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Há algo em comum em todas as economias afetadas pela pandemia. O ritmo de vacinação da população – bem diferenciado entre países – tem sido o fator principal para as perspectivas de retomada da atividade econômica, por tratar-se de uma corrida contra as ondas locais de transmissão do vírus. 

O fulcro da crise tem estado nos serviços com contato pessoal. Na medida em que a vacinação permita seu retorno, poder-se-á até assistir a algum dinamismo temporário no setor, devido à demanda reprimida. O turismo internacional não está aí incluído de início, já que a vacinação terá de estar avançada tanto na origem quanto no destino de viagens. 

Mas não nos deixemos enganar: a pandemia deixará cicatrizes e os países não voltarão para onde estavam. Haverá necessidade de retreinamento e realocação empregatícia de parte de suas populações. Isso se aplica a todos os países.

A pandemia está deixando um rastro de desemprego, atingindo particularmente mulheres, minorias e trabalhadores de baixa qualificação, predominantemente responsáveis pela ocupação em serviços com contato pessoal. Já se sabia antes da pandemia que mudanças tecnológicas em curso – automação e digitalização – estavam colocando desafios em termos de necessidade de qualificação ou requalificação para parcela da força de trabalho. Pois bem! A resposta por empresas e consumidores à pandemia aprofundou tais tendências e não se espera que seja inteiramente revertida.

Um relatório recente do McKinsey Global Institute estimou que, em oito países analisados (China, França, Alemanha, Índia, Japão, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos), até 2030 mais de 100 milhões de trabalhadores terão de encontrar novas ocupações mais qualificadas. Trata-se de 25% a mais do que projetavam anteriormente para países desenvolvidos. Embora o estudo não sugira mudanças dramáticas no caso da Índia, não há por que não esperar necessidades de realocação em países como o Brasil. 

Por quê? Muitas das práticas adotadas durante a pandemia provavelmente permanecerão. Onde feitas, pesquisas junto a consumidores apontam que as vendas via comercio eletrônico que cresceram substancialmente na crise não deverão encolher muito. Também o trabalho remoto não será integralmente revertido, com a organização híbrida de processos de trabalho se tornando mais frequente. Ajudará para tal o fato de empregados em ocupação remota terem trabalhado mais horas e com maior produtividade durante a pandemia.  

McKinsey sugere que mudanças na “geografia do trabalho” trarão consequências para centros urbanos e para trabalhadores empregados em serviços tais como restaurantes, hotéis, lojas e serviços em edifícios – 25% dos empregos nos Estados Unidos antes da pandemia. Com efeito, a demanda por serviços locais nas cidades caiu dramaticamente à medida que o trabalho remoto aumentou, independentemente dos confinamentos. 

David Autor e Elisabeth Reynolds, ambos do MIT, indicam quatro tendências para o mundo do trabalho após a pandemia. Além da automação, destacam o aumento do trabalho remoto, a redução da densidade em centros urbanos e uma consolidação empresarial. Essa última em decorrência do domínio crescente de firmas grandes em muitos setores, algo exacerbado pelas falências de empresas menores e mais vulneráveis.

Todas essas tendências têm impactos negativos sobre assalariados de baixa renda e a distribuição de renda. Elas tendem a elevar a eficiência de processos no longo prazo, trazendo, contudo, consequências duras nos curto e médio prazos para trabalhadores em serviços pessoais, em geral não presentes entre os mais bem remunerados. Trabalhadores no topo da pirâmide salarial, como os profissionais que usam conhecimentos em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM em inglês), terão oportunidades crescentes.

O aumento na desigualdade da renda nos países avançados a partir dos anos 90 teve no progresso tecnológico uma de suas principais causas. Sua aceleração com a pandemia tende, portanto, a intensificar os desafios. De certo modo, cabe dizer que a pandemia está acelerando a história, mais que a mudando.

O papel das políticas públicas será central nesse mundo pós-covid, tanto no reforço da proteção social – inclusive mediante seguros-desemprego e programas de transferências de renda – quanto na requalificação de trabalhadores. Em lugar de negar o avanço tecnológico, cabe mais ter o poder público ajudando na adaptação e na minimização do ônus das cicatrizes.

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute, professor assistente adjunto em Columbia University, professor na Elliott School of International Affairs (GWU) e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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Por que a pandemia deixará cicatrizes no mercado de trabalho?

Há algo em comum em todas as economias afetadas pela pandemia. O ritmo de vacinação da população – bem diferenciado entre países – tem sido o fator principal para as perspectivas de retomada da atividade econômica, por tratar-se de uma corrida contra as ondas locais de transmissão do vírus. 

O fulcro da crise tem estado nos serviços com contato pessoal. Na medida em que a vacinação permita seu retorno, poder-se-á até assistir a algum dinamismo temporário no setor, devido à demanda reprimida. O turismo internacional não está aí incluído de início, já que a vacinação terá de estar avançada tanto na origem quanto no destino de viagens. 

Mas não nos deixemos enganar: a pandemia deixará cicatrizes e os países não voltarão para onde estavam. Haverá necessidade de retreinamento e realocação empregatícia de parte de suas populações. Isso se aplica a todos os países.

A pandemia está deixando um rastro de desemprego, atingindo particularmente mulheres, minorias e trabalhadores de baixa qualificação, predominantemente responsáveis pela ocupação em serviços com contato pessoal. Já se sabia antes da pandemia que mudanças tecnológicas em curso – automação e digitalização – estavam colocando desafios em termos de necessidade de qualificação ou requalificação para parcela da força de trabalho. Pois bem! A resposta por empresas e consumidores à pandemia aprofundou tais tendências e não se espera que seja inteiramente revertida.

Um relatório recente do McKinsey Global Institute estimou que, em oito países analisados (China, França, Alemanha, Índia, Japão, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos), até 2030 mais de 100 milhões de trabalhadores terão de encontrar novas ocupações mais qualificadas. Trata-se de 25% a mais do que projetavam anteriormente para países desenvolvidos. Embora o estudo não sugira mudanças dramáticas no caso da Índia, não há por que não esperar necessidades de realocação em países como o Brasil. 

Por quê? Muitas das práticas adotadas durante a pandemia provavelmente permanecerão. Onde feitas, pesquisas junto a consumidores apontam que as vendas via comercio eletrônico que cresceram substancialmente na crise não deverão encolher muito. Também o trabalho remoto não será integralmente revertido, com a organização híbrida de processos de trabalho se tornando mais frequente. Ajudará para tal o fato de empregados em ocupação remota terem trabalhado mais horas e com maior produtividade durante a pandemia.  

McKinsey sugere que mudanças na “geografia do trabalho” trarão consequências para centros urbanos e para trabalhadores empregados em serviços tais como restaurantes, hotéis, lojas e serviços em edifícios – 25% dos empregos nos Estados Unidos antes da pandemia. Com efeito, a demanda por serviços locais nas cidades caiu dramaticamente à medida que o trabalho remoto aumentou, independentemente dos confinamentos. 

David Autor e Elisabeth Reynolds, ambos do MIT, indicam quatro tendências para o mundo do trabalho após a pandemia. Além da automação, destacam o aumento do trabalho remoto, a redução da densidade em centros urbanos e uma consolidação empresarial. Essa última em decorrência do domínio crescente de firmas grandes em muitos setores, algo exacerbado pelas falências de empresas menores e mais vulneráveis.

Todas essas tendências têm impactos negativos sobre assalariados de baixa renda e a distribuição de renda. Elas tendem a elevar a eficiência de processos no longo prazo, trazendo, contudo, consequências duras nos curto e médio prazos para trabalhadores em serviços pessoais, em geral não presentes entre os mais bem remunerados. Trabalhadores no topo da pirâmide salarial, como os profissionais que usam conhecimentos em ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM em inglês), terão oportunidades crescentes.

O aumento na desigualdade da renda nos países avançados a partir dos anos 90 teve no progresso tecnológico uma de suas principais causas. Sua aceleração com a pandemia tende, portanto, a intensificar os desafios. De certo modo, cabe dizer que a pandemia está acelerando a história, mais que a mudando.

O papel das políticas públicas será central nesse mundo pós-covid, tanto no reforço da proteção social – inclusive mediante seguros-desemprego e programas de transferências de renda – quanto na requalificação de trabalhadores. Em lugar de negar o avanço tecnológico, cabe mais ter o poder público ajudando na adaptação e na minimização do ônus das cicatrizes.

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute, professor assistente adjunto em Columbia University, professor na Elliott School of International Affairs (GWU) e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp.

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