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Por Ana Carla Abrão *

Chamamos de corporativismo, aqui, a defesa exclusiva dos próprios interesses por parte de alguma categoria profissional: é o também chamado espírito de corpo ou de grupo de interesse. Em bom português, é a forte resistência de pessoas reunidas contra mudanças que pareçam ameaçar suas rotinas – independentemente do caso em questão ser ou não prejudicial ao interesse geral da sociedade.

E é aqui que começa o problema do corporativismo deste país.

Essa prática ganhou contornos muito amplos no Brasil por causa da capacidade de seu Estado de ceder às pressões. Essa característica gerou conjunto de benesses insustentáveis.

Há entidades representativas de todas as categorias que você possa imaginar. São associações, federações, sindicatos que falam em nome de setores empresariais específicos; outros grupos de defensores das mais diversas categorias do mercado de trabalho; e outros que buscam defender algumas atividades econômicas mais ou menos privilegiadas em relação à maioria.

Enfim, há um conjunto enorme de representações e todas estão preocupadas em dois pontos comuns: garantir que os próprios direitos não sejam diminuídos e que as suas obrigações não aumentem.

Claro que há várias situações legítimas (talvez sejam a maior parte delas), mas o problema se dá quando o conjunto desses direitos e deveres se mostra completamente desbalanceado: quando analisados individualmente, parecem só um pouquinho exagerados; quando se olha para o todo, são muitos exageros somados. E é neste ponto que chegamos à essência da crise que vivemos hoje: a crise fiscal.

Afinal, crise fiscal é quando gastamos mais do que podemos. E para gastar menos e corrigir o problema é preciso reequilibrar direitos e deveres entre todas as categorias. Essas organizações, nos últimos anos, tiveram seus pedidos atendidos na maior parte das vezes, mesmo que as contas públicas não permitissem isso – ou seja, com a economia nacional já endividada, com a corda no pescoço.

Foi sendo dado um pouco aqui e outro ali. Mas hoje percebemos que de grão em grão se chegou a um problemão. Foi muita desoneração (redução ou extinção de impostos); muitos juros subsidiados (empréstimos pagos, em parte e na prática, pelo governo); muitos aumentos salariais, gratuidades, bolsas e por aí vai.

Agora, o que significa fazer as reformas necessárias, ou seja, fazer o tal ajuste fiscal? Significa reduzir gastos excessivos e buscar eficiência. O que implica recalibrar benefícios dados de forma pulverizada, que, somados, resultam numa conta infinita.

Por isso tem sido difícil reverter esta crise. Boa parte da solução sofre resistências dos grupos corporativistas. Eles defendem com unhas e dentes as suas conquistas já estabelecidas – mesmo se essas regalias não sejam sustentáveis ou que não façam sentido quando pensamos em todos os brasileiros.

O comportamento corporativista se desveste da cidadania. Assume a miopia do que é melhor para si, mas não para todos. O corporativismo impede o senso de comunidade das pessoas por ter todas as suas bases no raciocínio individual.

A grande dificuldade de solução do corporativismo está nele próprio, como se vê. A cada tentativa de correção de rumo e redução de excessos, um conjunto de forças corporativistas se levanta e vai brigar contra, fazer greve, botar pressão no Congresso, no Executivo ou na Justiça.

E por que esse corporativismo é a nossa âncora, portanto?

Por impedir nosso avanço. Por não permitir que o Brasil rompa com as fontes de seu desequilíbrio e siga adiante, no rumo certo. A visão corporativista é tão míope, mas tão míope, que os corporativistas não podem enxergar que é no equilíbrio que mora a garantia dos direitos e deveres iguais para todos. E que é na sustentabilidade das ações que existe a manutenção e a ampliação dos benefícios.

* Ana Carla Abrão, é doutora pela FGV e secretária da Fazenda de Goiás 

 

Por que o corporativismo é a âncora do Brasil?

Por Ana Carla Abrão * Chamamos de corporativismo, aqui, a defesa exclusiva dos próprios interesses por parte de alguma categoria profissional: é o também chamado espírito de corpo ou de grupo de interesse. Em bom português, é a forte resistência de pessoas reunidas contra mudanças que pareçam ameaçar suas rotinas – independentemente do caso em questão ser ou não prejudicial ao interesse geral da sociedade. E é aqui que começa o problema do corporativismo deste país. Essa prática ganhou contornos muito amplos no Brasil por causa da capacidade de seu Estado de ceder às pressões. Essa característica gerou conjunto de benesses insustentáveis. Há entidades representativas de todas as categorias que você possa imaginar. São associações, federações, sindicatos que falam em nome de setores empresariais específicos; outros grupos de defensores das mais diversas categorias do mercado de trabalho; e outros que buscam defender algumas atividades econômicas mais ou menos privilegiadas em relação à maioria. Enfim, há um conjunto enorme de representações e todas estão preocupadas em dois pontos comuns: garantir que os próprios direitos não sejam diminuídos e que as suas obrigações não aumentem. Claro que há várias situações legítimas (talvez sejam a maior parte delas), mas o problema se dá quando o conjunto desses direitos e deveres se mostra completamente desbalanceado: quando analisados individualmente, parecem só um pouquinho exagerados; quando se olha para o todo, são muitos exageros somados. E é neste ponto que chegamos à essência da crise que vivemos hoje: a crise fiscal. Afinal, crise fiscal é quando gastamos mais do que podemos. E para gastar menos e corrigir o problema é preciso reequilibrar direitos e deveres entre todas as categorias. Essas organizações, nos últimos anos, tiveram seus pedidos atendidos na maior parte das vezes, mesmo que as contas públicas não permitissem isso – ou seja, com a economia nacional já endividada, com a corda no pescoço. Foi sendo dado um pouco aqui e outro ali. Mas hoje percebemos que de grão em grão se chegou a um problemão. Foi muita desoneração (redução ou extinção de impostos); muitos juros subsidiados (empréstimos pagos, em parte e na prática, pelo governo); muitos aumentos salariais, gratuidades, bolsas e por aí vai. Agora, o que significa fazer as reformas necessárias, ou seja, fazer o tal ajuste fiscal? Significa reduzir gastos excessivos e buscar eficiência. O que implica recalibrar benefícios dados de forma pulverizada, que, somados, resultam numa conta infinita. Por isso tem sido difícil reverter esta crise. Boa parte da solução sofre resistências dos grupos corporativistas. Eles defendem com unhas e dentes as suas conquistas já estabelecidas – mesmo se essas regalias não sejam sustentáveis ou que não façam sentido quando pensamos em todos os brasileiros. O comportamento corporativista se desveste da cidadania. Assume a miopia do que é melhor para si, mas não para todos. O corporativismo impede o senso de comunidade das pessoas por ter todas as suas bases no raciocínio individual. A grande dificuldade de solução do corporativismo está nele próprio, como se vê. A cada tentativa de correção de rumo e redução de excessos, um conjunto de forças corporativistas se levanta e vai brigar contra, fazer greve, botar pressão no Congresso, no Executivo ou na Justiça. E por que esse corporativismo é a nossa âncora, portanto? Por impedir nosso avanço. Por não permitir que o Brasil rompa com as fontes de seu desequilíbrio e siga adiante, no rumo certo. A visão corporativista é tão míope, mas tão míope, que os corporativistas não podem enxergar que é no equilíbrio que mora a garantia dos direitos e deveres iguais para todos. E que é na sustentabilidade das ações que existe a manutenção e a ampliação dos benefícios. * Ana Carla Abrão, é doutora pela FGV e secretária da Fazenda de Goiás   
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