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																					Quando a pandemia bateu, há quase quatro anos, a economia mundial colapsou por alguns meses. No entanto, se recuperou logo, e, ainda antes de a vacina imunizar muita gente, a atividade econômica começou sua saída triunfal do fundo do poço. E com ela veio uma baita inflação – dádiva para alguns, como para o Japão, na sua eterna luta contra a deflação, e problema para quase todos os outros. A inflação incomodamente alta foi a atriz principal do cenário macro durante os anos de 2021 e 2022, mas caiu no ano passado e as coisas vão voltando ao normal sem muito sofrimento para a atividade econômica em lugares como Brasil e Estados Unidos.

Por que dessa vez tivemos uma desinflação com poucos custos? Antes de arriscar uma resposta, voltemos à gênese do processo, em 2020.

Com o PIB caindo 5% num único trimestre em diversas economias, a primeira pergunta que os economistas se colocaram foi: por que a inflação não afundou, sabe-se lá, para 0% no mundo todo ou ao menos no grupo dos países ricos? Em 2019 ela havia fechado em 2,2%, e em 2020, em meio a uma tremenda recessão, caiu pifiamente, para 1,9%. A explicação: a associação entre inflação e crescimento não é assim tão automática, e depende muito do equilíbrio entre demanda e oferta total da economia e de seus movimentos de curto prazo. Normalmente, recessões levam mesmo a quedas mais vigorosas da inflação, mas isso se deve ao fato de que, nesses períodos, na grande maioria das vezes, a demanda se contrai mais que a oferta.

Não na covid. Pandemias causam sim colapso da demanda, pois as pessoas se tornam mais avessas a seguir consumindo, desconfiadas que ficam sobre o futuro, e o isolamento social derruba a ida às compras. Mas as pandemias também afetam muito a oferta da economia, que cai precipitadamente. As pessoas não vão ao trabalho, ou se revezam nas fábricas ou nas lojas, e portanto menos bens e serviços são produzidos. Ora, quedas de oferta pressionam preços na outra direção, ou seja, para cima. Assim, no fim das contas, uma força puxa por menos inflação enquanto outra puxa por mais. Resultado dessa queda de braço: a inflação se mexe pouco.  

Quando a crise se instalou em 2020, os governos reagiram vigorosamente com políticas de demanda expansionistas, e também incrementaram bastante os gastos com saúde pública. Corretamente. Os déficits públicos foram às alturas e as taxas de juros para zero ou menos! Até o começo de 2021, essas políticas excepcionais eram bem-vindas, mas em vários lugares – notadamente nos Estados Unidos – elas não foram removidas mesmo após a economia ter se recuperado de modo claro, ali em meados de 2021, com PIB arrancando, desemprego baixo, etc.

A manutenção de uma política expansionista por mais tempo que o devido desemboca em excesso de demanda e com ele, indefectivelmente, em inflação. Em 2021, esta se acelera de 1,9% para 3,5%, mas é em 2022 que ela bomba mundialmente, chegando a bater 8%.

Governos e bancos centrais se assustam em 2022 com o despertar do dragão e, tardiamente, começam a controlar os gastos e a elevar (aqui sim com rapidez) a taxa de juros. A inflação então, após alguns trimestres, começa a perder o fôlego, não somente pela política monetária apertada, mas também pelo gradual desafogo dos garrotes do lado da oferta: cadeias de produção global caminham de volta à normalidade, portos voltam a operar como antes, filas e tempo de espera caem rapidamente etc. Ela fecha 2023 abaixo de 7% e está projetada para terminar 2024 na casa dos 5,5%.

Com ou sem sofrimento para o crescimento da economia? Depende. Nos Estados Unidos e no Brasil, o processo desinflacionário (que ainda não chegou ao fim, diga-se) se deu até aqui em meio a um crescimento robusto da atividade econômica, surpreendendo a muitos. Em outros cantos, como na Europa, a desaceleração vai ficando mais patente a cada dado divulgado. Chegará também aos Estados Unidos e ao Brasil? Se o passado for um bom guia, sim. Ocorre, no entanto, que às vezes ele não é.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO  

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A grande desinflação

Quando a pandemia bateu, há quase quatro anos, a economia mundial colapsou por alguns meses. No entanto, se recuperou logo, e, ainda antes de a vacina imunizar muita gente, a atividade econômica começou sua saída triunfal do fundo do poço. E com ela veio uma baita inflação – dádiva para alguns, como para o Japão, na sua eterna luta contra a deflação, e problema para quase todos os outros. A inflação incomodamente alta foi a atriz principal do cenário macro durante os anos de 2021 e 2022, mas caiu no ano passado e as coisas vão voltando ao normal sem muito sofrimento para a atividade econômica em lugares como Brasil e Estados Unidos.

Por que dessa vez tivemos uma desinflação com poucos custos? Antes de arriscar uma resposta, voltemos à gênese do processo, em 2020.

Com o PIB caindo 5% num único trimestre em diversas economias, a primeira pergunta que os economistas se colocaram foi: por que a inflação não afundou, sabe-se lá, para 0% no mundo todo ou ao menos no grupo dos países ricos? Em 2019 ela havia fechado em 2,2%, e em 2020, em meio a uma tremenda recessão, caiu pifiamente, para 1,9%. A explicação: a associação entre inflação e crescimento não é assim tão automática, e depende muito do equilíbrio entre demanda e oferta total da economia e de seus movimentos de curto prazo. Normalmente, recessões levam mesmo a quedas mais vigorosas da inflação, mas isso se deve ao fato de que, nesses períodos, na grande maioria das vezes, a demanda se contrai mais que a oferta.

Não na covid. Pandemias causam sim colapso da demanda, pois as pessoas se tornam mais avessas a seguir consumindo, desconfiadas que ficam sobre o futuro, e o isolamento social derruba a ida às compras. Mas as pandemias também afetam muito a oferta da economia, que cai precipitadamente. As pessoas não vão ao trabalho, ou se revezam nas fábricas ou nas lojas, e portanto menos bens e serviços são produzidos. Ora, quedas de oferta pressionam preços na outra direção, ou seja, para cima. Assim, no fim das contas, uma força puxa por menos inflação enquanto outra puxa por mais. Resultado dessa queda de braço: a inflação se mexe pouco.  

Quando a crise se instalou em 2020, os governos reagiram vigorosamente com políticas de demanda expansionistas, e também incrementaram bastante os gastos com saúde pública. Corretamente. Os déficits públicos foram às alturas e as taxas de juros para zero ou menos! Até o começo de 2021, essas políticas excepcionais eram bem-vindas, mas em vários lugares – notadamente nos Estados Unidos – elas não foram removidas mesmo após a economia ter se recuperado de modo claro, ali em meados de 2021, com PIB arrancando, desemprego baixo, etc.

A manutenção de uma política expansionista por mais tempo que o devido desemboca em excesso de demanda e com ele, indefectivelmente, em inflação. Em 2021, esta se acelera de 1,9% para 3,5%, mas é em 2022 que ela bomba mundialmente, chegando a bater 8%.

Governos e bancos centrais se assustam em 2022 com o despertar do dragão e, tardiamente, começam a controlar os gastos e a elevar (aqui sim com rapidez) a taxa de juros. A inflação então, após alguns trimestres, começa a perder o fôlego, não somente pela política monetária apertada, mas também pelo gradual desafogo dos garrotes do lado da oferta: cadeias de produção global caminham de volta à normalidade, portos voltam a operar como antes, filas e tempo de espera caem rapidamente etc. Ela fecha 2023 abaixo de 7% e está projetada para terminar 2024 na casa dos 5,5%.

Com ou sem sofrimento para o crescimento da economia? Depende. Nos Estados Unidos e no Brasil, o processo desinflacionário (que ainda não chegou ao fim, diga-se) se deu até aqui em meio a um crescimento robusto da atividade econômica, surpreendendo a muitos. Em outros cantos, como na Europa, a desaceleração vai ficando mais patente a cada dado divulgado. Chegará também aos Estados Unidos e ao Brasil? Se o passado for um bom guia, sim. Ocorre, no entanto, que às vezes ele não é.

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