Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

							
Os tempos são difíceis, cheios de desafios. Para a política econômica também. Em momentos assim, é importante manter o foco no que é essencial, pôr as energias em apagar o incêndio, antes de mais nada. Por exemplo: apoiamos completamente a agenda de vender ativos públicos, como empresas e prédios. Mas agora não é hora disso. Um leilão teria poucos participantes devido ao clima de enorme incerteza, e leilão com pouco participante não é bom para o vendedor. Por outro lado, reduzir mais o juro básico é prioritário. Para já. E também é hora de mudar a comunicação, com o Banco Central na pessoa de seu presidente indo ao Jornal Nacional dizer em alto e bom som que vai lutar para alcançar a meta de inflação de 4%. Que talvez não consiga esse ano, dado que o IPCA está indo para uns 2%, mas que em 2021 chegará a 4%; que podemos dormir tranquilos em relação a isso.

 Vou agora apontar alguns pontos polêmicos em relação à nossa proposta de juro Selic igual a 0,5%  (ainda que temporariamente). São eles:  (i) a inflação; (ii) a determinação de quem vai comprar dívida; (iii) o Deus Câmbio; (iv) a reputação do Banco Central. Todos estão interligados, claro.

Em geral, juros para baixo em geral levam à alta da inflação. Isso é verdade. Mas essa relação passa por uma diversidade de interações: em uma economia muito fraca com inflação muito baixa, essa alta é pouco relevante. E bem-vinda! Os mercados estão projetando inflação abaixo de 2% para 2020. É contraproducentemente baixa, pessoal! Ademais, o efeito nesses tempos de cólera deve ser ainda mais minguado.

Os lockdowns e o clima de elevada incerteza implicam uma demanda por bens duráveis e bens de capital que reage menos a estímulos monetários. Em suma, o efeito sobre a demanda e, consequentemente, sobre a inflação, que seria bem-vindo dado que a inflação está muito abaixo da meta, deve ser modesto.

 Ué, mas então por que baixar se o efeito sobre a atividade será modesto? Primeiro porque não é zero; segundo, porque juros menores significam que empresas poderão rolar seus endividamentos a um preço um pouco menor. É bala de prata? De jeito nenhum, mas vai na direção correta. Terceiro, porque vai ajudar com a dinâmica da dívida pública, que vai crescer muito em 2020. De novo, ajuda pouco, mas ajuda. Tem gente que discorda, argumentando que a Selic mais baixa agora levará a uma estrutura a termo da taxa de juros mais inclinada, e como o que importa é o juro de um ou dois anos, no fim se tornaria contraproducente, como já aconteceu no passado. 
 
Sim, já aconteceu. Se você tem inflação de 8% (como tínhamos na época do Tombini) e sai reduzindo os juros, obviamente o mercado vai pensar: “caramba, vão precisar subir mais ainda alguma hora lá na frente, dado que a meta é de 4%”. Seria um tiro pela culatra. Pois bem, a inflação está indo para menos de 2% este ano (já falei isso, mas não custa martelar...). E pode ser mais complicado: e se o mercado achar que a nova meta é 2,5%? Se considerar, que, assim como a preferência revelada sugeria que o BC de Tombini gostava de inflação de 6,5%,  o BC do Roberto Campos gosta de 2,5%? Complicou. Nesse caso, a curva dos juros pode até abrir mesmo. É justamente por isso que sugerimos a ida de Roberto Campos aos jornais, dizendo que vai fazer o possível para atingir a meta de 4%. Emocionado mas sereno, Roberto afirmará para os brasileiros que tanto 2% como 6% o incomodam e que ele dará tudo pelo 4%. No outro dia, a curva de juro perde inclinação e o tal argumento da redução “contraproducente” derrete como manteiga. 

 Outro temor é que Selic mais baixa atrapalhe o equilíbrio externo (lembro que sistema de metas de inflação não tem nada a ver com equilíbrio externo). Como mesmo? Assim: quem manda dólares para o Brasil vai deixar de mandar a esse juro mais baixo; na verdade, os investidores vão repatriar o que têm de ativos por aqui. 

Primeiro: não acredito. Segundo: o que importa? Investidores olham para taxa de retorno esperado, que inclui probabilidade de repagamento do empréstimo. Com juro menor, a probabilidade de repagar aumenta. Isso, em alguma medida, compensa o retorno contratual menor. Quem ganha a queda de braço de efeitos não sabemos, mas para um país com dívida alta o efeito queda do risco é longe de desprezível. Ou seja, talvez o retorno levando risco em conta -- que é o que importa -- quase não mude. 

 Mas digamos que mude. Digamos que risco soberano não se altere com a queda da Selic, para darmos alguma força ao argumento contrário. Segundo alguns economistas de boa estirpe, a Selic menor despertaria uma tremenda fúria do Deus Câmbio, animal mitológico cuspidor de fogo inflacionário. Bom, se o risco não cai, a queda no retorno terá que ser compensada por uma depreciação imediata da taxa de câmbio mesmo. De quanto? “Seria uma depreciação de proporções épicas”, diriam os adoradores do deus. Mas o porquê de tão vil depreciação, é difícil entender.  Façamos uma continha de padaria: uma queda de 3 pontos percentuais teria que ser compensada por uma apreciação (ou menor depreciação) nesse exato montante. Essa é a tal da lógica da equação de arbitragem, que nem sequer tem tanta corroboração empírica, mas esse assunto fica para outro dia. Para a conta do retorno esperado não mudar, o câmbio teria de dar um salto imediato de 3%, ou seja, algo como 18 centavos. Não nos parece algo digno de tanta mitologia.  Atenção: ninguém está falando que o câmbio não vai andar até 6, 7 ou 8, ou ainda retornar a 4. Não temos ideia. O que não passa no teste da padaria é Selic caindo a 0,5% gerando câmbio a 7. 

 Note por fim que se o câmbio andar imediatamente os 3% de queda da Selic, para o investidor estrangeiro a taxa de retorno não se altera! Por que então ninguém mais se proporia a financiar o país? A esse novo câmbio, 3% depreciado, a conta segue a mesma, pessoal. Vou deixar aqui uma queixa: uma lição básica de economia é que quando os preços são livres para se mover, não faz lá muito sentido se preocupar com escassez, com quantidades. Por que alguns de nossos macroeconomistas estão pensando diferente dessa vez?

 Antes de terminar, um lembrete: o BC está falhando com a sociedade ao entregar uma inflação abaixo de 2,5% este ano. Ok, entendemos que o choque é, esse sim, mitológico e com consequências desinflacionárias relevantes. Mas diante disso, e do acima exposto, não dá para entender a timidez com a Selic. Claro que pode dar xabu inflacionário lá em 2022, e essa é uma preocupação lícita. Mas ninguém aqui pedindo juro Selic de 0,5% até lá. Longe disso. Precisaria subir depois, certamente. O problema é que a casa está pegando fogo agora, em 2020.
 
 


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Prós e prós em reduzir ainda mais a taxa Selic

Os tempos são difíceis, cheios de desafios. Para a política econômica também. Em momentos assim, é importante manter o foco no que é essencial, pôr as energias em apagar o incêndio, antes de mais nada. Por exemplo: apoiamos completamente a agenda de vender ativos públicos, como empresas e prédios. Mas agora não é hora disso. Um leilão teria poucos participantes devido ao clima de enorme incerteza, e leilão com pouco participante não é bom para o vendedor. Por outro lado, reduzir mais o juro básico é prioritário. Para já. E também é hora de mudar a comunicação, com o Banco Central na pessoa de seu presidente indo ao Jornal Nacional dizer em alto e bom som que vai lutar para alcançar a meta de inflação de 4%. Que talvez não consiga esse ano, dado que o IPCA está indo para uns 2%, mas que em 2021 chegará a 4%; que podemos dormir tranquilos em relação a isso.

 Vou agora apontar alguns pontos polêmicos em relação à nossa proposta de juro Selic igual a 0,5%  (ainda que temporariamente). São eles:  (i) a inflação; (ii) a determinação de quem vai comprar dívida; (iii) o Deus Câmbio; (iv) a reputação do Banco Central. Todos estão interligados, claro.

Em geral, juros para baixo em geral levam à alta da inflação. Isso é verdade. Mas essa relação passa por uma diversidade de interações: em uma economia muito fraca com inflação muito baixa, essa alta é pouco relevante. E bem-vinda! Os mercados estão projetando inflação abaixo de 2% para 2020. É contraproducentemente baixa, pessoal! Ademais, o efeito nesses tempos de cólera deve ser ainda mais minguado.

Os lockdowns e o clima de elevada incerteza implicam uma demanda por bens duráveis e bens de capital que reage menos a estímulos monetários. Em suma, o efeito sobre a demanda e, consequentemente, sobre a inflação, que seria bem-vindo dado que a inflação está muito abaixo da meta, deve ser modesto.

 Ué, mas então por que baixar se o efeito sobre a atividade será modesto? Primeiro porque não é zero; segundo, porque juros menores significam que empresas poderão rolar seus endividamentos a um preço um pouco menor. É bala de prata? De jeito nenhum, mas vai na direção correta. Terceiro, porque vai ajudar com a dinâmica da dívida pública, que vai crescer muito em 2020. De novo, ajuda pouco, mas ajuda. Tem gente que discorda, argumentando que a Selic mais baixa agora levará a uma estrutura a termo da taxa de juros mais inclinada, e como o que importa é o juro de um ou dois anos, no fim se tornaria contraproducente, como já aconteceu no passado. 
 
Sim, já aconteceu. Se você tem inflação de 8% (como tínhamos na época do Tombini) e sai reduzindo os juros, obviamente o mercado vai pensar: “caramba, vão precisar subir mais ainda alguma hora lá na frente, dado que a meta é de 4%”. Seria um tiro pela culatra. Pois bem, a inflação está indo para menos de 2% este ano (já falei isso, mas não custa martelar...). E pode ser mais complicado: e se o mercado achar que a nova meta é 2,5%? Se considerar, que, assim como a preferência revelada sugeria que o BC de Tombini gostava de inflação de 6,5%,  o BC do Roberto Campos gosta de 2,5%? Complicou. Nesse caso, a curva dos juros pode até abrir mesmo. É justamente por isso que sugerimos a ida de Roberto Campos aos jornais, dizendo que vai fazer o possível para atingir a meta de 4%. Emocionado mas sereno, Roberto afirmará para os brasileiros que tanto 2% como 6% o incomodam e que ele dará tudo pelo 4%. No outro dia, a curva de juro perde inclinação e o tal argumento da redução “contraproducente” derrete como manteiga. 

 Outro temor é que Selic mais baixa atrapalhe o equilíbrio externo (lembro que sistema de metas de inflação não tem nada a ver com equilíbrio externo). Como mesmo? Assim: quem manda dólares para o Brasil vai deixar de mandar a esse juro mais baixo; na verdade, os investidores vão repatriar o que têm de ativos por aqui. 

Primeiro: não acredito. Segundo: o que importa? Investidores olham para taxa de retorno esperado, que inclui probabilidade de repagamento do empréstimo. Com juro menor, a probabilidade de repagar aumenta. Isso, em alguma medida, compensa o retorno contratual menor. Quem ganha a queda de braço de efeitos não sabemos, mas para um país com dívida alta o efeito queda do risco é longe de desprezível. Ou seja, talvez o retorno levando risco em conta -- que é o que importa -- quase não mude. 

 Mas digamos que mude. Digamos que risco soberano não se altere com a queda da Selic, para darmos alguma força ao argumento contrário. Segundo alguns economistas de boa estirpe, a Selic menor despertaria uma tremenda fúria do Deus Câmbio, animal mitológico cuspidor de fogo inflacionário. Bom, se o risco não cai, a queda no retorno terá que ser compensada por uma depreciação imediata da taxa de câmbio mesmo. De quanto? “Seria uma depreciação de proporções épicas”, diriam os adoradores do deus. Mas o porquê de tão vil depreciação, é difícil entender.  Façamos uma continha de padaria: uma queda de 3 pontos percentuais teria que ser compensada por uma apreciação (ou menor depreciação) nesse exato montante. Essa é a tal da lógica da equação de arbitragem, que nem sequer tem tanta corroboração empírica, mas esse assunto fica para outro dia. Para a conta do retorno esperado não mudar, o câmbio teria de dar um salto imediato de 3%, ou seja, algo como 18 centavos. Não nos parece algo digno de tanta mitologia.  Atenção: ninguém está falando que o câmbio não vai andar até 6, 7 ou 8, ou ainda retornar a 4. Não temos ideia. O que não passa no teste da padaria é Selic caindo a 0,5% gerando câmbio a 7. 

 Note por fim que se o câmbio andar imediatamente os 3% de queda da Selic, para o investidor estrangeiro a taxa de retorno não se altera! Por que então ninguém mais se proporia a financiar o país? A esse novo câmbio, 3% depreciado, a conta segue a mesma, pessoal. Vou deixar aqui uma queixa: uma lição básica de economia é que quando os preços são livres para se mover, não faz lá muito sentido se preocupar com escassez, com quantidades. Por que alguns de nossos macroeconomistas estão pensando diferente dessa vez?

 Antes de terminar, um lembrete: o BC está falhando com a sociedade ao entregar uma inflação abaixo de 2,5% este ano. Ok, entendemos que o choque é, esse sim, mitológico e com consequências desinflacionárias relevantes. Mas diante disso, e do acima exposto, não dá para entender a timidez com a Selic. Claro que pode dar xabu inflacionário lá em 2022, e essa é uma preocupação lícita. Mas ninguém aqui pedindo juro Selic de 0,5% até lá. Longe disso. Precisaria subir depois, certamente. O problema é que a casa está pegando fogo agora, em 2020.
 
 


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