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							Há décadas fala-se das ineficiências do nosso sistema de impostos e da necessidade de uma reforma tributária. Na próxima eleição, programas de governo certamente precisarão abordar o assunto.

Os detalhes exatos dependerão da inclinação política de cada candidato, mas alguns aspectos não podem ser ignorados. Impostos são necessários para manter a máquina do Estado funcionando e para produzir serviços públicos. Mas eles geram custos que vão além do dinheiro que sai do nosso bolso – as chamadas distorções. 

Essas distorções são inevitáveis, dado que não há provisão de bens e serviços públicos sem arrecadação de impostos. A questão é conseguirmos montar um sistema tributário em que elas não sejam muito grandes. Um exemplo ajuda a ilustrar esse ponto.

Um exemplo hipotético

Suponha que o governo de um país decida taxar a produção de suco de laranja para financiar suas atividades. Parte desse imposto acaba sendo repassado aos consumidores na forma de preços mais altos. Só que eles reagem, substituindo o consumo de suco de laranja pelo de outros bens – por exemplo, de suco de uva. O resultado é que tanto a produção como o consumo de suco de laranja serão mais baixos.

Esse movimento gera uma série de custos para sociedade, que não são exatamente o dinheiro que gastamos para pagar por esses impostos. São as tais distorções, que diminuem a eficiência da economia.

Um setor (suco de laranja) acaba diminuindo de tamanho não porque suas empresas são menos produtivas, mas simplesmente porque há uma taxação mais alta em relação a outros setores da economia. E algumas atividades econômicas (a produção de suco de uva) acabam se beneficiando.

Assim, não necessariamente os recursos escassos da economia estão se direcionando a quem faz uso mais produtivo deles. Isso é o que economistas chamam de má alocação de recursos.

Adicionalmente, taxar poucos produtos prejudica a própria arrecadação de impostos do governo. Isso porque as pessoas e empresas mudam seu comportamento em resposta ao imposto mais alto, o que lhes permite “escapar” em parte da taxação. Não via sonegação ou evasão de impostos, mas simplesmente substituindo por outros produtos que ficaram relativamente mais baratos. 

No exemplo hipotético, muita gente passaria a não comprar suco de laranja (trocando por suco de uva) porque ele ficou mais caro por causa do imposto mais alto. Com isso, caem o consumo do produto e as possibilidades de arrecadar tributos por essa via.

Um exemplo real

Há uma proposta que sempre volta à discussão no Brasil, e é vista por muitos como uma bala de prata: o imposto único. Em geral, essa proposta envolve cobrança de impostos em movimentações financeiras, nos moldes da antiga CPMF. Fala-se até em eliminar todos os outros impostos da economia e colocar uma CPMF turbinada no lugar. Provavelmente, veremos versões desse imposto em alguns programas de governo.

E aqui é preciso ter muito cuidado. Como no exemplo hipotético do suco de laranja, as pessoas certamente mudarão seu comportamento para evitar o imposto. Por exemplo, indivíduos usarão menos o sistema financeiro para fazer pagamentos e empresas passarão a realizar mais estágios de sua produção internamente (em vez de contratar outras empresas para realizar parte da produção). Confira aqui a discussão em maiores detalhes.  

Tudo isso tem o potencial de reduzir a eficiência da economia. E o montante a ser arrecadado muito provavelmente será menor do que o almejado pelos defensores da proposta, dada a reação esperada dos indivíduos para reduzir transações financeiras.

Portanto, se você se deparar com propostas milagrosas de impostos sobre poucas atividades financiando a máquina do Estado, desconfie!

As vantagens da taxação uniforme

Como discutimos, os custos do imposto vão além do dinheiro que pagamos ao governo. Há custos sociais, na medida em que pessoas e empresas mudam de comportamento em função da taxação. Nesse sentido, sistemas com bases amplas – isto é, que cobrem vários bens e serviços da economia – e que tenham alíquotas parecidas tendem a reduzir essas distorções. 

No exemplo do suco de laranja, se o mesmo imposto incidisse sobre o suco de uva, haveria menos oportunidades de substituição, o que reduziria as distorções advindas da taxação.

O sistema tributário brasileiro, entretanto, está longe desse padrão. Há alíquotas distintas, muitas vezes para produtos próximos. 

Isso traz uma incerteza adicional para as empresas, principalmente quando introduzem um produto novo, porque não sabem em que categoria o item cairá (e qual imposto será cobrado). O sistema é ainda complexo, demandando que firmas gastem tempo e recursos cumprindo com procedimentos burocráticos associados aos impostos.

Além disso, criam-se oportunidades para a ação de lobbies empresariais, na tentativa de pressionar políticos e gestores para reduzir os impostos para determinados setores. No fim das contas, empresários podem investir mais em criar relações com políticos para conseguir um tratamento tributário favorável, do que em inovar, ganhar produtividade, introduzir novos produtos etc.

Um sistema mais simples, com alíquotas comuns a diversos produtos, teria diversas vantagens em relação ao sistema atual. Reduziria os custos sociais da taxação e sinalizaria a empresários que não há oportunidades de aumentar a lucratividade via lobby por impostos mais baixos para seu setor.

Perguntas aos candidatos

É sempre útil pautar a discussão de políticas públicas por uma referência. No nosso caso, acredito que essa referência deva ser um sistema de taxação uniforme, com alíquotas comuns à maioria dos bens e serviços da economia.

Se um candidato acreditar que determinado setor merece um tratamento diferenciado, é necessário justificar. Em outras palavras, deve explicar por que é necessário ajudar esse setor e prejudicar os demais, gerando custos sociais. Há benefícios que compensam esses custos?

Muitas vezes a discussão passará pelos empregos a serem gerados. Mas é preciso ressaltar que a taxação diferenciada acaba prejudicando outros setores, que ficam com impostos relativamente mais altos. Não só desencadeia os custos sociais acima discutidos, mas também dificulta a geração de emprego em outras indústrias que não foram agraciadas.

O argumento pode também invocar a distribuição de renda. Um exemplo é cobrar impostos mais baixos nos produtos que compõem a cesta básica, para beneficiar os mais pobres. Mas é necessário ponderar que também os mais ricos se beneficiarão (ainda que em menor grau), pois também consomem esses produtos, junto com empresários de setores produtores de itens da cesta básica (que provavelmente não estão entre os mais pobres). 

Mais importante: o candidato precisaria explicar por que essa melhora distributiva não poderia ser obtida por programas de transferência de renda, em vez de uma taxação favorável aos produtos da cesta básica.

Economistas veem motivos para “quebrar” a regra da taxação uniforme quando há externalidades. No caso das externalidades positivas, quando uma pessoa consome um bem, ela gera benefícios a terceiros que não têm nada a ver com sua ação. Um exemplo bem claro é a vacinação, em que a pessoa não só diminui suas chances de contrair uma doença, mas também a de transmiti-la a outros. Nessas situações, a prescrição é que essas atividades sejam incentivadas, com impostos mais baixos e até subsídios.

Assim, poderíamos sim questionar candidatos que defendem tratamento especial a determinado setor se há externalidades positivas e se elas são relevantes. 

Por outro lado, há diversos casos de externalidades negativas, quando o consumo ou produção de um bem prejudica terceiros. O exemplo clássico são atividades que provocam poluição e agressão ao meio ambiente. Aqui a recomendação é que essas atividades sejam desincentivadas, isto é, tenham uma alíquota de imposto mais elevada que a de outros produtos. Nesse sentido, a eterna discussão de zerar imposto sobre combustíveis e até subsidiar esta atividade vai na contramão de qualquer argumento de eficiência econômica.

Ainda não acabou

A discussão sobre impostos é complexa e certamente não cabe em um único texto. Aqui tratamos basicamente de aspectos de eficiência econômica relacionados ao sistema tributário. Mas há questões bastante importantes de distribuição de renda, que abordaremos na próxima oportunidade. 

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O que um programa de governo precisa conter? Impostos

Há décadas fala-se das ineficiências do nosso sistema de impostos e da necessidade de uma reforma tributária. Na próxima eleição, programas de governo certamente precisarão abordar o assunto.

Os detalhes exatos dependerão da inclinação política de cada candidato, mas alguns aspectos não podem ser ignorados. Impostos são necessários para manter a máquina do Estado funcionando e para produzir serviços públicos. Mas eles geram custos que vão além do dinheiro que sai do nosso bolso – as chamadas distorções. 

Essas distorções são inevitáveis, dado que não há provisão de bens e serviços públicos sem arrecadação de impostos. A questão é conseguirmos montar um sistema tributário em que elas não sejam muito grandes. Um exemplo ajuda a ilustrar esse ponto.

Um exemplo hipotético

Suponha que o governo de um país decida taxar a produção de suco de laranja para financiar suas atividades. Parte desse imposto acaba sendo repassado aos consumidores na forma de preços mais altos. Só que eles reagem, substituindo o consumo de suco de laranja pelo de outros bens – por exemplo, de suco de uva. O resultado é que tanto a produção como o consumo de suco de laranja serão mais baixos.

Esse movimento gera uma série de custos para sociedade, que não são exatamente o dinheiro que gastamos para pagar por esses impostos. São as tais distorções, que diminuem a eficiência da economia.

Um setor (suco de laranja) acaba diminuindo de tamanho não porque suas empresas são menos produtivas, mas simplesmente porque há uma taxação mais alta em relação a outros setores da economia. E algumas atividades econômicas (a produção de suco de uva) acabam se beneficiando.

Assim, não necessariamente os recursos escassos da economia estão se direcionando a quem faz uso mais produtivo deles. Isso é o que economistas chamam de má alocação de recursos.

Adicionalmente, taxar poucos produtos prejudica a própria arrecadação de impostos do governo. Isso porque as pessoas e empresas mudam seu comportamento em resposta ao imposto mais alto, o que lhes permite “escapar” em parte da taxação. Não via sonegação ou evasão de impostos, mas simplesmente substituindo por outros produtos que ficaram relativamente mais baratos. 

No exemplo hipotético, muita gente passaria a não comprar suco de laranja (trocando por suco de uva) porque ele ficou mais caro por causa do imposto mais alto. Com isso, caem o consumo do produto e as possibilidades de arrecadar tributos por essa via.

Um exemplo real

Há uma proposta que sempre volta à discussão no Brasil, e é vista por muitos como uma bala de prata: o imposto único. Em geral, essa proposta envolve cobrança de impostos em movimentações financeiras, nos moldes da antiga CPMF. Fala-se até em eliminar todos os outros impostos da economia e colocar uma CPMF turbinada no lugar. Provavelmente, veremos versões desse imposto em alguns programas de governo.

E aqui é preciso ter muito cuidado. Como no exemplo hipotético do suco de laranja, as pessoas certamente mudarão seu comportamento para evitar o imposto. Por exemplo, indivíduos usarão menos o sistema financeiro para fazer pagamentos e empresas passarão a realizar mais estágios de sua produção internamente (em vez de contratar outras empresas para realizar parte da produção). Confira aqui a discussão em maiores detalhes.  

Tudo isso tem o potencial de reduzir a eficiência da economia. E o montante a ser arrecadado muito provavelmente será menor do que o almejado pelos defensores da proposta, dada a reação esperada dos indivíduos para reduzir transações financeiras.

Portanto, se você se deparar com propostas milagrosas de impostos sobre poucas atividades financiando a máquina do Estado, desconfie!

As vantagens da taxação uniforme

Como discutimos, os custos do imposto vão além do dinheiro que pagamos ao governo. Há custos sociais, na medida em que pessoas e empresas mudam de comportamento em função da taxação. Nesse sentido, sistemas com bases amplas – isto é, que cobrem vários bens e serviços da economia – e que tenham alíquotas parecidas tendem a reduzir essas distorções. 

No exemplo do suco de laranja, se o mesmo imposto incidisse sobre o suco de uva, haveria menos oportunidades de substituição, o que reduziria as distorções advindas da taxação.

O sistema tributário brasileiro, entretanto, está longe desse padrão. Há alíquotas distintas, muitas vezes para produtos próximos. 

Isso traz uma incerteza adicional para as empresas, principalmente quando introduzem um produto novo, porque não sabem em que categoria o item cairá (e qual imposto será cobrado). O sistema é ainda complexo, demandando que firmas gastem tempo e recursos cumprindo com procedimentos burocráticos associados aos impostos.

Além disso, criam-se oportunidades para a ação de lobbies empresariais, na tentativa de pressionar políticos e gestores para reduzir os impostos para determinados setores. No fim das contas, empresários podem investir mais em criar relações com políticos para conseguir um tratamento tributário favorável, do que em inovar, ganhar produtividade, introduzir novos produtos etc.

Um sistema mais simples, com alíquotas comuns a diversos produtos, teria diversas vantagens em relação ao sistema atual. Reduziria os custos sociais da taxação e sinalizaria a empresários que não há oportunidades de aumentar a lucratividade via lobby por impostos mais baixos para seu setor.

Perguntas aos candidatos

É sempre útil pautar a discussão de políticas públicas por uma referência. No nosso caso, acredito que essa referência deva ser um sistema de taxação uniforme, com alíquotas comuns à maioria dos bens e serviços da economia.

Se um candidato acreditar que determinado setor merece um tratamento diferenciado, é necessário justificar. Em outras palavras, deve explicar por que é necessário ajudar esse setor e prejudicar os demais, gerando custos sociais. Há benefícios que compensam esses custos?

Muitas vezes a discussão passará pelos empregos a serem gerados. Mas é preciso ressaltar que a taxação diferenciada acaba prejudicando outros setores, que ficam com impostos relativamente mais altos. Não só desencadeia os custos sociais acima discutidos, mas também dificulta a geração de emprego em outras indústrias que não foram agraciadas.

O argumento pode também invocar a distribuição de renda. Um exemplo é cobrar impostos mais baixos nos produtos que compõem a cesta básica, para beneficiar os mais pobres. Mas é necessário ponderar que também os mais ricos se beneficiarão (ainda que em menor grau), pois também consomem esses produtos, junto com empresários de setores produtores de itens da cesta básica (que provavelmente não estão entre os mais pobres). 

Mais importante: o candidato precisaria explicar por que essa melhora distributiva não poderia ser obtida por programas de transferência de renda, em vez de uma taxação favorável aos produtos da cesta básica.

Economistas veem motivos para “quebrar” a regra da taxação uniforme quando há externalidades. No caso das externalidades positivas, quando uma pessoa consome um bem, ela gera benefícios a terceiros que não têm nada a ver com sua ação. Um exemplo bem claro é a vacinação, em que a pessoa não só diminui suas chances de contrair uma doença, mas também a de transmiti-la a outros. Nessas situações, a prescrição é que essas atividades sejam incentivadas, com impostos mais baixos e até subsídios.

Assim, poderíamos sim questionar candidatos que defendem tratamento especial a determinado setor se há externalidades positivas e se elas são relevantes. 

Por outro lado, há diversos casos de externalidades negativas, quando o consumo ou produção de um bem prejudica terceiros. O exemplo clássico são atividades que provocam poluição e agressão ao meio ambiente. Aqui a recomendação é que essas atividades sejam desincentivadas, isto é, tenham uma alíquota de imposto mais elevada que a de outros produtos. Nesse sentido, a eterna discussão de zerar imposto sobre combustíveis e até subsidiar esta atividade vai na contramão de qualquer argumento de eficiência econômica.

Ainda não acabou

A discussão sobre impostos é complexa e certamente não cabe em um único texto. Aqui tratamos basicamente de aspectos de eficiência econômica relacionados ao sistema tributário. Mas há questões bastante importantes de distribuição de renda, que abordaremos na próxima oportunidade. 

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