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cotas usp/reprodução

As cotas chegaram ao vestibular da maior universidade da América Latina, a Universidade de São Paulo (USP). Após acaloradas discussões, ficou decidido: 50% dos alunos em 2021 deverão ser originários do sistema publico de ensino, com estimados 37% de negros e pardos.

Cotas são uma boa ideia, tanto em termos de justiça como de eficiência. Mas precisam ser inteligentemente implementadas. E não é esse o caso do sistema de cotas no Brasil ao qual a USP adere, lamentavelmente.

Primeiro, o único critério aparentemente razoável para identificar o cotista é o de renda. É um modelo transparente, eficiente e justo. Sua correlação com cor da pele é alta, claro, mas longe de perfeita.

Se existem negros ricos, por que ajudá-los com cotas? E os brancos pobres, por que não ajudá-los?.

Segundo, se o identificador é renda, os incentivos não se desalinham tanto: ninguém troca um emprego de alta renda por um de baixa para facilitar a entrada do filho na universidade pública. Mas o critério “vir de escola pública” pode, sim, gerar ineficiências e injustiças.

Por exemplo, uma pessoa de renda não baixa pode matricular seu filho numa escola pública e, simultaneamente, num cursinho pré-vestibular de alta qualidade - maximizando assim suas chances de entrada na USP. Isso para não falar dos milhares de pobres brasileiros que fazem um esforço tremendo para pagar uma escola privada, mas apenas marginalmente melhor que a pública para seus filhos.

Faz sentido prejudicar essas pessoas?

Por fim, o critério sendo “vir de escola pública” enfraquece, ainda que na margem, os incentivos a se resolver o problema real que nos faz uma sociedade tão absurdamente desigual: a qualidade do ensino na própria escola pública!

Que o critério deva ser a renda familiar beira o óbvio ululante, como diria nosso saudoso Nelson Rodrigues.

Mais ainda, a escolha de reservar x% de vagas para o grupo Y tampouco é a melhor. De novo, afeta adversamente os incentivos, principalmente com o x% sendo um valor de monta, como esses enormes 50% anunciados.

Com essa regra, muita gente capaz vai deixar de estudar para o vestibular de Medicina, por exemplo. Afinal, só um desempenho absurdamente espetacular vai colocar o candidato para dentro, caso ele não provenha da minoria beneficiada pela cota. E a situação na sala de aula vai ser tensa. Metade da sala com potencial elevadíssimo, metade com uma formação básica fraca. Uma diferença descontínua. Adicionalmente, vai atrapalhar a entrada no mercado de médicos daqui a 10 anos: saber se o especialista da USP é cotista ou não será uma informação potencialmente relevante - e socialmente explosiva!

Mas qual o modelo ideal?

O sistema de cotas ideal é diferente, mexe com "preços" (nesse caso, notas), não quantidades. Na verdade, não deveria sequer ser chamado cotas, pois não existiria uma quantidade fixa de vagas para o grupo minoritário em questão.

A ideia desse sistema alternativo é a seguinte: um aluno provindo de uma família de baixa renda teria a sua nota multiplicada por um valor maior que 1, um fator de ajuste, digamos K=1,3. Em suma, segundo esse esquema, a nota do aluno "cotista" seria igual a: (nota da prova) x K.

Note: se o aluno "cotista" tira uma nota muito baixa, como um 2, o esquema ajuda pouco. Mas se ele arranca um 5, esse se transforma em 6,5! A cota multiplicativa, portanto, aumenta os incentivos ao esforço, não o oposto. E evita que o mérito sai adversamente afetado (como o faz a cota tradicional). Isso é bom em si, além de evitar tensões dentro da universidade e no mercado de trabalho.

E faz muito sentido aumentar a nota do aluno pobre. Hoje, o esquema de seleção é muito injusto com o mais pobre. Não se pode comparar uma nota 6 de alguém que comeu mal, estudou numa escola ruim, trabalhou desde os 10 anos e vem de uma família com baixo capital humano, com uma nota 6 de vocês que leem este texto. O 6 dele é sinal de muito mais potencial do que o seu/meu.

A equivalência exata é difícil de precisar, mas 7,8 (= 6 x 1,3) parece um número razoável, talvez um K=1,5?

Duas restrições ao nosso amigo K: ele não pode ser nem muito baixo (porque aí não ajuda o “cotista” em nada), nem muito alto (pois aí mata totalmente a meritocracia).

O sistema tradicional de seleção para a universidade pública é injusto, mas as cotas quantitativas impõem muita ineficiência. Afetam perversamente os incentivos de todos os atores. A solução de curto prazo é a cota K, e a de longo é melhorar a qualidade da escola pública!

Veja, logo mais, um vídeo em que explicamos sobre os impactos da educação de qualidade na economia:


 

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Cotas chegam à USP: o modelo escolhido é o ideal?

cotas usp/reprodução As cotas chegaram ao vestibular da maior universidade da América Latina, a Universidade de São Paulo (USP). Após acaloradas discussões, ficou decidido: 50% dos alunos em 2021 deverão ser originários do sistema publico de ensino, com estimados 37% de negros e pardos. Cotas são uma boa ideia, tanto em termos de justiça como de eficiência. Mas precisam ser inteligentemente implementadas. E não é esse o caso do sistema de cotas no Brasil ao qual a USP adere, lamentavelmente. Primeiro, o único critério aparentemente razoável para identificar o cotista é o de renda. É um modelo transparente, eficiente e justo. Sua correlação com cor da pele é alta, claro, mas longe de perfeita. Se existem negros ricos, por que ajudá-los com cotas? E os brancos pobres, por que não ajudá-los?. Segundo, se o identificador é renda, os incentivos não se desalinham tanto: ninguém troca um emprego de alta renda por um de baixa para facilitar a entrada do filho na universidade pública. Mas o critério “vir de escola pública” pode, sim, gerar ineficiências e injustiças. Por exemplo, uma pessoa de renda não baixa pode matricular seu filho numa escola pública e, simultaneamente, num cursinho pré-vestibular de alta qualidade - maximizando assim suas chances de entrada na USP. Isso para não falar dos milhares de pobres brasileiros que fazem um esforço tremendo para pagar uma escola privada, mas apenas marginalmente melhor que a pública para seus filhos. Faz sentido prejudicar essas pessoas? Por fim, o critério sendo “vir de escola pública” enfraquece, ainda que na margem, os incentivos a se resolver o problema real que nos faz uma sociedade tão absurdamente desigual: a qualidade do ensino na própria escola pública! Que o critério deva ser a renda familiar beira o óbvio ululante, como diria nosso saudoso Nelson Rodrigues. Mais ainda, a escolha de reservar x% de vagas para o grupo Y tampouco é a melhor. De novo, afeta adversamente os incentivos, principalmente com o x% sendo um valor de monta, como esses enormes 50% anunciados. Com essa regra, muita gente capaz vai deixar de estudar para o vestibular de Medicina, por exemplo. Afinal, só um desempenho absurdamente espetacular vai colocar o candidato para dentro, caso ele não provenha da minoria beneficiada pela cota. E a situação na sala de aula vai ser tensa. Metade da sala com potencial elevadíssimo, metade com uma formação básica fraca. Uma diferença descontínua. Adicionalmente, vai atrapalhar a entrada no mercado de médicos daqui a 10 anos: saber se o especialista da USP é cotista ou não será uma informação potencialmente relevante - e socialmente explosiva! Mas qual o modelo ideal? O sistema de cotas ideal é diferente, mexe com "preços" (nesse caso, notas), não quantidades. Na verdade, não deveria sequer ser chamado cotas, pois não existiria uma quantidade fixa de vagas para o grupo minoritário em questão. A ideia desse sistema alternativo é a seguinte: um aluno provindo de uma família de baixa renda teria a sua nota multiplicada por um valor maior que 1, um fator de ajuste, digamos K=1,3. Em suma, segundo esse esquema, a nota do aluno "cotista" seria igual a: (nota da prova) x K. Note: se o aluno "cotista" tira uma nota muito baixa, como um 2, o esquema ajuda pouco. Mas se ele arranca um 5, esse se transforma em 6,5! A cota multiplicativa, portanto, aumenta os incentivos ao esforço, não o oposto. E evita que o mérito sai adversamente afetado (como o faz a cota tradicional). Isso é bom em si, além de evitar tensões dentro da universidade e no mercado de trabalho. E faz muito sentido aumentar a nota do aluno pobre. Hoje, o esquema de seleção é muito injusto com o mais pobre. Não se pode comparar uma nota 6 de alguém que comeu mal, estudou numa escola ruim, trabalhou desde os 10 anos e vem de uma família com baixo capital humano, com uma nota 6 de vocês que leem este texto. O 6 dele é sinal de muito mais potencial do que o seu/meu. A equivalência exata é difícil de precisar, mas 7,8 (= 6 x 1,3) parece um número razoável, talvez um K=1,5? Duas restrições ao nosso amigo K: ele não pode ser nem muito baixo (porque aí não ajuda o “cotista” em nada), nem muito alto (pois aí mata totalmente a meritocracia). O sistema tradicional de seleção para a universidade pública é injusto, mas as cotas quantitativas impõem muita ineficiência. Afetam perversamente os incentivos de todos os atores. A solução de curto prazo é a cota K, e a de longo é melhorar a qualidade da escola pública! Veja, logo mais, um vídeo em que explicamos sobre os impactos da educação de qualidade na economia:   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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