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Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou uma ação que já durava 24 anos – você leu direito, quase um quarto de século.

Na década de 1990, foi aprovada uma lei que obriga supermercados do estado do Rio a dispor de empacotadores para auxiliar seus clientes. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) entrou com ação no STF contra a nova regra. A corte atendeu à solicitação da CNC, suspendendo a lei. Mas só em 1º de agosto de 2017 o STF finalmente resolveu cancelar a lei.

O episódio levanta algumas questões importantes. Quais os custos e benefícios dessa política? Vale a pena ter uma lei do tipo?

A discussão pode jogar luz em outros casos, já que obrigação de ter um profissional específico aparece em outras atividades econômicas. Por exemplo, postos de gasolina têm que dispor de frentistas para abastecer veículos. Ao contrário de outros países, motoristas não podem operar diretamente bombas e encher seus tanques. Têm que utilizar o serviço de frentistas. Outro exemplo: em várias partes do país, ônibus urbanos precisam ter cobradores, assunto de que já tratamos por aqui.

Voltando aos empacotadores, quais são os benefícios da lei? Geram-se empregos, principalmente para pessoas de renda mais baixa, já que a qualificação exigida não é muito elevada. Além disso, os consumidores ganham com a comodidade.

Mas há custos: os supermercados têm que arcar com salário e encargos desses profissionais. Parte desses custos é transferida aos consumidores via preços mais elevados dos produtos.

Para a política valer a pena, os benefícios devem superar os custos. Em particular, o benefício da comodidade dos consumidores precisaria ser suficientemente grande.

Mas se esse fosse o caso, não precisaríamos da lei. Os consumidores já estariam dispostos a pagar um preço relativamente alto pelo serviço. Pense em dois supermercados, X e Y. O estabelecimento X não oferece serviços de empacotador, mas consegue cobrar preços mais baixos por conta disso. Já Y tem empacotadores, porém apresenta preços mais altos como resultado desses custos adicionais.

Se os consumidores valorizassem muito a comodidade, eles estariam dispostos a trocar X por Y, mesmo com a diferença de preços. E isso daria incentivos para que X também contratasse empacotadores, com o objetivo reter seus clientes.

O fato de não observarmos com muita frequência empacotadores em supermercados é uma indicação de que os consumidores não valorizam tanto esse serviço. E que o melhor, para sociedade como um todo, é não termos esses empregos mesmo. A lei, assim, é ineficiente no sentido econômico.

Poderíamos justificar uma regra desse tipo se houvesse benefícios sobre outras pessoas que não têm nada a ver com as decisões de supermercados e seus clientes. Isso poderia, por exemplo, dar suporte à lei que obriga o emprego de frentistas em postos de gasolina. Pode-se argumentar que bombas deveriam ser operadas por profissionais treinados, para garantir o mínimo de segurança – evitando acidentes que afetam não apenas quem está comprando ou vendendo combustível. Mas, no caso dos empacotadores, não parece haver uma justificativa nessa linha.

Mesmo para os frentistas, não é claro que esse ganho seja tão importante a ponto de justificar a obrigação. Por exemplo, os Estados Unidos usam o sistema self-service em bombas de gasolina há muito tempo, sem que haja movimentação no sentido de proibir a prática com base em um número elevado de acidentes.

Ok, você pode argumentar que eficiência não é tudo. É importante ter em mente possíveis efeitos positivos sobre a distribuição de renda. Afinal, os empregos de empacotadores criados pela lei tendem a beneficiar principalmente indivíduos mais pobres.

Concordo.

Mas isso não é suficiente para justificar a política. Por quê? Porque há maneiras mais eficientes de distribuir renda. Pode-se, por exemplo, realizar transferências diretas de dinheiro a pessoas mais pobres (no espírito do Programa Bolsa Família), em vez de distorcer decisões de empresas e consumidores de um determinado setor.

***

Todo o episódio revela aspectos assustadores do nosso país. Primeiro: como políticos e gestores conseguem aprovar uma lei desse tipo, sem atentar para seus impactos deletérios? Como muito da discussão de política econômica do nosso país, tende-se a enfatizar os benefícios, sem pesar muito os custos.

A atuação do STF em barrar a lei em 1993 foi correta. Mas causa espanto como esse tipo de assunto (e outros muitos) acaba “subindo” para a corte suprema do Brasil. Não é à toa que o Judiciário é lento, o que prejudica a produtividade do país como um todo. Note: entre a decisão de barrar a lei em 1993, e o término definitivo da ação no STF, transcorreram 24 anos!

 

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A obrigatoriedade dos empacotadores é realmente necessária?

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou uma ação que já durava 24 anos – você leu direito, quase um quarto de século. Na década de 1990, foi aprovada uma lei que obriga supermercados do estado do Rio a dispor de empacotadores para auxiliar seus clientes. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) entrou com ação no STF contra a nova regra. A corte atendeu à solicitação da CNC, suspendendo a lei. Mas só em 1º de agosto de 2017 o STF finalmente resolveu cancelar a lei. O episódio levanta algumas questões importantes. Quais os custos e benefícios dessa política? Vale a pena ter uma lei do tipo? A discussão pode jogar luz em outros casos, já que obrigação de ter um profissional específico aparece em outras atividades econômicas. Por exemplo, postos de gasolina têm que dispor de frentistas para abastecer veículos. Ao contrário de outros países, motoristas não podem operar diretamente bombas e encher seus tanques. Têm que utilizar o serviço de frentistas. Outro exemplo: em várias partes do país, ônibus urbanos precisam ter cobradores, assunto de que já tratamos por aqui. Voltando aos empacotadores, quais são os benefícios da lei? Geram-se empregos, principalmente para pessoas de renda mais baixa, já que a qualificação exigida não é muito elevada. Além disso, os consumidores ganham com a comodidade. Mas há custos: os supermercados têm que arcar com salário e encargos desses profissionais. Parte desses custos é transferida aos consumidores via preços mais elevados dos produtos. Para a política valer a pena, os benefícios devem superar os custos. Em particular, o benefício da comodidade dos consumidores precisaria ser suficientemente grande. Mas se esse fosse o caso, não precisaríamos da lei. Os consumidores já estariam dispostos a pagar um preço relativamente alto pelo serviço. Pense em dois supermercados, X e Y. O estabelecimento X não oferece serviços de empacotador, mas consegue cobrar preços mais baixos por conta disso. Já Y tem empacotadores, porém apresenta preços mais altos como resultado desses custos adicionais. Se os consumidores valorizassem muito a comodidade, eles estariam dispostos a trocar X por Y, mesmo com a diferença de preços. E isso daria incentivos para que X também contratasse empacotadores, com o objetivo reter seus clientes. O fato de não observarmos com muita frequência empacotadores em supermercados é uma indicação de que os consumidores não valorizam tanto esse serviço. E que o melhor, para sociedade como um todo, é não termos esses empregos mesmo. A lei, assim, é ineficiente no sentido econômico. Poderíamos justificar uma regra desse tipo se houvesse benefícios sobre outras pessoas que não têm nada a ver com as decisões de supermercados e seus clientes. Isso poderia, por exemplo, dar suporte à lei que obriga o emprego de frentistas em postos de gasolina. Pode-se argumentar que bombas deveriam ser operadas por profissionais treinados, para garantir o mínimo de segurança – evitando acidentes que afetam não apenas quem está comprando ou vendendo combustível. Mas, no caso dos empacotadores, não parece haver uma justificativa nessa linha. Mesmo para os frentistas, não é claro que esse ganho seja tão importante a ponto de justificar a obrigação. Por exemplo, os Estados Unidos usam o sistema self-service em bombas de gasolina há muito tempo, sem que haja movimentação no sentido de proibir a prática com base em um número elevado de acidentes. Ok, você pode argumentar que eficiência não é tudo. É importante ter em mente possíveis efeitos positivos sobre a distribuição de renda. Afinal, os empregos de empacotadores criados pela lei tendem a beneficiar principalmente indivíduos mais pobres. Concordo. Mas isso não é suficiente para justificar a política. Por quê? Porque há maneiras mais eficientes de distribuir renda. Pode-se, por exemplo, realizar transferências diretas de dinheiro a pessoas mais pobres (no espírito do Programa Bolsa Família), em vez de distorcer decisões de empresas e consumidores de um determinado setor. *** Todo o episódio revela aspectos assustadores do nosso país. Primeiro: como políticos e gestores conseguem aprovar uma lei desse tipo, sem atentar para seus impactos deletérios? Como muito da discussão de política econômica do nosso país, tende-se a enfatizar os benefícios, sem pesar muito os custos. A atuação do STF em barrar a lei em 1993 foi correta. Mas causa espanto como esse tipo de assunto (e outros muitos) acaba “subindo” para a corte suprema do Brasil. Não é à toa que o Judiciário é lento, o que prejudica a produtividade do país como um todo. Note: entre a decisão de barrar a lei em 1993, e o término definitivo da ação no STF, transcorreram 24 anos!   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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