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Desde que o mundo é mundo, um subgrupo de indivíduos trabalha para fraudar o resto da sociedade com esquemas corruptos. Um pouco menos frequentemente em grupos sociais pequenos; um pouco menos também em países que foram se tornando mais desenvolvidos do ponto de vista institucional. A fraude é um roubo a mão desarmada, e reduz o bem-estar de todos os outros indivíduos (os fraudados e os que lutam para escapar das artimanhas). Roubos, armados ou não, retardam o progresso socioeconômico, dado que confiança e capital social são importantes ingredientes da sopa do desenvolvimento sustentado.


Contra as fraudes, que vêm num número incontável de matizes, desenhamos, como sociedade, contramedidas e estratégias para antecipar o próximo passo dos sabotadores. Novamente, tudo isso desde o princípio dos tempos (ou quase), embora seja inegável que a era da internet e da comunicação rápida tenha acentuado o drama. Quem nunca caiu num golpe que atire a primeira pedra! É necessária uma atenção sobre-humana para não clicar num e-mail ou mensagem fraudulenta. Porém, e isso é importante, não é porque recebemos e-mails piratas todas as semanas que o regulador deve propor limitar nosso uso de tal tecnologia. Desenvolvem-se filtros, campanhas de informação, times especializados em ir atrás dos bandidos etc. Mesmo com tudo isso, no entanto, algumas pessoas ainda serão vítimas de e-mails maliciosos ou ligações telefônicas clandestinas, entre outros tipos de golpe. E alguns deles serão, infelizmente, bem-sucedidos.

Esse introito é o pano de fundo para uma discussão sobre os projetos de lei que andam circulando por aí e que propõem (ou já impõem, como no Amapá e na Paraíba) a necessidade de assinaturas físicas para idosos que queiram contratar crédito em instituições financeiras. O objetivo é nobre (e o inferno, cheio daquelas boas intenções): reduzir as fraudes que acometem esse grupo, em tese mais vulnerável a esse tipo de golpe. Em tese.

Sim, estamos de acordo com a proposição geral de que pessoas de mais idade navegam nas redes com maior dificuldade que as mais jovens. Mas, e aqui vai nosso primeiro comentário crítico à proposta, não decorre daí que elas sejam também mais propensas a cair em ciladas. O motivo é simples: justamente por se sentirem menos confortáveis no ambiente virtual, é de se esperar que os mais idosos também apresentem comportamento mais defensivo, maior receio de cair vítimas de falcatruas. No jargão, são mais avessos ao risco que o cidadão médio. Esse fator contrabalança o primeiro – o não saber distinguir entre um emissor salafrário e o funcionário honesto do banco. Nossas mães, em geral, são muito mais cuidadosas do que nós ao usar o netbanking.

Obrigar um idoso a se deslocar até uma agência física pode ser bastante problemático. E, mesmo que haja uma agência perto de sua residência, uma ida ao banco não é um bate e volta: com mais idosos na agência, provavelmente haverá filas de espera maiores. E o idoso que porventura tenha conta num banco sem agências físicas, ou com poucas? O deslocamento físico obrigatório deve empurrar um grupo de pessoas para outras modalidades de crédito mais caras, mas que não demandam idas à agência (como cartão de crédito). Ou simplesmente reduzirá seu acesso ao crédito.
O benefício da bancarização digital para esse grupo de pessoas foi enorme. Des-digitalizá-las será um movimento altamente custoso.

Ainda que haja um benefício de segurança em exigir a assinatura presencial, não é claro que este seja da mesma ordem de magnitude que a dor de cabeça e a perda de conforto que a medida geraria. Aliás, se boa parte dos golpes aos idosos é aplicada por alguém próximo ou até mesmo por um familiar, a medida não resolve nada, pois não vai à origem do problema (que é bastante difícil de ser eliminado!).
Por fim, antes de agir é preciso ter um diagnóstico do problema baseado em dados. Em primeiro lugar, e sem negar que a questão é séria, não é verdadeiro afirmar que as fraudes têm crescido ao longo dos anos. O número de tentativas de fraudes reportado pelo Serasa para o ano de 2019 é virtualmente idêntico ao de 2022: por volta de 3,9 milhões (e no meio do caminho tivemos uma pandemia que incrementou muito a digitalização).

Ainda segundo o Serasa, a população entre 36 e 50 anos sofreu 1,4 milhão tentativas de fraudes em 2022. Em segundo lugar, estão os consumidores de 26 a 35 anos, com quase 1,1 milhão de tentativas. Pessoas entre 51 a 60 anos relataram 545 mil tentativas; até 25 anos, 442 mil tentativas e, por fim, acima de 60 anos, 424 mil reclamações sobre tentativas de fraude. Esses números, no entanto, não são diretamente comparáveis, dado que o número de pessoas em cada uma dessas faixas etárias é diferente. Usando os dados populacionais por faixa etária para o ano de 2021, os percentuais (esses sim comparáveis) de tentativas de fraude por faixa etária da população são os seguintes:




Os dados, portanto, indicam que os idosos são os menos atingidos por fraudes.
Concluindo: sim, é necessário desenvolver mecanismos de combate à fraude, pois ainda que esta não tenha crescido, os números são mesmo elevados. Mas forçar idosos a irem a uma agência ratificar suas operações financeiras não é uma política inteligente. Até porque os dados revelam que eles são os menos suscetíveis a cair em falcatruas.


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO

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Proteção a qualquer custo?

Desde que o mundo é mundo, um subgrupo de indivíduos trabalha para fraudar o resto da sociedade com esquemas corruptos. Um pouco menos frequentemente em grupos sociais pequenos; um pouco menos também em países que foram se tornando mais desenvolvidos do ponto de vista institucional. A fraude é um roubo a mão desarmada, e reduz o bem-estar de todos os outros indivíduos (os fraudados e os que lutam para escapar das artimanhas). Roubos, armados ou não, retardam o progresso socioeconômico, dado que confiança e capital social são importantes ingredientes da sopa do desenvolvimento sustentado.


Contra as fraudes, que vêm num número incontável de matizes, desenhamos, como sociedade, contramedidas e estratégias para antecipar o próximo passo dos sabotadores. Novamente, tudo isso desde o princípio dos tempos (ou quase), embora seja inegável que a era da internet e da comunicação rápida tenha acentuado o drama. Quem nunca caiu num golpe que atire a primeira pedra! É necessária uma atenção sobre-humana para não clicar num e-mail ou mensagem fraudulenta. Porém, e isso é importante, não é porque recebemos e-mails piratas todas as semanas que o regulador deve propor limitar nosso uso de tal tecnologia. Desenvolvem-se filtros, campanhas de informação, times especializados em ir atrás dos bandidos etc. Mesmo com tudo isso, no entanto, algumas pessoas ainda serão vítimas de e-mails maliciosos ou ligações telefônicas clandestinas, entre outros tipos de golpe. E alguns deles serão, infelizmente, bem-sucedidos.

Esse introito é o pano de fundo para uma discussão sobre os projetos de lei que andam circulando por aí e que propõem (ou já impõem, como no Amapá e na Paraíba) a necessidade de assinaturas físicas para idosos que queiram contratar crédito em instituições financeiras. O objetivo é nobre (e o inferno, cheio daquelas boas intenções): reduzir as fraudes que acometem esse grupo, em tese mais vulnerável a esse tipo de golpe. Em tese.

Sim, estamos de acordo com a proposição geral de que pessoas de mais idade navegam nas redes com maior dificuldade que as mais jovens. Mas, e aqui vai nosso primeiro comentário crítico à proposta, não decorre daí que elas sejam também mais propensas a cair em ciladas. O motivo é simples: justamente por se sentirem menos confortáveis no ambiente virtual, é de se esperar que os mais idosos também apresentem comportamento mais defensivo, maior receio de cair vítimas de falcatruas. No jargão, são mais avessos ao risco que o cidadão médio. Esse fator contrabalança o primeiro – o não saber distinguir entre um emissor salafrário e o funcionário honesto do banco. Nossas mães, em geral, são muito mais cuidadosas do que nós ao usar o netbanking.

Obrigar um idoso a se deslocar até uma agência física pode ser bastante problemático. E, mesmo que haja uma agência perto de sua residência, uma ida ao banco não é um bate e volta: com mais idosos na agência, provavelmente haverá filas de espera maiores. E o idoso que porventura tenha conta num banco sem agências físicas, ou com poucas? O deslocamento físico obrigatório deve empurrar um grupo de pessoas para outras modalidades de crédito mais caras, mas que não demandam idas à agência (como cartão de crédito). Ou simplesmente reduzirá seu acesso ao crédito.
O benefício da bancarização digital para esse grupo de pessoas foi enorme. Des-digitalizá-las será um movimento altamente custoso.

Ainda que haja um benefício de segurança em exigir a assinatura presencial, não é claro que este seja da mesma ordem de magnitude que a dor de cabeça e a perda de conforto que a medida geraria. Aliás, se boa parte dos golpes aos idosos é aplicada por alguém próximo ou até mesmo por um familiar, a medida não resolve nada, pois não vai à origem do problema (que é bastante difícil de ser eliminado!).
Por fim, antes de agir é preciso ter um diagnóstico do problema baseado em dados. Em primeiro lugar, e sem negar que a questão é séria, não é verdadeiro afirmar que as fraudes têm crescido ao longo dos anos. O número de tentativas de fraudes reportado pelo Serasa para o ano de 2019 é virtualmente idêntico ao de 2022: por volta de 3,9 milhões (e no meio do caminho tivemos uma pandemia que incrementou muito a digitalização).

Ainda segundo o Serasa, a população entre 36 e 50 anos sofreu 1,4 milhão tentativas de fraudes em 2022. Em segundo lugar, estão os consumidores de 26 a 35 anos, com quase 1,1 milhão de tentativas. Pessoas entre 51 a 60 anos relataram 545 mil tentativas; até 25 anos, 442 mil tentativas e, por fim, acima de 60 anos, 424 mil reclamações sobre tentativas de fraude. Esses números, no entanto, não são diretamente comparáveis, dado que o número de pessoas em cada uma dessas faixas etárias é diferente. Usando os dados populacionais por faixa etária para o ano de 2021, os percentuais (esses sim comparáveis) de tentativas de fraude por faixa etária da população são os seguintes:




Os dados, portanto, indicam que os idosos são os menos atingidos por fraudes.
Concluindo: sim, é necessário desenvolver mecanismos de combate à fraude, pois ainda que esta não tenha crescido, os números são mesmo elevados. Mas forçar idosos a irem a uma agência ratificar suas operações financeiras não é uma política inteligente. Até porque os dados revelam que eles são os menos suscetíveis a cair em falcatruas.


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