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Como destruir uma cidade?

Como se faz, hein, para destruir uma cidade? A pergunta é para fins didáticos, caro leitor, não se enerve nem nos tome como gente violenta. Bombardeando-a? [1] Não. Apesar do custo envolvido, ela se reerguerá findo o ataque – afinal, não há muito mistério em colocar tijolo sobre tijolo, com argamassa no meio. Colocando no poder algum político corrupto e ineficaz? Vai ser ruim, mas não funcionará, porque em algum momento alguém o tira de lá, democraticamente ou na força. Como então?

O modo mais eficaz de detonar uma cidade, torná-la semiestéril, deprimente, arruinada em poucos anos, é fazendo populismo com os aluguéis, ou seja, impondo tetos de preço para as moradias. Em outras palavras, a velha e estúpida estratégia de amordaçar o pobre do mensageiro. E não é incomum, nem se trata de invenção tropical. Muitas almas bondosas e bem-intencionadas já caíram na tentação. Nas palavras do insuspeito Gunnar Myrdal, “o controle do valor dos aluguéis em certos países ocidentais constituiu talvez o pior dos exemplos de planejamento central por parte de governos com pouca coragem e visão”.

Como já dissemos em outra ocasião, fixar preço é receita para desastre. O mesmo vale aqui. Vejamos o caso de aluguéis fixos em patamares inferiores aos de mercado. O resultado será um equilíbrio no qual teremos gente querendo alugar imóveis mas não conseguindo. Escassez artificialmente gerada, pura e simplesmente. E essa gente, normalmente mais jovem e inovadora, vai procurar outro lugar para morar, o que prejudica a cidade.

Olhe a questão pelo lado do ofertante – o lado que muita política pública ignora. Meu imóvel vale menos para mim num ambiente em que os aluguéis são controlados. Claro, pois afinal o preço de um apartamento é o valor presente do fluxo de serviços futuros que ele potencialmente me gera; e num mundo com controle de aluguel esses serviços tornam-se artificialmente baixos. Como o proprietário responde? Cuidando menos do imóvel. Pior, quais seriam os incentivos para construir novos prédios e residências se o empreendedor do setor imobiliário não pode alugá-los, quando prontos, ao preço de mercado? Segundo efeito, portanto: ao longo do tempo, a oferta de moradias não cresce como deveria. Mais escassez.

Não se trata de teoria. Em trabalho empírico clássico, Paul L. Niebanck nos mostra que cerca de 30% dos imóveis sob controle de preço de aluguel nos EUA encontravam-se bastante deteriorados nos anos que precederam a publicação do seu livro (em 1985), enquanto menos de 10% se encontravam nessa condição na subamostra de imóveis em locais sem esse tipo de intervenção. Outros pesquisadores encontraram resultados similares para outros países[2].

Fixar preço de aluguel consegue ser pior do que fixar preço do feijão, pelo seguinte motivo: no caso do feijão, haverá uma fila, e os mais ardentes amantes de feijão (ah, se Pitágoras nos ouve...) podem então madrugar para adquirir, ao preço controlado, as poucas arroubas que chegarem ao mercado. No caso do aluguel, nem acordando cedo você consegue expressar a intensidade com que deseja morar num certo local. Não tem a tal da fila; a prioridade, por lei, é sempre do inquilino que já mora no local. Ou seja, a pancada na cabeça da eficiência alocativa é ainda mais dramática.

Os filhos crescem, o apartamento fica grande, novas famílias mais jovens se beneficiariam de morar ali onde vocês passaram aqueles bons anos... E vocês, falo com aquele casal nos seus 60 anos, com menos renda e mais quartos vazios, ganhariam em mudar-se para um apartamento menor e mais barato. É o fluxo da vida. E da eficiência. Mas não vai acontecer, não vai acontecer porque mataram o mensageiro. Com preços artificialmente baixos, vocês não têm muito incentivo financeiro para se mudar, e os quartos seguirão vazios. Num mercado em que há escassez, é difícil mesmo achar outro apartamento disponível, mais apropriado. A vida na cidade se congela, como os aluguéis.

E aquele casal com filhos de 7, 10 e 13 anos, já os vejo fazendo a curva na estrada e se afastando. A cidade, vista pelo retrovisor, parece a cada minuto mais decrépita.



[1] Assar Linback, famoso economista sueco afirmou: “In many cases rent control appears to be the most efficient technique presently known to destroy a city – except for bombing”.

[2] Como mostra o livro Rent Control: Myths and Realities--International Evidence of the Effects of Rent Control in Six Countries (Fraser Institute, 1981), editado por Milton Friedman.

 

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO



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Como se faz, hein, para destruir uma cidade? A pergunta é para fins didáticos, caro leitor, não se enerve nem nos tome como gente violenta. Bombardeando-a? [1] Não. Apesar do custo envolvido, ela se reerguerá findo o ataque – afinal, não há muito mistério em colocar tijolo sobre tijolo, com argamassa no meio. Colocando no poder algum político corrupto e ineficaz? Vai ser ruim, mas não funcionará, porque em algum momento alguém o tira de lá, democraticamente ou na força. Como então?

O modo mais eficaz de detonar uma cidade, torná-la semiestéril, deprimente, arruinada em poucos anos, é fazendo populismo com os aluguéis, ou seja, impondo tetos de preço para as moradias. Em outras palavras, a velha e estúpida estratégia de amordaçar o pobre do mensageiro. E não é incomum, nem se trata de invenção tropical. Muitas almas bondosas e bem-intencionadas já caíram na tentação. Nas palavras do insuspeito Gunnar Myrdal, “o controle do valor dos aluguéis em certos países ocidentais constituiu talvez o pior dos exemplos de planejamento central por parte de governos com pouca coragem e visão”.

Como já dissemos em outra ocasião, fixar preço é receita para desastre. O mesmo vale aqui. Vejamos o caso de aluguéis fixos em patamares inferiores aos de mercado. O resultado será um equilíbrio no qual teremos gente querendo alugar imóveis mas não conseguindo. Escassez artificialmente gerada, pura e simplesmente. E essa gente, normalmente mais jovem e inovadora, vai procurar outro lugar para morar, o que prejudica a cidade.

Olhe a questão pelo lado do ofertante – o lado que muita política pública ignora. Meu imóvel vale menos para mim num ambiente em que os aluguéis são controlados. Claro, pois afinal o preço de um apartamento é o valor presente do fluxo de serviços futuros que ele potencialmente me gera; e num mundo com controle de aluguel esses serviços tornam-se artificialmente baixos. Como o proprietário responde? Cuidando menos do imóvel. Pior, quais seriam os incentivos para construir novos prédios e residências se o empreendedor do setor imobiliário não pode alugá-los, quando prontos, ao preço de mercado? Segundo efeito, portanto: ao longo do tempo, a oferta de moradias não cresce como deveria. Mais escassez.

Não se trata de teoria. Em trabalho empírico clássico, Paul L. Niebanck nos mostra que cerca de 30% dos imóveis sob controle de preço de aluguel nos EUA encontravam-se bastante deteriorados nos anos que precederam a publicação do seu livro (em 1985), enquanto menos de 10% se encontravam nessa condição na subamostra de imóveis em locais sem esse tipo de intervenção. Outros pesquisadores encontraram resultados similares para outros países[2].

Fixar preço de aluguel consegue ser pior do que fixar preço do feijão, pelo seguinte motivo: no caso do feijão, haverá uma fila, e os mais ardentes amantes de feijão (ah, se Pitágoras nos ouve...) podem então madrugar para adquirir, ao preço controlado, as poucas arroubas que chegarem ao mercado. No caso do aluguel, nem acordando cedo você consegue expressar a intensidade com que deseja morar num certo local. Não tem a tal da fila; a prioridade, por lei, é sempre do inquilino que já mora no local. Ou seja, a pancada na cabeça da eficiência alocativa é ainda mais dramática.

Os filhos crescem, o apartamento fica grande, novas famílias mais jovens se beneficiariam de morar ali onde vocês passaram aqueles bons anos... E vocês, falo com aquele casal nos seus 60 anos, com menos renda e mais quartos vazios, ganhariam em mudar-se para um apartamento menor e mais barato. É o fluxo da vida. E da eficiência. Mas não vai acontecer, não vai acontecer porque mataram o mensageiro. Com preços artificialmente baixos, vocês não têm muito incentivo financeiro para se mudar, e os quartos seguirão vazios. Num mercado em que há escassez, é difícil mesmo achar outro apartamento disponível, mais apropriado. A vida na cidade se congela, como os aluguéis.

E aquele casal com filhos de 7, 10 e 13 anos, já os vejo fazendo a curva na estrada e se afastando. A cidade, vista pelo retrovisor, parece a cada minuto mais decrépita.




[1] Assar Linback, famoso economista sueco afirmou: “In many cases rent control appears to be the most efficient technique presently known to destroy a city – except for bombing”.

[2] Como mostra o livro Rent Control: Myths and Realities--International Evidence of the Effects of Rent Control in Six Countries (Fraser Institute, 1981), editado por Milton Friedman.

 

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