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Argumento geral


Antes de entrarmos nas críticas propriamente ditas, vale dizer que em nosso entender a ideia para em pé, tem fundamento e se apoia em duas premissas básicas.

Vamos para a primeira. Na área de finanças pessoais os postulados tradicionais da teoria da escolha devem ser aplicados com cautela. Como mostra uma ampla literatura do assunto, está aí uma área na qual as pessoas cometem, sistematicamente, erros que prejudicam a elas mesmas, como entrar frequentemente no cheque especial ou pagar apenas a parcela mínima do cartão de crédito. Por esses “vacilos”, acabam pagando juros exorbitantes.

A nós parece forçar a barra contra-argumentar que elas assim o fazem entendendo perfeitamente as consequências de suas escolhas. De todo modo, essa é uma premissa, uma premissa que achamos bem razoável. Quem discordar aqui, certamente vai discordar da nossa avaliação final. Mas o importante é colocar os devidos pingos nos is, para mapearmos sem excessivas emoções as fontes de divergência.

A segunda premissa é a seguinte: no mercado desse produto chamado cheque especial, não podemos contar muito com as forças da concorrência para garantir que o preço (nesse caso o juro de mais de 200% ao ano) se mantenha próximo ao custo de ofertá-lo. De modo geral,  nessas situações a intervenção pública pode em princípio aumentar o bem-estar geral da sociedade. Desnecessário dizer que o resultado final depende da qualidade da política e dos gestores que a implementam.

E se der errado? Intervenções nos preços geralmente terminam em desastre porque são implementadas em mercados nos quais elas não fazem qualquer sentido. O populismo com preços de aluguel é um exemplo sobre o qual conversamos recentemente. O resultado desastroso de quando se fixam preços de modo populista e irresponsável é conhecido: a escassez dos bens em questão (filas, mercado negro etc.): a carne que some dos mercados, o apartamento para alugar que você procura e não acha…

Nossa opinião é a de que fixar um teto de 8% ao mês (mais tarifas fixas), será mais do que suficiente para garantir que esse produto siga sendo ofertado pelos bancos. Muito provavelmente, em menor quantidade, mas não sob tremenda escassez. Podemos estar errados nesse diagnóstico? Sim, há alguma possibilidade de erro. Mas se a medida gerar escassez tremenda (mais uma vez, cremos que não ocorrerá), o BC pode voltar atrás. Pecado talvez seja não experimentar.

Veja o leitor: trata-se de uma mudança marginal, o juro segue elevadíssimo; além disso, falamos de um mercado específico: o do cheque especial. O BC está experimentando uma solução não convencional com base num diagnóstico bastante razoável. Se daí começarem a brotar coisas estranhas, vamos soprar o apito aqui.

Críticas específicas

Quem tem maior risco de crédito tem que pagar mais pelo cheque especial, o que ajuda a explicar as taxas elevadíssimas.

O argumento faz sentido. Justamente por isso é que empréstimos para empresas grandes, que possuem maior capacidade de oferecer garantias, saem mais baratos do que para empresas pequenas. Se a magnitude da diferença pode ser inteiramente explicada por riscos diferentes, é mais difícil responder.

Voltando ao nosso assunto, um estudo recente do BC mostra que a taxa cobrada dos clientes no cheque especial independe do grau de risco do tomador. A pessoa classificada como de baixo risco paga algo muito próximo do que desembolsa o cliente de alto risco. Assim, na prática, não está claro que ocorra diferenciação de taxas nessa margem – o que é surpreendente. Em resumo, heterogeneidade na inadimplência não parece estar explicando a taxa cobrada no cheque especial.  

É também estranha a evidência sobre a dinâmica temporal da taxa de juro do cheque especial. Ali por volta de 2014, ela salta de 150% para perto de 300%. Alguma explicação plausível? Não encontramos e não conhecemos quem a encontrasse.

O banco faz provisão de capital (assim incorrendo em custos) quando define o limite do cheque especial, independentemente de o cliente usar ou não o produto. Por que então isentar clientes no negativo abaixo de 500 reais?[i]

Uma pergunta mais interessante é: por que não cobrar tarifa pela utilização do cheque especial (hoje isso é proibido por lei)? Uma pessoa de renda mais elevada tem um limite no cheque especial de, digamos, 15 mil reais. Ou seja, se ela usa 14 mil além do seu saldo em conta, porque algo inesperado ocorreu com seu fluxo de caixa, não paga nada por isso. Um belíssimo seguro “gratuito”, ainda que custoso para a instituição financeira. E no caso de um cliente de renda baixa? Em princípio, é a mesma coisa: ele não paga nada se não exceder o seu limite do cheque especial e, portanto, também está recebendo um seguro grátis.

Mas veja o leitor o que ocorre na prática: porque o limite do cliente mais pobre é bem menor[ii] – e também possivelmente porque esse cliente utiliza o cheque especial entendendo menos seus custos (nosso ponto anterior) – ele o extrapola muito mais frequentemente. Isso significa que, na prática, o mais pobre acaba com mais frequência pagando via juro elevado. Já os clientes mais ricos excedem o limite com muito menos frequência, seja porque seu limite é mais gordinho, seja porque entendem melhor o custo de ultrapassá-lo. Assim, para esses, o seguro sai, efetivamente, baratíssimo. De graça, muitas vezes.

Enfatize-se que isso não é uma tese, é um fato empírico conhecido. Há muito mais limite não utilizado nas faixas de renda mais alta. Nas faixas de renda mais baixa, tem bem menos limite não utilizado, ou seja, o tal seguro não sai de graça. A possibilidade de cobrança da tarifa tem potencial para mudar essa situação: o banco agora poderá cobrar o cliente mais rico que quer o conforto de um limite de 15 mil reais por isso. Não é obrigado, mas poderá se quiser (até 0,25% do montante).

E por que isentar até 500 reais? Porque o cliente que se encaixa nessa faixa já paga pelo seguro proporcionado pelo cheque especial por meio de juros elevadíssimos.  

A juros mais baixos o cliente menos informado vai se afundar mais ainda nesse tipo de crédito inapropriado.

Por isso o alerta: juros de mais de 100% ao ano ainda são um péssimo negócio. Na prática, o uso do cheque especial parece ser inelástico ao juro. Mas nos parece difícil imaginar um cliente aumentando seu uso do cheque especial animado com a queda dos juros de 250% ao ano para 150% ao ano, com a poupança rendendo 4% ao ano. E talvez mais importante, o fato de o cliente querer usar do produto não é sinônimo de que poderá fazê-lo. O banco pode restringir a oferta— ninguém o proíbe de fazê-lo. Mas isso não será ruim para os de mais baixa renda? Não se nossa primeira premissa estiver correta.

O governo começa impondo teto no cheque especial e logo está fixando uma porção de preços!

Não há como descartar esse cenário, claro. Mas parece improvável. De todo modo, não podemos ser contrários a uma dada medida com base num argumento como este. O correto é apoiar o que é para ser apoiado e, se a boa medida de hoje desembocar numa ideia populista amanhã, atacar com afinco a ideia populista.



[i] Sobre isso há uma imprecisão técnica no nosso artigo anterior, ao afirmarmos que quando o cliente entra no negativo, o banco o cobre, e esse é um custo que precisa ser levado em conta. A afirmação está correta, mas imprecisa, pois o banco já incorre nesse custo no momento em que estende o limite para o cliente, ou seja, independentemente de o cliente efetivamente utilizá-lo ou não. Em suma, o banco, de imediato, provisiona capital para o cheque especial, e esse provisionamento tem um custo de oportunidade para a instituição.

[ii] Faz sentido que seja menor, já que o cliente tem renda mais baixa e menor capacidade de repagamento;  reclamar da diferença de limites seria populismo ou charlatanice.



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A proposta do governo sobre o cheque especial

Argumento geral


Antes de entrarmos nas críticas propriamente ditas, vale dizer que em nosso entender a ideia para em pé, tem fundamento e se apoia em duas premissas básicas.

Vamos para a primeira. Na área de finanças pessoais os postulados tradicionais da teoria da escolha devem ser aplicados com cautela. Como mostra uma ampla literatura do assunto, está aí uma área na qual as pessoas cometem, sistematicamente, erros que prejudicam a elas mesmas, como entrar frequentemente no cheque especial ou pagar apenas a parcela mínima do cartão de crédito. Por esses “vacilos”, acabam pagando juros exorbitantes.

A nós parece forçar a barra contra-argumentar que elas assim o fazem entendendo perfeitamente as consequências de suas escolhas. De todo modo, essa é uma premissa, uma premissa que achamos bem razoável. Quem discordar aqui, certamente vai discordar da nossa avaliação final. Mas o importante é colocar os devidos pingos nos is, para mapearmos sem excessivas emoções as fontes de divergência.

A segunda premissa é a seguinte: no mercado desse produto chamado cheque especial, não podemos contar muito com as forças da concorrência para garantir que o preço (nesse caso o juro de mais de 200% ao ano) se mantenha próximo ao custo de ofertá-lo. De modo geral,  nessas situações a intervenção pública pode em princípio aumentar o bem-estar geral da sociedade. Desnecessário dizer que o resultado final depende da qualidade da política e dos gestores que a implementam.

E se der errado? Intervenções nos preços geralmente terminam em desastre porque são implementadas em mercados nos quais elas não fazem qualquer sentido. O populismo com preços de aluguel é um exemplo sobre o qual conversamos recentemente. O resultado desastroso de quando se fixam preços de modo populista e irresponsável é conhecido: a escassez dos bens em questão (filas, mercado negro etc.): a carne que some dos mercados, o apartamento para alugar que você procura e não acha…

Nossa opinião é a de que fixar um teto de 8% ao mês (mais tarifas fixas), será mais do que suficiente para garantir que esse produto siga sendo ofertado pelos bancos. Muito provavelmente, em menor quantidade, mas não sob tremenda escassez. Podemos estar errados nesse diagnóstico? Sim, há alguma possibilidade de erro. Mas se a medida gerar escassez tremenda (mais uma vez, cremos que não ocorrerá), o BC pode voltar atrás. Pecado talvez seja não experimentar.

Veja o leitor: trata-se de uma mudança marginal, o juro segue elevadíssimo; além disso, falamos de um mercado específico: o do cheque especial. O BC está experimentando uma solução não convencional com base num diagnóstico bastante razoável. Se daí começarem a brotar coisas estranhas, vamos soprar o apito aqui.

Críticas específicas

Quem tem maior risco de crédito tem que pagar mais pelo cheque especial, o que ajuda a explicar as taxas elevadíssimas.

O argumento faz sentido. Justamente por isso é que empréstimos para empresas grandes, que possuem maior capacidade de oferecer garantias, saem mais baratos do que para empresas pequenas. Se a magnitude da diferença pode ser inteiramente explicada por riscos diferentes, é mais difícil responder.

Voltando ao nosso assunto, um estudo recente do BC mostra que a taxa cobrada dos clientes no cheque especial independe do grau de risco do tomador. A pessoa classificada como de baixo risco paga algo muito próximo do que desembolsa o cliente de alto risco. Assim, na prática, não está claro que ocorra diferenciação de taxas nessa margem – o que é surpreendente. Em resumo, heterogeneidade na inadimplência não parece estar explicando a taxa cobrada no cheque especial.  

É também estranha a evidência sobre a dinâmica temporal da taxa de juro do cheque especial. Ali por volta de 2014, ela salta de 150% para perto de 300%. Alguma explicação plausível? Não encontramos e não conhecemos quem a encontrasse.

O banco faz provisão de capital (assim incorrendo em custos) quando define o limite do cheque especial, independentemente de o cliente usar ou não o produto. Por que então isentar clientes no negativo abaixo de 500 reais?[i]

Uma pergunta mais interessante é: por que não cobrar tarifa pela utilização do cheque especial (hoje isso é proibido por lei)? Uma pessoa de renda mais elevada tem um limite no cheque especial de, digamos, 15 mil reais. Ou seja, se ela usa 14 mil além do seu saldo em conta, porque algo inesperado ocorreu com seu fluxo de caixa, não paga nada por isso. Um belíssimo seguro “gratuito”, ainda que custoso para a instituição financeira. E no caso de um cliente de renda baixa? Em princípio, é a mesma coisa: ele não paga nada se não exceder o seu limite do cheque especial e, portanto, também está recebendo um seguro grátis.

Mas veja o leitor o que ocorre na prática: porque o limite do cliente mais pobre é bem menor[ii] – e também possivelmente porque esse cliente utiliza o cheque especial entendendo menos seus custos (nosso ponto anterior) – ele o extrapola muito mais frequentemente. Isso significa que, na prática, o mais pobre acaba com mais frequência pagando via juro elevado. Já os clientes mais ricos excedem o limite com muito menos frequência, seja porque seu limite é mais gordinho, seja porque entendem melhor o custo de ultrapassá-lo. Assim, para esses, o seguro sai, efetivamente, baratíssimo. De graça, muitas vezes.

Enfatize-se que isso não é uma tese, é um fato empírico conhecido. Há muito mais limite não utilizado nas faixas de renda mais alta. Nas faixas de renda mais baixa, tem bem menos limite não utilizado, ou seja, o tal seguro não sai de graça. A possibilidade de cobrança da tarifa tem potencial para mudar essa situação: o banco agora poderá cobrar o cliente mais rico que quer o conforto de um limite de 15 mil reais por isso. Não é obrigado, mas poderá se quiser (até 0,25% do montante).

E por que isentar até 500 reais? Porque o cliente que se encaixa nessa faixa já paga pelo seguro proporcionado pelo cheque especial por meio de juros elevadíssimos.  

A juros mais baixos o cliente menos informado vai se afundar mais ainda nesse tipo de crédito inapropriado.

Por isso o alerta: juros de mais de 100% ao ano ainda são um péssimo negócio. Na prática, o uso do cheque especial parece ser inelástico ao juro. Mas nos parece difícil imaginar um cliente aumentando seu uso do cheque especial animado com a queda dos juros de 250% ao ano para 150% ao ano, com a poupança rendendo 4% ao ano. E talvez mais importante, o fato de o cliente querer usar do produto não é sinônimo de que poderá fazê-lo. O banco pode restringir a oferta— ninguém o proíbe de fazê-lo. Mas isso não será ruim para os de mais baixa renda? Não se nossa primeira premissa estiver correta.

O governo começa impondo teto no cheque especial e logo está fixando uma porção de preços!

Não há como descartar esse cenário, claro. Mas parece improvável. De todo modo, não podemos ser contrários a uma dada medida com base num argumento como este. O correto é apoiar o que é para ser apoiado e, se a boa medida de hoje desembocar numa ideia populista amanhã, atacar com afinco a ideia populista.


[i] Sobre isso há uma imprecisão técnica no nosso artigo anterior, ao afirmarmos que quando o cliente entra no negativo, o banco o cobre, e esse é um custo que precisa ser levado em conta. A afirmação está correta, mas imprecisa, pois o banco já incorre nesse custo no momento em que estende o limite para o cliente, ou seja, independentemente de o cliente efetivamente utilizá-lo ou não. Em suma, o banco, de imediato, provisiona capital para o cheque especial, e esse provisionamento tem um custo de oportunidade para a instituição.

[ii] Faz sentido que seja menor, já que o cliente tem renda mais baixa e menor capacidade de repagamento;  reclamar da diferença de limites seria populismo ou charlatanice.



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