Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

							Chegamos ao segundo turno das eleições presidenciais, com os dois candidatos prometendo mundos e fundos. Muita conversa sobre gastos adicionais – em grande parte meritórios, dada a necessidade de reduzir a pobreza e a desigualdade –, porém pouca sobre a maneira de financiar essas despesas. O avanço dos gastos sem uma correspondente elevação da arrecadação se traduz em uma dívida pública mais elevada. E é justamente aqui que está o enrosco.

A dívida não vem sem custos. Para mantê-la, é preciso pagar juros aos credores. Quanto mais os credores a percebem como arriscada (antecipando um cenário em que ficarão sem receber, ou que seu rendimento será corroído por inflação alta), maior a taxa de juros que o governo precisa pagar para compensar esse risco. Regras fiscais são importantes, na medida em que sinalizam que esse cenário é pouco provável. Com isso, o governo consegue manter a estabilidade de preços da economia e uma taxa de juros mais baixa.

É justamente aí que está faltando mais conteúdo para os nossos candidatos. Temos hoje uma regra fiscal (o teto dos gastos) que foi desfigurada. É um teto cheio de buracos. Que tipo de regra teremos no futuro para afastar as perspectivas de calote ou inflação alta?

Ao longo dos anos 2000, vivíamos em um mundo do chamado tripé macroeconômico – meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Em particular, o governo tinha uma meta de superávit primário, garantindo que a arrecadação seria maior do os gastos, sem contar os juros da dívida. Isso assegurava que a dívida permanecesse estável. Só que, no fim daquela década e no começo da seguinte, a arrecadação começou a fraquejar e os gastos continuavam a subir. O governo entrou no vermelho. Tudo isso culminou na brutal crise econômica de 2015-16. Juros e inflação dispararam, a renda per capita caiu 10% em dois anos, a taxa de desemprego ultrapassou a barreira dos dois dígitos.

A dívida pública passou a ser vista com enorme desconfiança pelos credores. O caminho futuro era claramente insustentável, com calote e/ou inflação alta permanentemente. Uma nova âncora fiscal era crucial para resgatar alguma credibilidade.

Eis que surge o teto dos gastos. Uma promessa de que os gastos federais seriam corrigidos apenas pela inflação por pelo menos 10 anos. Note que a regra não leva imediatamente à obtenção de superávits primários. Ela é uma promessa de que isso ocorrerá no futuro, quando arrecadação voltar a crescer acima da inflação, superando o avanço da despesa.

Mas como garantir que essa promessa tenha algum valor? Coloque-a na Constituição. No caso, o Congresso aprovou uma emenda constitucional, algo nada trivial, pois demanda o “sim” de três quintos dos nossos representantes, nas duas casas, em dois turnos. Um sinal bem forte do comprometimento do governo.

E de fato funcionou, pelo menos inicialmente. Foi possível baixar a inflação e os juros conjuntamente. Houve um desvio da regra por causa da pandemia, mas totalmente justificado e dentro da regra, que permite elevar gastos além do teto quando há um estado de emergência.

Só que havia uma eleição no meio do caminho. E o que parecia difícil (mudar a Constituição para rever o teto) revelou-se muito fácil. Primeiro com a PEC dos Precatórios, depois com a implantação do auxílio emergencial em ano eleitoral. Novamente recorreu-se ao expediente do estado de emergência, mas dessa vez a justificativa não faz tanto sentido como antes.

A verdade é que nossos governantes acabaram queimando um cartucho importante. Não há mais como remendar o teto agora. A capacidade de sinalizar de forma crível a intenção de honrar compromissos no futuro, simplesmente emendando a Constituição, é carta fora do baralho. Dado o que aconteceu, é muito mais difícil acreditar nessa promessa.

Por isso precisamos de uma conversa franca com nossos candidatos sobre a regra fiscal. Gastos sociais são muito importantes, mas eles não podem ocorrer à custa de juros e inflação permanentemente mais elevados. Não é algo que ajuda o país a crescer e se tornar mais justo. Infelizmente, tudo indica que esse papo vai ficar para depois da eleição.     


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO 

Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?clique aqui e assine a nossa Newsletter.


Siga a gente no Facebook e Twitter!
Inscreva-se no nosso canal no YouTube!
Curta as nossas fotos no Instagram!


Candidatos: precisamos falar sobre a regra fiscal

Chegamos ao segundo turno das eleições presidenciais, com os dois candidatos prometendo mundos e fundos. Muita conversa sobre gastos adicionais – em grande parte meritórios, dada a necessidade de reduzir a pobreza e a desigualdade –, porém pouca sobre a maneira de financiar essas despesas. O avanço dos gastos sem uma correspondente elevação da arrecadação se traduz em uma dívida pública mais elevada. E é justamente aqui que está o enrosco.

A dívida não vem sem custos. Para mantê-la, é preciso pagar juros aos credores. Quanto mais os credores a percebem como arriscada (antecipando um cenário em que ficarão sem receber, ou que seu rendimento será corroído por inflação alta), maior a taxa de juros que o governo precisa pagar para compensar esse risco. Regras fiscais são importantes, na medida em que sinalizam que esse cenário é pouco provável. Com isso, o governo consegue manter a estabilidade de preços da economia e uma taxa de juros mais baixa.

É justamente aí que está faltando mais conteúdo para os nossos candidatos. Temos hoje uma regra fiscal (o teto dos gastos) que foi desfigurada. É um teto cheio de buracos. Que tipo de regra teremos no futuro para afastar as perspectivas de calote ou inflação alta?

Ao longo dos anos 2000, vivíamos em um mundo do chamado tripé macroeconômico – meta de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Em particular, o governo tinha uma meta de superávit primário, garantindo que a arrecadação seria maior do os gastos, sem contar os juros da dívida. Isso assegurava que a dívida permanecesse estável. Só que, no fim daquela década e no começo da seguinte, a arrecadação começou a fraquejar e os gastos continuavam a subir. O governo entrou no vermelho. Tudo isso culminou na brutal crise econômica de 2015-16. Juros e inflação dispararam, a renda per capita caiu 10% em dois anos, a taxa de desemprego ultrapassou a barreira dos dois dígitos.

A dívida pública passou a ser vista com enorme desconfiança pelos credores. O caminho futuro era claramente insustentável, com calote e/ou inflação alta permanentemente. Uma nova âncora fiscal era crucial para resgatar alguma credibilidade.

Eis que surge o teto dos gastos. Uma promessa de que os gastos federais seriam corrigidos apenas pela inflação por pelo menos 10 anos. Note que a regra não leva imediatamente à obtenção de superávits primários. Ela é uma promessa de que isso ocorrerá no futuro, quando arrecadação voltar a crescer acima da inflação, superando o avanço da despesa.

Mas como garantir que essa promessa tenha algum valor? Coloque-a na Constituição. No caso, o Congresso aprovou uma emenda constitucional, algo nada trivial, pois demanda o “sim” de três quintos dos nossos representantes, nas duas casas, em dois turnos. Um sinal bem forte do comprometimento do governo.

E de fato funcionou, pelo menos inicialmente. Foi possível baixar a inflação e os juros conjuntamente. Houve um desvio da regra por causa da pandemia, mas totalmente justificado e dentro da regra, que permite elevar gastos além do teto quando há um estado de emergência.

Só que havia uma eleição no meio do caminho. E o que parecia difícil (mudar a Constituição para rever o teto) revelou-se muito fácil. Primeiro com a PEC dos Precatórios, depois com a implantação do auxílio emergencial em ano eleitoral. Novamente recorreu-se ao expediente do estado de emergência, mas dessa vez a justificativa não faz tanto sentido como antes.

A verdade é que nossos governantes acabaram queimando um cartucho importante. Não há mais como remendar o teto agora. A capacidade de sinalizar de forma crível a intenção de honrar compromissos no futuro, simplesmente emendando a Constituição, é carta fora do baralho. Dado o que aconteceu, é muito mais difícil acreditar nessa promessa.

Por isso precisamos de uma conversa franca com nossos candidatos sobre a regra fiscal. Gastos sociais são muito importantes, mas eles não podem ocorrer à custa de juros e inflação permanentemente mais elevados. Não é algo que ajuda o país a crescer e se tornar mais justo. Infelizmente, tudo indica que esse papo vai ficar para depois da eleição.     


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO 

Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?clique aqui e assine a nossa Newsletter.

Siga a gente no Facebook e Twitter!
Inscreva-se no nosso canal no YouTube!
Curta as nossas fotos no Instagram!

O que você achou desse texto?

*Não é necessário cadastro.

Avaliação de quem leu:

Avalie esse texto Não é necessário cadastro

A plataforma Por Quê?Economês em bom português nasceu em 2015, com o objetivo de explicar conceitos básicos de economia e tornar o noticiário econômico acessível ao público não especializado. Acreditamos que o raciocínio econômico é essencial para a compreensão da realidade que nos cerca.

Iniciativa

Bei editora
Usamos cookies por vários motivos, como manter o site do PQ? confiável ​​e seguro, personalizar conteúdo e anúncios,
fornecer recursos de mídia social e analisar como o site é usado. Para maiores informações veja nossa Política de Privacidade.