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A Organização Mundial do Comércio e o governo Biden estão prestando um enorme desserviço à sociedade mundial ao apoiarem a ideia de um acordo internacional para suspensão temporária das patentes adquiridas pelas farmacêuticas que desenvolveram, ao longo do tenebroso ano de 2020, vacinas eficazes contra o coronavírus. Veja: as consequências dessa atitude são de longa duração, não atingindo apenas a situação e a geração presentes. O precedente criado pode gerar danos permanentes ao progresso, solapando os incentivos do setor privado a inovar em virtualmente qualquer área que possa ser classificada a posteriori como “sensível”, ou algo do gênero. 

Aparentemente, o que está por trás da ideia é o aumento exponencial de casos na Índia e a baixa oferta de doses em diversos países do mundo em desenvolvimento. A situação é de fato grave, e queremos crer que a intenção é realmente boa. Mas há outros meios de ajudar que não passam por quebra de patentes. O mais óbvio deles, que ainda não foi posto em marcha, é transferir excedentes de vacinas não usadas para países mais pobres. Os Estados Unidos, por exemplo, estão sentados em uma enorme pilha de milhões e milhões de doses de AstraZeneca. Por que não as enviam logo para a Índia? 

Angela Merkel, a chanceler alemã, rapidamente rejeitou a proposta, com um argumento que parece ter escapado a outros líderes: destruindo o incentivo das empresas farmacêuticas a produzir, a oferta futura de vacinas cairá. Consequência imediata da sensatez de Merkel: as ações da Moderna e da BioNTech, que caíam no fatídico dia 12% e 15%, respectivamente, fecharam os pregões em queda bem mais modesta de 2% e 3,5%. 

Estamos jogando um jogo conhecido. Mesmo para quem acha que o lucro deveria ser menor, segue inelutável o fato de que expropriar gera problemas, pelo simples fato de que o expropriado reage. E todos saímos prejudicados. Não só futuro distante. Pense no próximo trimestre. Se você quebra a patente hoje e outros conseguem produzir doses das vacinas sem ter de gastar os bilhões que as empresas que inovaram gastaram, quem é que vai desenvolver uma versão segura para crianças? Ou produzir novas vacinas para lidar com novas variantes? Ou investir na melhoria da vacina atual para diminuir efeitos colaterais? Quem? Os produtores originais não vão querer. E os beneficiados com a quebra de patentes, bem, esses não conseguiram inovar por eles mesmos.

Para piorar, talvez a quebra de patentes nem ajude muito. Não é fácil produzir essas vacinas. Aos países em desenvolvimento faltam equipamento e pessoal altamente qualificado. Não se trata de uma fórmula que se pode replicar de um dia para o outro. A Moderna já disse não se importar com o waiver da patente, dado que ela entende ser muito difícil que outros consigam produzir em escala. 

O bafafá então seria inócuo: se a medida não é eficaz para aumentar a oferta, as empresas não saem muito prejudicadas e segue o jogo, correto? Errado. Segue o jogo para esse caso em particular, talvez. Mas o sinal de que os governantes estão de acordo com a ideia de usurpar os direitos de propriedade dos outros fica. Pensando bem, é possível que o estrago já esteja feito.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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O poder destrutivo das boas intenções: o caso das patentes

A Organização Mundial do Comércio e o governo Biden estão prestando um enorme desserviço à sociedade mundial ao apoiarem a ideia de um acordo internacional para suspensão temporária das patentes adquiridas pelas farmacêuticas que desenvolveram, ao longo do tenebroso ano de 2020, vacinas eficazes contra o coronavírus. Veja: as consequências dessa atitude são de longa duração, não atingindo apenas a situação e a geração presentes. O precedente criado pode gerar danos permanentes ao progresso, solapando os incentivos do setor privado a inovar em virtualmente qualquer área que possa ser classificada a posteriori como “sensível”, ou algo do gênero. 

Aparentemente, o que está por trás da ideia é o aumento exponencial de casos na Índia e a baixa oferta de doses em diversos países do mundo em desenvolvimento. A situação é de fato grave, e queremos crer que a intenção é realmente boa. Mas há outros meios de ajudar que não passam por quebra de patentes. O mais óbvio deles, que ainda não foi posto em marcha, é transferir excedentes de vacinas não usadas para países mais pobres. Os Estados Unidos, por exemplo, estão sentados em uma enorme pilha de milhões e milhões de doses de AstraZeneca. Por que não as enviam logo para a Índia? 

Angela Merkel, a chanceler alemã, rapidamente rejeitou a proposta, com um argumento que parece ter escapado a outros líderes: destruindo o incentivo das empresas farmacêuticas a produzir, a oferta futura de vacinas cairá. Consequência imediata da sensatez de Merkel: as ações da Moderna e da BioNTech, que caíam no fatídico dia 12% e 15%, respectivamente, fecharam os pregões em queda bem mais modesta de 2% e 3,5%. 

Estamos jogando um jogo conhecido. Mesmo para quem acha que o lucro deveria ser menor, segue inelutável o fato de que expropriar gera problemas, pelo simples fato de que o expropriado reage. E todos saímos prejudicados. Não só futuro distante. Pense no próximo trimestre. Se você quebra a patente hoje e outros conseguem produzir doses das vacinas sem ter de gastar os bilhões que as empresas que inovaram gastaram, quem é que vai desenvolver uma versão segura para crianças? Ou produzir novas vacinas para lidar com novas variantes? Ou investir na melhoria da vacina atual para diminuir efeitos colaterais? Quem? Os produtores originais não vão querer. E os beneficiados com a quebra de patentes, bem, esses não conseguiram inovar por eles mesmos.

Para piorar, talvez a quebra de patentes nem ajude muito. Não é fácil produzir essas vacinas. Aos países em desenvolvimento faltam equipamento e pessoal altamente qualificado. Não se trata de uma fórmula que se pode replicar de um dia para o outro. A Moderna já disse não se importar com o waiver da patente, dado que ela entende ser muito difícil que outros consigam produzir em escala. 

O bafafá então seria inócuo: se a medida não é eficaz para aumentar a oferta, as empresas não saem muito prejudicadas e segue o jogo, correto? Errado. Segue o jogo para esse caso em particular, talvez. Mas o sinal de que os governantes estão de acordo com a ideia de usurpar os direitos de propriedade dos outros fica. Pensando bem, é possível que o estrago já esteja feito.

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