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O problema fiscal brasileiro parece não ter fim, fazendo com que a dívida pública cresça a uma velocidade assustadora. Para 2019, a previsão do governo é de fechar com um déficit primário (isto é, a diferença entre despesas e arrecadação, sem incluir gastos com juros da dívida) de 139 bilhões de reais.

Ao longo dos próximos anos, o governo federal precisa desesperadamente transformar esse déficit em superávit, justamente para segurar o crescimento da dívida. A ideia do teto dos gastos é fazer esse ajuste de maneira gradual, de modo que a dívida (como proporção do PIB) se estabilize no médio prazo, e depois comece a cair.

O superministro Paulo Guedes pretende zerar o déficit logo no primeiro ano do governo Bolsonaro. Seria ótimo, pois conseguiríamos acelerar o ajuste, o que permitiria quedas de juros mais consistentes e reduziria o custo de manter a dívida.  Trata-se, porém, de uma tarefa hercúlea e provavelmente não factível.

O gasto com aposentadorias, em crescimento acelerado, é o principal responsável por nosso problema fiscal. Sem reformar a Previdência, certamente não fecharemos as contas. Mas os efeitos de uma eventual reforma não serão sentidos tão rapidamente a ponto de impactar de maneira significativa as contas públicas já em 2019, quando Guedes pretende zerar o déficit. Afinal, o governo precisaria aprovar a mudança no Congresso, e isso não vai ocorrer em primeiro de janeiro. Lembre ainda que Bolsonaro não pretende utilizar a proposta de Temer, que já se encontra mais adiantada, uma vez que foi aprovada em comissão. Ou seja, há mais etapas a cumprir dentro dos trâmites do Congresso.

O novo governo poderia então cortar outras despesas para tentar zerar o déficit em 2019. Só que isso também é complicado, pois uma parcela grande das despesas do governo federal é obrigatória por lei. Para mudar esse quadro, precisaria também aprovar mudanças no Congresso, o que não vai acontecer tão cedo.

Uma alternativa para zerar o déficit seria aumentar impostos, de modo a incrementar a arrecadação – mas isso aparentemente está fora de cogitação.

O governo poderia ainda vender seus ativos – por exemplo, privatizando empresas estatais. Dependendo do valor arrecadado, isso potencialmente zeraria o déficit em 2019. Paulo Guedes estima que privatizações trariam mais 800 bilhões de reais ao caixa do governo. Uma fração desse valor já cobriria os 139 bilhões de déficit projetados.

De novo, o governo dependeria do Congresso. Além disso, o próprio presidente Bolsonaro expressou reservas sobre a venda de algumas estatais.

Mas mesmo que sejam realizadas privatizações e o dinheiro entre no caixa em 2019, de modo a reduzir o rombo no ano, o problema fiscal brasileiro não se resolveria. Vendas de ativos públicos trariam apenas receitas extraordinárias – isto é, que ocorrem apenas uma vez e não se repetem ao longo do tempo. Não dá para vender uma empresa estatal duas vezes.

Se não houver um ajuste nos gastos e receitas ordinárias do governo, os déficits voltarão a aparecer no futuro, e a dívida continuará a crescer. Privatizações trariam um alívio de curto prazo. Apenas empurraríamos o problema um pouquinho para frente.

Para entender esse ponto, pense na seguinte analogia com o problema de uma pessoa que ganha determinado salário e tem uma série de gastos (alimentação, aluguel, lazer, educação etc.). Só que esse indivíduo gasta mais do que ganha, e para financiar a diferença toma emprestado no banco. Como isso se repete mês após mês, sua dívida está crescendo, e o banco avisa que não mais oferecerá crédito ao indivíduo, pois acredita que ele não conseguirá honrar seus compromissos no futuro próximo.

Para manter o padrão de consumo, a pessoa então decide vender o carro. Com o valor da venda, ela consegue manter seus gastos acima do salário durante certo tempo. Mas logo logo o montante se esgota. E a pessoa está novamente com o pires na mão, tentando buscar empréstimo para financiar seu padrão de consumo.

O indivíduo retornou à mesma situação que estava antes, porém agora não tem mais carro.

Com o governo brasileiro, a situação é semelhante. Vender estatais só compraria tempo. Mas não tornaria o ajuste das contas públicas desnecessário.

Isso não quer dizer que privatizações devam ser deixadas de lado. Nesse caso, a discussão deve se dar mais nos ganhos de eficiência e na qualidade dos serviços que elas podem propiciar e não tanto no seu impacto sobre as contas públicas.

O governo brasileiro dificilmente conseguirá a façanha de zerar o déficit em 2019, como pretendido por Paulo Guedes. Na verdade, se realizarmos uma ampla reforma da Previdência e respeitarmos o teto dos gastos, já estará de bom tamanho.

 

COLUNA DO POR QUÊ? NA FOLHA DE S.PAULO

 

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Por que zerar o déficit é tão difícil?

O problema fiscal brasileiro parece não ter fim, fazendo com que a dívida pública cresça a uma velocidade assustadora. Para 2019, a previsão do governo é de fechar com um déficit primário (isto é, a diferença entre despesas e arrecadação, sem incluir gastos com juros da dívida) de 139 bilhões de reais. Ao longo dos próximos anos, o governo federal precisa desesperadamente transformar esse déficit em superávit, justamente para segurar o crescimento da dívida. A ideia do teto dos gastos é fazer esse ajuste de maneira gradual, de modo que a dívida (como proporção do PIB) se estabilize no médio prazo, e depois comece a cair. O superministro Paulo Guedes pretende zerar o déficit logo no primeiro ano do governo Bolsonaro. Seria ótimo, pois conseguiríamos acelerar o ajuste, o que permitiria quedas de juros mais consistentes e reduziria o custo de manter a dívida.  Trata-se, porém, de uma tarefa hercúlea e provavelmente não factível. O gasto com aposentadorias, em crescimento acelerado, é o principal responsável por nosso problema fiscal. Sem reformar a Previdência, certamente não fecharemos as contas. Mas os efeitos de uma eventual reforma não serão sentidos tão rapidamente a ponto de impactar de maneira significativa as contas públicas já em 2019, quando Guedes pretende zerar o déficit. Afinal, o governo precisaria aprovar a mudança no Congresso, e isso não vai ocorrer em primeiro de janeiro. Lembre ainda que Bolsonaro não pretende utilizar a proposta de Temer, que já se encontra mais adiantada, uma vez que foi aprovada em comissão. Ou seja, há mais etapas a cumprir dentro dos trâmites do Congresso. O novo governo poderia então cortar outras despesas para tentar zerar o déficit em 2019. Só que isso também é complicado, pois uma parcela grande das despesas do governo federal é obrigatória por lei. Para mudar esse quadro, precisaria também aprovar mudanças no Congresso, o que não vai acontecer tão cedo. Uma alternativa para zerar o déficit seria aumentar impostos, de modo a incrementar a arrecadação – mas isso aparentemente está fora de cogitação. O governo poderia ainda vender seus ativos – por exemplo, privatizando empresas estatais. Dependendo do valor arrecadado, isso potencialmente zeraria o déficit em 2019. Paulo Guedes estima que privatizações trariam mais 800 bilhões de reais ao caixa do governo. Uma fração desse valor já cobriria os 139 bilhões de déficit projetados. De novo, o governo dependeria do Congresso. Além disso, o próprio presidente Bolsonaro expressou reservas sobre a venda de algumas estatais. Mas mesmo que sejam realizadas privatizações e o dinheiro entre no caixa em 2019, de modo a reduzir o rombo no ano, o problema fiscal brasileiro não se resolveria. Vendas de ativos públicos trariam apenas receitas extraordinárias – isto é, que ocorrem apenas uma vez e não se repetem ao longo do tempo. Não dá para vender uma empresa estatal duas vezes. Se não houver um ajuste nos gastos e receitas ordinárias do governo, os déficits voltarão a aparecer no futuro, e a dívida continuará a crescer. Privatizações trariam um alívio de curto prazo. Apenas empurraríamos o problema um pouquinho para frente. Para entender esse ponto, pense na seguinte analogia com o problema de uma pessoa que ganha determinado salário e tem uma série de gastos (alimentação, aluguel, lazer, educação etc.). Só que esse indivíduo gasta mais do que ganha, e para financiar a diferença toma emprestado no banco. Como isso se repete mês após mês, sua dívida está crescendo, e o banco avisa que não mais oferecerá crédito ao indivíduo, pois acredita que ele não conseguirá honrar seus compromissos no futuro próximo. Para manter o padrão de consumo, a pessoa então decide vender o carro. Com o valor da venda, ela consegue manter seus gastos acima do salário durante certo tempo. Mas logo logo o montante se esgota. E a pessoa está novamente com o pires na mão, tentando buscar empréstimo para financiar seu padrão de consumo. O indivíduo retornou à mesma situação que estava antes, porém agora não tem mais carro. Com o governo brasileiro, a situação é semelhante. Vender estatais só compraria tempo. Mas não tornaria o ajuste das contas públicas desnecessário. Isso não quer dizer que privatizações devam ser deixadas de lado. Nesse caso, a discussão deve se dar mais nos ganhos de eficiência e na qualidade dos serviços que elas podem propiciar e não tanto no seu impacto sobre as contas públicas. O governo brasileiro dificilmente conseguirá a façanha de zerar o déficit em 2019, como pretendido por Paulo Guedes. Na verdade, se realizarmos uma ampla reforma da Previdência e respeitarmos o teto dos gastos, já estará de bom tamanho.   COLUNA DO POR QUÊ? NA FOLHA DE S.PAULO   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?clique aqui e assine a nossa Newsletter. Siga a gente no Facebook e Twitter! Inscreva-se no nosso canal no YouTube! E curta as nossas fotos no Instagram ?
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