Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

Você que agora está acessando a internet: PARE! Alguém no mundo está perdendo o emprego por causa disso. Ao menos é o que o elaborador ou elaboradora de uma das questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano pensa.

Brincadeiras à parte, as redes sociais foram inundadas de opiniões extremadas sobre o último Enem. Umas aplaudiram a escolha de temas abordados, outras disseram que tudo era apologia ao Marxismo e doutrinação de alunos para a ideologia de esquerda. Dei uma olhada na prova. Tem coisa controversa, sim, mas, em geral, é tudo dentro de contextos específicos. Por exemplo, diante de passagem de determinado autor, pede-se para o candidato assinalar a alternativa correta "com base no que está escrito na passagem". Não se diz que o que está escrito é verdade absoluta.

Mas uma das questões, que tem a ver com economia, deixou uma pulga atrás da orelha. Veja só:

No final do século XX e em razão dos avanços da ciência, produziu-se um sistema presidido pelas técnicas da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema uma presença planetária. Um mercado que utiliza esse sistema de técnicas avançadas resulta nessa globalização perversa.

SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2008 (adaptado).

Uma consequência para o setor produtivo e outra para o mundo do trabalho advindas das transformações citadas no texto estão presentes, respectivamente, em:

 a) Eliminação das vantagens locacionais e ampliação da legislação laboral.

 b) Limitação dos fluxos logísticos e fortalecimento de associações sindicais.

 c) Diminuição dos investimentos industriais e desvalorização dos postos qualificados.

 d) Concentração das áreas manufatureiras e redução da jornada semanal.

 e) Automatização dos processos fabris e aumento dos níveis de desemprego.

No gabarito a resposta correta é a letra e. Mas não tem nada no trecho citado que implique isso. De acordo com a passagem, o processo é "perverso", mas não ficou claro quais são exatamente as mazelas associadas ao avanço tecnológico e à globalização – aquecimento global, ataques terroristas, discriminação contra minorias, sei lá. Logo, é um salto enorme concluir que haverá o efeito sobre o mercado de trabalho sugerido: “aumento dos níveis de desemprego”. O que a teoria econômica diz sobre o efeito da tecnologia sobre o mercado de trabalho? Sob quais condições a tal perversidade pode ocorrer? Avanços tecnológicos tornam empresas mais produtivas. Em outras palavras, com as mesmas quantidades de insumos (trabalho, máquinas, terra, etc.), consegue-se produzir mais. E isso também eleva a lucratividade das companhias. Esse resultado, por sua vez, estimula a firma a produzir ainda mais. Para isso ser possível, é necessário contratar mais insumos, o que inclui, em particular, novos trabalhadores. Ou seja, esse efeito vai contra o argumento da questão do Enem, em que o desemprego aumenta conforme a tecnologia avança. Outro modo de entender as mudanças tecnológicas: elas permitem que se produza a mesma coisa que antes, mas com menos insumos. Para que tenhamos o tal efeito “perverso” no mercado de trabalho, precisamos de mais: que a mudança tenha um viés contra o trabalho. A firma deve conseguir produzir o mesmo que antes e, ao mesmo tempo, economizar proporcionalmente mais trabalho do que outros insumos – isso, provavelmente, tem a ver com a “automação dos processos” citada na alternativa e. Mas, ainda assim, para gerar contração no mercado de trabalho (e, potencialmente, desemprego), esse viés precisa ser muito, muito forte. Poderoso o suficiente para que as empresas possam elevar suas produções em resposta à lucratividade mais elevada, mesmo contratando menos trabalhadores. Portanto, precisamos de hipóteses bem específicas para que a resposta da questão realmente faça sentido. E nada disso é discutido no enunciado. Na verdade, a resposta é simplista. Não estimula o raciocínio crítico do aluno, tampouco o faz pensar sobre os diversos ângulos do problema. Trata-se do velho e ruim senso comum colocado em ação...

VEJA TAMBÉM:

Por que, segundo o Enem, usar a internet causa demissões?

Você que agora está acessando a internet: PARE! Alguém no mundo está perdendo o emprego por causa disso. Ao menos é o que o elaborador ou elaboradora de uma das questões do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano pensa. Brincadeiras à parte, as redes sociais foram inundadas de opiniões extremadas sobre o último Enem. Umas aplaudiram a escolha de temas abordados, outras disseram que tudo era apologia ao Marxismo e doutrinação de alunos para a ideologia de esquerda. Dei uma olhada na prova. Tem coisa controversa, sim, mas, em geral, é tudo dentro de contextos específicos. Por exemplo, diante de passagem de determinado autor, pede-se para o candidato assinalar a alternativa correta "com base no que está escrito na passagem". Não se diz que o que está escrito é verdade absoluta. Mas uma das questões, que tem a ver com economia, deixou uma pulga atrás da orelha. Veja só: No final do século XX e em razão dos avanços da ciência, produziu-se um sistema presidido pelas técnicas da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema uma presença planetária. Um mercado que utiliza esse sistema de técnicas avançadas resulta nessa globalização perversa.

SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2008 (adaptado).

Uma consequência para o setor produtivo e outra para o mundo do trabalho advindas das transformações citadas no texto estão presentes, respectivamente, em:

 a) Eliminação das vantagens locacionais e ampliação da legislação laboral.

 b) Limitação dos fluxos logísticos e fortalecimento de associações sindicais.

 c) Diminuição dos investimentos industriais e desvalorização dos postos qualificados.

 d) Concentração das áreas manufatureiras e redução da jornada semanal.

 e) Automatização dos processos fabris e aumento dos níveis de desemprego.

No gabarito a resposta correta é a letra e. Mas não tem nada no trecho citado que implique isso. De acordo com a passagem, o processo é "perverso", mas não ficou claro quais são exatamente as mazelas associadas ao avanço tecnológico e à globalização – aquecimento global, ataques terroristas, discriminação contra minorias, sei lá. Logo, é um salto enorme concluir que haverá o efeito sobre o mercado de trabalho sugerido: “aumento dos níveis de desemprego”. O que a teoria econômica diz sobre o efeito da tecnologia sobre o mercado de trabalho? Sob quais condições a tal perversidade pode ocorrer? Avanços tecnológicos tornam empresas mais produtivas. Em outras palavras, com as mesmas quantidades de insumos (trabalho, máquinas, terra, etc.), consegue-se produzir mais. E isso também eleva a lucratividade das companhias. Esse resultado, por sua vez, estimula a firma a produzir ainda mais. Para isso ser possível, é necessário contratar mais insumos, o que inclui, em particular, novos trabalhadores. Ou seja, esse efeito vai contra o argumento da questão do Enem, em que o desemprego aumenta conforme a tecnologia avança. Outro modo de entender as mudanças tecnológicas: elas permitem que se produza a mesma coisa que antes, mas com menos insumos. Para que tenhamos o tal efeito “perverso” no mercado de trabalho, precisamos de mais: que a mudança tenha um viés contra o trabalho. A firma deve conseguir produzir o mesmo que antes e, ao mesmo tempo, economizar proporcionalmente mais trabalho do que outros insumos – isso, provavelmente, tem a ver com a “automação dos processos” citada na alternativa e. Mas, ainda assim, para gerar contração no mercado de trabalho (e, potencialmente, desemprego), esse viés precisa ser muito, muito forte. Poderoso o suficiente para que as empresas possam elevar suas produções em resposta à lucratividade mais elevada, mesmo contratando menos trabalhadores. Portanto, precisamos de hipóteses bem específicas para que a resposta da questão realmente faça sentido. E nada disso é discutido no enunciado. Na verdade, a resposta é simplista. Não estimula o raciocínio crítico do aluno, tampouco o faz pensar sobre os diversos ângulos do problema. Trata-se do velho e ruim senso comum colocado em ação... VEJA TAMBÉM:
Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?clique aqui e assine a nossa Newsletter.

Siga a gente no Facebook e Twitter!
Inscreva-se no nosso canal no YouTube!
Curta as nossas fotos no Instagram!

O que você achou desse texto?

*Não é necessário cadastro.

Avaliação de quem leu:

Avalie esse texto Não é necessário cadastro

A plataforma Por Quê?Economês em bom português nasceu em 2015, com o objetivo de explicar conceitos básicos de economia e tornar o noticiário econômico acessível ao público não especializado. Acreditamos que o raciocínio econômico é essencial para a compreensão da realidade que nos cerca.

Iniciativa

Bei editora
Usamos cookies por vários motivos, como manter o site do PQ? confiável ​​e seguro, personalizar conteúdo e anúncios,
fornecer recursos de mídia social e analisar como o site é usado. Para maiores informações veja nossa Política de Privacidade.