Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

Com o processo de impeachment a todo o vapor, as tais pedaladas fiscais voltaram ao noticiário. Na prática, acusam o governo federal de tomar empréstimos de bancos públicos, o que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Muita gente já escreveu sobre o tema. Mas, até agora, pouco foi dito sobre a lógica dessa regra. Afinal, por que o governo não pode pegar grana emprestada dos seus bancos?

Antes de tudo, precisamos esclarecer o que se passou e quais as possíveis consequências.

Como é feita uma pedalada fiscal?

O governo, normalmente, usa os bancos estatais para realizar pagamentos. Por exemplo, repassa recursos das aposentadorias e programas sociais para a Caixa Econômica Federal, que faz com que a grana chegue aos beneficiários.

Só que, entre 2013 e 2014, o governo deixou de transferir todo o dinheiro para os bancos estatais. E eles precisaram fazer os pagamentos com seus próprios recursos. O governo devolveu o dinheiro, mas com atraso. E isso configuraria um empréstimo dos bancos para o governo.

Mas esta pedalada é novidade? Já tiveram outras ao longo da história? 

Sim, houve atrasos no passado, sem Dilma Rousseff no cargo de presidente (veja, logo abaixo, gif que conhecemos por meio da página Mercado Popular). Foram pedaladas pontuais e em pequena magnitude. Agora, o que aconteceu em 2013 e 2014, durante toda a metade do primeiro governo Dilma, foi astronômico.



Em 2013, o saldo negativo do governo com a Caixa foi de 3 bilhões de reais; no ano seguinte, o número dobrou!

Lembre-se: os bancos são controlados pelo governo. É como se você quebrasse o cofrinho dos seus filhos e prometesse repor o dinheiro depois. Eles não têm muito como se opor.

(Essa analogia não é de minha autoria; se você, leitor, conhecer o autor, por favor, entre para darmos o crédito.)

Como dito anteriormente, a pedalada fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. É isso que está no centro da discussão sobre o impeachment da presidente.

Mas por que cargas d’água isso é proibido? Qual a lógica dessa regra?

Para entender isso, temos que voltar no tempo, olhar para nosso passado de hiperinflação.

A inflação brasileira explodiu entre as décadas de 1980 e 1990. Chegou a passar de 2.000% ao longo do ano de 1993 e só foi domada em 1994, com o Plano Real. A raiz do problema: o governo gastava muito mais do que arrecadava e tinha de recorrer à impressão de dinheiro para cobrir o rombo nas contas.

Com mais dinheiro na mão, as pessoas querem comprar mais coisas. Só que isso não mexe na capacidade de produção de um país. Se a impressão de moeda aumenta a demanda por parte das pessoas, mas não afeta a oferta de produtos e serviços, os preços precisam subir.

E aí tivemos o quê? Tivemos uma inflação alta, que descambou na hiperinflação dos anos 1980 e 1990, como resultado de um problema fiscal que levou o governo a se financiar com impressão de dinheiro.

A relação perigosa entre bancos públicos e governo à época contribuiu bastante para esse descontrole fiscal e monetário. Voltemos, então, ainda mais um pouco no tempo, para um período de inflação também muito alta, quando a hiperinflação foi gestada: a ditadura militar.

O que nos mostra a história econômica do Brasil?

O Banco Central (BC) do Brasil foi criado em 1964. É responsável por tocar a política monetária do país e, assim, a quantidade de dinheiro em circulação – afeta, portanto, decisivamente a taxa de inflação do país.

Antes de 1964, quem fazia as vezes de autoridade monetária era o Banco do Brasil (BB). Com a separação das funções, criou-se a chamada conta movimento, que vigorou até meados da década de 1980. Vejamos como esse esquema funcionava.

O Banco do Brasil, como qualquer outro banco, têm entradas e saídas de dinheiro durante um dado dia. A sobra disso são as reservas bancárias. Na conta movimento, o BB repassaria essas reservas para o BC. Mas e se as entradas muito menores que saídas levassem a falta de recursos? Daí o BC imprimiria dinheiro novinho e daria ao BB para tapar o buraco.

O problema central é que o governo usava dinheiro do BB para pagar contas. E isso criava rombos no caixa da instituição, que precisava constantemente do socorro do BC pela conta movimento. Tratava-se, no fim, de um mecanismo de expansão da quantidade de dinheiro na economia. Inflação na veia!

Problema adicional: os bancos públicos estaduais permaneceram, por um tempo, ligados ao BB, e não ao BC. Aí, quando ficavam em maus lençóis (de novo, porque os governos estaduais estavam usando recursos desses bancos para pagar suas contas), recorriam ao BB. E isso contribuía para diminuir o caixa desse banco. Aí, vinha de novo BC ao socorro, via conta movimento, injetando dinheiro no BB. Em outras palavras, a política fiscal não só do governo federal, mas também dos estados, ajudava a manter a inflação nas alturas – dado que, no fim das contas, levava a impressão de dinheiro pelo BC.

Por que respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal?

É esse tipo de mecanismo que a Lei de Responsabilidade Fiscal coíbe ao proibir que governo tome dinheiro emprestado dos seus bancos. Imagine se as pedaladas de 2013/2014 levassem Caixa ficasse à beira da falência por falta de recursos... Você acha que o BC deixaria a Caixa quebrar ou injetaria dinheiro lá?

Não sou jurista. Não tenho ideia se a presidente cometeu crime de responsabilidade com as pedaladas, e mereceria o impeachment. Mas uma coisa eu sei como economista: a Lei de Responsabilidade Fiscal foi fundamental para consolidar a estabilidade de preços em nosso país.

As pedaladas são uma ameaça. Abriu-se a porta para a volta da inflação alta. É preciso consertar o dano feito.

*

Recomendações de leitura (ambos os textos de autoria de Carlos Góes):

“O que é pedalada fiscal? Um manual para não-economistas.”, Mercado Popular, 2015.

http://mercadopopular.org/2015/10/o-que-e-pedalada-fiscal-um-manual-para-nao-economistas/

“A Beginner's Guide to Brazilian Economic Idiosyncrasies.” The SAIS Europe Journal, 2012.

http://www.saisjournal.org/posts/a-beginner's-guide-to-brazilian-economic-idiosyncrasies


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E isso configuraria um empréstimo dos bancos para o governo. Mas esta pedalada é novidade? Já tiveram outras ao longo da história?  Sim, houve atrasos no passado, sem Dilma Rousseff no cargo de presidente (veja, logo abaixo, gif que conhecemos por meio da página Mercado Popular). Foram pedaladas pontuais e em pequena magnitude. Agora, o que aconteceu em 2013 e 2014, durante toda a metade do primeiro governo Dilma, foi astronômico. Em 2013, o saldo negativo do governo com a Caixa foi de 3 bilhões de reais; no ano seguinte, o número dobrou! Lembre-se: os bancos são controlados pelo governo. É como se você quebrasse o cofrinho dos seus filhos e prometesse repor o dinheiro depois. Eles não têm muito como se opor. (Essa analogia não é de minha autoria; se você, leitor, conhecer o autor, por favor, entre para darmos o crédito.) Como dito anteriormente, a pedalada fere a Lei de Responsabilidade Fiscal. É isso que está no centro da discussão sobre o impeachment da presidente. Mas por que cargas d’água isso é proibido? Qual a lógica dessa regra? Para entender isso, temos que voltar no tempo, olhar para nosso passado de hiperinflação. A inflação brasileira explodiu entre as décadas de 1980 e 1990. Chegou a passar de 2.000% ao longo do ano de 1993 e só foi domada em 1994, com o Plano Real. A raiz do problema: o governo gastava muito mais do que arrecadava e tinha de recorrer à impressão de dinheiro para cobrir o rombo nas contas. Com mais dinheiro na mão, as pessoas querem comprar mais coisas. Só que isso não mexe na capacidade de produção de um país. Se a impressão de moeda aumenta a demanda por parte das pessoas, mas não afeta a oferta de produtos e serviços, os preços precisam subir. E aí tivemos o quê? Tivemos uma inflação alta, que descambou na hiperinflação dos anos 1980 e 1990, como resultado de um problema fiscal que levou o governo a se financiar com impressão de dinheiro. A relação perigosa entre bancos públicos e governo à época contribuiu bastante para esse descontrole fiscal e monetário. Voltemos, então, ainda mais um pouco no tempo, para um período de inflação também muito alta, quando a hiperinflação foi gestada: a ditadura militar. O que nos mostra a história econômica do Brasil? O Banco Central (BC) do Brasil foi criado em 1964. É responsável por tocar a política monetária do país e, assim, a quantidade de dinheiro em circulação – afeta, portanto, decisivamente a taxa de inflação do país. Antes de 1964, quem fazia as vezes de autoridade monetária era o Banco do Brasil (BB). Com a separação das funções, criou-se a chamada conta movimento, que vigorou até meados da década de 1980. Vejamos como esse esquema funcionava. O Banco do Brasil, como qualquer outro banco, têm entradas e saídas de dinheiro durante um dado dia. A sobra disso são as reservas bancárias. Na conta movimento, o BB repassaria essas reservas para o BC. Mas e se as entradas muito menores que saídas levassem a falta de recursos? Daí o BC imprimiria dinheiro novinho e daria ao BB para tapar o buraco. O problema central é que o governo usava dinheiro do BB para pagar contas. E isso criava rombos no caixa da instituição, que precisava constantemente do socorro do BC pela conta movimento. Tratava-se, no fim, de um mecanismo de expansão da quantidade de dinheiro na economia. Inflação na veia! Problema adicional: os bancos públicos estaduais permaneceram, por um tempo, ligados ao BB, e não ao BC. Aí, quando ficavam em maus lençóis (de novo, porque os governos estaduais estavam usando recursos desses bancos para pagar suas contas), recorriam ao BB. E isso contribuía para diminuir o caixa desse banco. Aí, vinha de novo BC ao socorro, via conta movimento, injetando dinheiro no BB. Em outras palavras, a política fiscal não só do governo federal, mas também dos estados, ajudava a manter a inflação nas alturas – dado que, no fim das contas, levava a impressão de dinheiro pelo BC. Por que respeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal? É esse tipo de mecanismo que a Lei de Responsabilidade Fiscal coíbe ao proibir que governo tome dinheiro emprestado dos seus bancos. Imagine se as pedaladas de 2013/2014 levassem Caixa ficasse à beira da falência por falta de recursos... Você acha que o BC deixaria a Caixa quebrar ou injetaria dinheiro lá? Não sou jurista. Não tenho ideia se a presidente cometeu crime de responsabilidade com as pedaladas, e mereceria o impeachment. Mas uma coisa eu sei como economista: a Lei de Responsabilidade Fiscal foi fundamental para consolidar a estabilidade de preços em nosso país. As pedaladas são uma ameaça. Abriu-se a porta para a volta da inflação alta. 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