadastro de devedores – não pedia a assinatura confirmando o recebimento da cobrança. O informe só não chegava ao consumidor se o endereço estivesse errado nos arquivos do credor.

Duas consequências possíveis da nova lei: (1) quem está com o endereço correto não vai assinar o aviso de recebimento para não ter nome sujo; e (2) quem está com o endereço errado jamais será encontrado. Com um efeito ou o outro, a lista de devedores pode perder credibilidade.

Vale retomar um importante conceito da teoria econômica para compreender a questão: assimetria de informação. É por causa desse, entre outros fatores, que o mundo das trocas não funciona perfeitamente. Um comerciante não tem como saber de todas as informações sobre o seu cliente. Logo, mesmo na teoria, a nova lei parece ser mais um obstáculo para a concessão de crédito.

Dito isso, o que pode ser feito para melhorar isso? Maximizar a informação e tornar menos desigual a relação entre as duas pontas de uma negociação. Mas a nova lei vai contra essa lógica.

De um lado, consumidores contam com órgãos de defesa atuando a seu favor. De outro, comerciantes podem recorrer a listas de devedores para decidir se concedem ou não crédito.

A defasagem dessas listas favorece apenas quem deixa de pagar conta por má-fé. E os demais consumidores são os maiores prejudicados. Pagam pelo encarecimento das linhas de crédito causado pela maior insegurança em relação a possíveis calotes.

Por exemplo, digamos que você seja vendedor de geladeiras. Um consumidor precisa financiar o pagamento de uma delas. O nome desse consumidor não consta nos dados do SPC. Você se sente seguro? Você, comerciante, tem certeza se esse consumidor é “bom pagador”? Ou será que ele preferiu não assinar seu "atestado de caloteiro"?

Quando existem maiores riscos de inadimplência, quem concede linhas de crédito tende a cobrar juros muito mais caros. Ou, em casos extremos, pode até recusar conceder empréstimos e financiamentos.

Espera aí! Quem paga as contas em dia e precisa de mais crédito é justamente quem vai pagar a fatura desta nova lei que beneficia caloteiros? Isso mesmo.

Todos pagam a conta. A exigência da assinatura do inadimplente retarda e encarece todo o processo de registro para o SPC e outros órgãos. Retira das empresas concedentes de crédito um dado importante para o seu direito de escolha. E prejudica os bons pagadores. Enfim, perdem todos.

Mas existem mais custos.

Caso o comerciante não queira travar esta batalha para conseguir uma assinatura do devedor, ele pode optar pelo protesto em cartório. Com o protesto correndo no cartório, o devedor tem de ir até lá, perder tempo e gastar mais dinheiro. Não basta mais somente pagar o que já devia.

Nesses casos, consumidores pagam, além da dívida inicial, as taxas para limpar o nome. No estado de São Paulo, o preço gira perto de 10% do valor protestado. Assim, um consumidor paulista com uma dívida protestada de 15 mil reais acaba tendo de pagar não apenas esse montante. Tem de pagar ainda mais 1,5 reais.

Antes da nova lei, limpar o nome nos cadastros de inadimplentes era automático. Quitava-se a dívida, sem taxas nem burocracia. Mas se o credor é forçado a optar pelo protesto em cartório, expõe ainda mais o devedor.

Primeiro, o cartório envia uma carta ao consumidor sobre a dívida em atraso; segundo, se não o encontrar, pode publicar o nome do devedor em jornais de grande circulação. Assim, mesmo se tentar desaparecer, o consumidor será exposto publicamente.

Um ponto é claro: a tal lei tem a pretensão de beneficiar o consumidor. Mas deve acabar por favorecer o mau pagador, interessado em dar calote impunemente. Quem honra seus compromissos em dia e precisa de mais crédito é o maior prejudicado.

* Marcela Kawauti é economista-chefe do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil)

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Por que nova lei ajuda caloteiros e penaliza bons pagadores?

Por Marcela Kawauti * Você já deve ter ouvido falar: a partir de agora, para ter seu nome incluído em cadastros de devedores no estado de São Paulo, será exigida a sua assinatura em aviso de recebimento. A nova lei pode parecer boa. Mas será mesmo? Se mantivermos olhar cuidadoso sobre o caso, a coisa muda de figura... (Um parêntese rápido: cadastros de devedores, como o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), têm a intenção de diminuir riscos nas operações de crédito no comércio do Brasil. Existem para proteger o setor produtivo de eventuais perdas causadas por inadimplência, popularmente chamada de calote.) Para quem não está por dentro do assunto, a partir de agora, quem não pagar seus compromissos em dia só terá o nome incluído em cadastros de devedores caso assine aviso de recebimento. Ou seja, só fica com o nome sujo quem quiser. Todo mundo topa assinar um documento para garantir que seu nome está sujo na praça? A lei anterior exigia o envio de uma carta simples para incluir o consumidor em cadastro de devedores – não pedia a assinatura confirmando o recebimento da cobrança. O informe só não chegava ao consumidor se o endereço estivesse errado nos arquivos do credor. Duas consequências possíveis da nova lei: (1) quem está com o endereço correto não vai assinar o aviso de recebimento para não ter nome sujo; e (2) quem está com o endereço errado jamais será encontrado. Com um efeito ou o outro, a lista de devedores pode perder credibilidade. Vale retomar um importante conceito da teoria econômica para compreender a questão: assimetria de informação. É por causa desse, entre outros fatores, que o mundo das trocas não funciona perfeitamente. Um comerciante não tem como saber de todas as informações sobre o seu cliente. Logo, mesmo na teoria, a nova lei parece ser mais um obstáculo para a concessão de crédito. Dito isso, o que pode ser feito para melhorar isso? Maximizar a informação e tornar menos desigual a relação entre as duas pontas de uma negociação. Mas a nova lei vai contra essa lógica. De um lado, consumidores contam com órgãos de defesa atuando a seu favor. De outro, comerciantes podem recorrer a listas de devedores para decidir se concedem ou não crédito. A defasagem dessas listas favorece apenas quem deixa de pagar conta por má-fé. E os demais consumidores são os maiores prejudicados. Pagam pelo encarecimento das linhas de crédito causado pela maior insegurança em relação a possíveis calotes. Por exemplo, digamos que você seja vendedor de geladeiras. Um consumidor precisa financiar o pagamento de uma delas. O nome desse consumidor não consta nos dados do SPC. Você se sente seguro? Você, comerciante, tem certeza se esse consumidor é “bom pagador”? Ou será que ele preferiu não assinar seu "atestado de caloteiro"? Quando existem maiores riscos de inadimplência, quem concede linhas de crédito tende a cobrar juros muito mais caros. Ou, em casos extremos, pode até recusar conceder empréstimos e financiamentos. Espera aí! Quem paga as contas em dia e precisa de mais crédito é justamente quem vai pagar a fatura desta nova lei que beneficia caloteiros? Isso mesmo. Todos pagam a conta. A exigência da assinatura do inadimplente retarda e encarece todo o processo de registro para o SPC e outros órgãos. Retira das empresas concedentes de crédito um dado importante para o seu direito de escolha. E prejudica os bons pagadores. Enfim, perdem todos. Mas existem mais custos. Caso o comerciante não queira travar esta batalha para conseguir uma assinatura do devedor, ele pode optar pelo protesto em cartório. Com o protesto correndo no cartório, o devedor tem de ir até lá, perder tempo e gastar mais dinheiro. Não basta mais somente pagar o que já devia. Nesses casos, consumidores pagam, além da dívida inicial, as taxas para limpar o nome. No estado de São Paulo, o preço gira perto de 10% do valor protestado. Assim, um consumidor paulista com uma dívida protestada de 15 mil reais acaba tendo de pagar não apenas esse montante. Tem de pagar ainda mais 1,5 reais. Antes da nova lei, limpar o nome nos cadastros de inadimplentes era automático. Quitava-se a dívida, sem taxas nem burocracia. Mas se o credor é forçado a optar pelo protesto em cartório, expõe ainda mais o devedor. Primeiro, o cartório envia uma carta ao consumidor sobre a dívida em atraso; segundo, se não o encontrar, pode publicar o nome do devedor em jornais de grande circulação. Assim, mesmo se tentar desaparecer, o consumidor será exposto publicamente. Um ponto é claro: a tal lei tem a pretensão de beneficiar o consumidor. Mas deve acabar por favorecer o mau pagador, interessado em dar calote impunemente. Quem honra seus compromissos em dia e precisa de mais crédito é o maior prejudicado. * Marcela Kawauti é economista-chefe do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) VEJA MAIS
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