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David Neeleman é um empresário do mercado de aviação, fundador da empresa americana JetBlue. Por um desses lances da sorte, ele nasceu em São Paulo, mas com 5 anos rumou para os Estados Unidos, quando seus pais resolveram retornar à terra natal. Seu pai trabalhava como correspondente da United Press International no Brasil naquela época.

Esse pequeno tempo passado no Brasil deu a Neeleman o direito de abrir uma companhia aérea para fazer voos domésticos no país –a Azul. Para operar nesse mercado, apenas uma pequena parte (até 20%) do capital da empresa pode ser de propriedade de estrangeiros. Neeleman, por ser nascido no Brasil, atende a essa regra e pôde constituir sua empresa por aqui.

Mas note que nem todo empresário de fora tem esse privilégio. A regra acaba funcionando como uma barreira à entrada de novas companhias, reduzindo a competição no mercado brasileiro de aviação.

Felizmente essa regra vai acabar. Na semana passada, o Senado aprovou a Medida Provisória 863/18, que retira o limite ao capital estrangeiro. Empresas 100% estrangeiras poderão entrar no mercado. A MP agora segue para o presidente Bolsonaro, que indicou que a sancionará.

Ainda que isso seja motivo de comemoração, na tramitação da MP o Congresso incluiu um item que não constava no texto original. Desde 2016, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) permite que companhias aéreas cobrem pelo despacho de bagagens, como já acontece em diversos países. O item incluído na MP proíbe essa prática.

O argumento é que a cobrança não foi acompanhada de quedas nos preços das passagens. Mas não se ofereceu nenhuma evidência em favor disso.



A prática da cobrança é controversa e atraiu a ira de órgãos de defesa do consumidor. Entretanto, o impacto sobre o consumidor não é tão óbvio quanto parece. Não faz sentido dizer que a medida permite que as companhias cobrem preços mais altos —porque elas já poderiam fazer isso mesmo sem a possibilidade de cobrar pela bagagem, simplesmente mexendo no preço das passagens.

O que a medida permite é que as companhias cobrem dois preços diferentes: um mais alto para quem carrega bagagens e um mais baixo para quem não carrega. Além disso, ao incentivar as pessoas a trazerem menos malas para suas viagens, as empresas reduzem o peso do avião, diminuindo seus custos —diferença que poderia, em parte, ser repassada para o consumidor.

O veredito a respeito do impacto sobre o consumidor é, no fim das contas, empírico. Depende do efeito sobre o preço para quem não carrega bagagens, sobre os custos da viagem e sobre o repasse desses custos para o consumidor. Se esses efeitos forem de fato muito pequenos, a política muito provavelmente trará mais custos do que ganhos aos consumidores, beneficiando apenas as empresas. Mais uma vez, não foi oferecida nenhuma evidência nessa direção.

E não vale olhar para o preço das passagens "per se", porque esses são influenciados por outros fatores —como o preço de combustíveis e o dólar, que subiram muito recentemente. Não dá para concluir que a cobrança de bagagens não teve efeito apenas porque os preços médios não se alteraram ou até aumentaram. Veja mais sobre essa discussão aqui.

A proibição tem mais um efeito potencial, que joga contra a competição. Várias empresas "low-cost" operam no exterior cobrando preços substancialmente mais baixos por suas passagens. Elas conseguem se viabilizar porque cobram extra por quase tudo: em particular, pela bagagem. A proibição da prática pode tornar o mercado brasileiro menos atrativo para elas, o que atrapalha o efeito competitivo induzido pela liberalização do mercado ao capital estrangeiro.

A teoria nos fornece apenas os efeitos esperados de uma política. Porém, para entender se uma medida funciona ou não, precisamos de avaliações empíricas rigorosas. No caso das bagagens, é crucial entender os impactos quantitativos para saber se a política faz sentido. O episódio ilustra como políticas públicas são feitas em larga medida com base em achismos.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO

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Competição, bagagem e os achismos

David Neeleman é um empresário do mercado de aviação, fundador da empresa americana JetBlue. Por um desses lances da sorte, ele nasceu em São Paulo, mas com 5 anos rumou para os Estados Unidos, quando seus pais resolveram retornar à terra natal. Seu pai trabalhava como correspondente da United Press International no Brasil naquela época. Esse pequeno tempo passado no Brasil deu a Neeleman o direito de abrir uma companhia aérea para fazer voos domésticos no país –a Azul. Para operar nesse mercado, apenas uma pequena parte (até 20%) do capital da empresa pode ser de propriedade de estrangeiros. Neeleman, por ser nascido no Brasil, atende a essa regra e pôde constituir sua empresa por aqui. Mas note que nem todo empresário de fora tem esse privilégio. A regra acaba funcionando como uma barreira à entrada de novas companhias, reduzindo a competição no mercado brasileiro de aviação. Felizmente essa regra vai acabar. Na semana passada, o Senado aprovou a Medida Provisória 863/18, que retira o limite ao capital estrangeiro. Empresas 100% estrangeiras poderão entrar no mercado. A MP agora segue para o presidente Bolsonaro, que indicou que a sancionará. Ainda que isso seja motivo de comemoração, na tramitação da MP o Congresso incluiu um item que não constava no texto original. Desde 2016, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) permite que companhias aéreas cobrem pelo despacho de bagagens, como já acontece em diversos países. O item incluído na MP proíbe essa prática. O argumento é que a cobrança não foi acompanhada de quedas nos preços das passagens. Mas não se ofereceu nenhuma evidência em favor disso. A prática da cobrança é controversa e atraiu a ira de órgãos de defesa do consumidor. Entretanto, o impacto sobre o consumidor não é tão óbvio quanto parece. Não faz sentido dizer que a medida permite que as companhias cobrem preços mais altos —porque elas já poderiam fazer isso mesmo sem a possibilidade de cobrar pela bagagem, simplesmente mexendo no preço das passagens. O que a medida permite é que as companhias cobrem dois preços diferentes: um mais alto para quem carrega bagagens e um mais baixo para quem não carrega. Além disso, ao incentivar as pessoas a trazerem menos malas para suas viagens, as empresas reduzem o peso do avião, diminuindo seus custos —diferença que poderia, em parte, ser repassada para o consumidor. O veredito a respeito do impacto sobre o consumidor é, no fim das contas, empírico. Depende do efeito sobre o preço para quem não carrega bagagens, sobre os custos da viagem e sobre o repasse desses custos para o consumidor. Se esses efeitos forem de fato muito pequenos, a política muito provavelmente trará mais custos do que ganhos aos consumidores, beneficiando apenas as empresas. Mais uma vez, não foi oferecida nenhuma evidência nessa direção. E não vale olhar para o preço das passagens "per se", porque esses são influenciados por outros fatores —como o preço de combustíveis e o dólar, que subiram muito recentemente. Não dá para concluir que a cobrança de bagagens não teve efeito apenas porque os preços médios não se alteraram ou até aumentaram. Veja mais sobre essa discussão aqui. A proibição tem mais um efeito potencial, que joga contra a competição. Várias empresas "low-cost" operam no exterior cobrando preços substancialmente mais baixos por suas passagens. Elas conseguem se viabilizar porque cobram extra por quase tudo: em particular, pela bagagem. A proibição da prática pode tornar o mercado brasileiro menos atrativo para elas, o que atrapalha o efeito competitivo induzido pela liberalização do mercado ao capital estrangeiro. A teoria nos fornece apenas os efeitos esperados de uma política. Porém, para entender se uma medida funciona ou não, precisamos de avaliações empíricas rigorosas. No caso das bagagens, é crucial entender os impactos quantitativos para saber se a política faz sentido. O episódio ilustra como políticas públicas são feitas em larga medida com base em achismos. COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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