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O polemista André Lara Resende lança um novo livro, Consenso e contrassenso: por uma economia não dogmática, no qual critica a vertente mainstream da macroeconomia moderna. Diz André que precisamos reconhecer que “estávamos errados”. Mas a frase está mal posta. Não apenas estávamos, como estamos e estaremos errados. Pelo simples motivo de que ciência é assim mesmo. As certezas são frágeis e poucas, e aqueles que dedicam a vida a desbravar um ramo do conhecimento estão sempre de certo modo errados e em constante busca por uma melhor compreensão dos fenômenos, sejam eles físicos, sejam  sociais ou biológicos.

A crise de 2009 e o aumento expressivo da desigualdade de renda dentro de muitos países nos últimos 30 anos têm gerado críticas ao mainstream da ciência econômica em diferentes áreas. Absolutamente normal, mas ressalte-se que há de tudo, boas e más críticas. Informadas e desinformadas. Talvez mais importante: o mundo acadêmico como um todo é muito mais flexível do que pode parecer, e reage sim aos acontecimentos do mundo real e às demandas da sociedade. Basta ver o enorme crescimento de modelos de macroeconomia incorporando falhas de mercado de crédito no pós recessão (não que fossem inexistentes antes, como aventam alguns desinformados). E muito do que André Lara e outros colocam nas costas da macroeconomia moderna estaria mais bem alocado nos ombros dos formuladores de políticas macroeconômicas.

Embora seja  comum, é errado confundir política econômica com teoria econômica. Os governos foram  lenientes com a regulação bancária, mas isso não significa que os economistas acadêmicos não estivessem por dentro de temas como perigo moral e seleção adversa nos mercados de crédito, coisa que os alunos de graduação aprendem no curso básico de microeconomia. A crítica de que os economistas foram pouco enfáticos em relação aos desequilíbrios que levaram à grande crise financeira é bem melhor do que a crítica desinformada de que nos modelos macroeconômicos os mercados são perfeitos -- e de que isso nos deixou cegos aos perigos que se amontoavam debaixo da nossa fuça.

Quem conhece um pouco do funcionamento interno do mundo acadêmico de alto nível sabe que o apego a modelos e teses equivocadas é bem baixo. O neoliberal mencionado nos  jornais e na crítica da esquerda e da falsa-esquerda é um animal de conto de fadas, não existe de verdade. Quem acha que o mercado não tem falhas não é liberal, é apenas tolo. O verdadeiro acadêmico é muito menos rígido e dogmático do que esse retrato mal desenhado. O apego a um modelo que não tem substância empírica, por exemplo, não ajudar ninguém a publicar um artigo numa revista especializada de nível. É portanto quase uma questão de sobrevivência manter a mente aberta. Mas aberta e disciplinada.

André Lara é muito infeliz ao acusar  os cursos de macroeconomia moderna de serem uma área menor da matemática. Na física e na economia, a matemática é uma ferramenta de trabalho, não um fim em si mesma. É uma linguagem, cuja precisão ajuda-nos a evitar argumentos circulares e desconexos. E a barra para os modelos matemáticos no mundo acadêmico é bem alta.  Não bastam elegância e estética. Se o modelo não estiver ajudando a explicar o padrão dos dados no mundo real, ele rapidamente naufraga – ou nem sequer sai do porto. Por fim, dizer que a psicologia precisa fazer parte do arsenal da teoria econômica para nos ajudar a entender melhor o mundo significa não saber que o campo de economia comportamental cresceu vigorosamente nos últimos 30 anos e já rendeu dois prêmios Nobel.

A psicologia, sob a forma de preferências hiperbólicas que geram escolhas inconsistentes, já chegou até aos modelões agregados da macroeconomia. E faz tempo. Mas para ler os artigos dessa área, precisa mesmo estudar um pouco de matemática.


 

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Sem muito senso no contrassenso

O polemista André Lara Resende lança um novo livro, Consenso e contrassenso: por uma economia não dogmática, no qual critica a vertente mainstream da macroeconomia moderna. Diz André que precisamos reconhecer que “estávamos errados”. Mas a frase está mal posta. Não apenas estávamos, como estamos e estaremos errados. Pelo simples motivo de que ciência é assim mesmo. As certezas são frágeis e poucas, e aqueles que dedicam a vida a desbravar um ramo do conhecimento estão sempre de certo modo errados e em constante busca por uma melhor compreensão dos fenômenos, sejam eles físicos, sejam  sociais ou biológicos.

A crise de 2009 e o aumento expressivo da desigualdade de renda dentro de muitos países nos últimos 30 anos têm gerado críticas ao mainstream da ciência econômica em diferentes áreas. Absolutamente normal, mas ressalte-se que há de tudo, boas e más críticas. Informadas e desinformadas. Talvez mais importante: o mundo acadêmico como um todo é muito mais flexível do que pode parecer, e reage sim aos acontecimentos do mundo real e às demandas da sociedade. Basta ver o enorme crescimento de modelos de macroeconomia incorporando falhas de mercado de crédito no pós recessão (não que fossem inexistentes antes, como aventam alguns desinformados). E muito do que André Lara e outros colocam nas costas da macroeconomia moderna estaria mais bem alocado nos ombros dos formuladores de políticas macroeconômicas.

Embora seja  comum, é errado confundir política econômica com teoria econômica. Os governos foram  lenientes com a regulação bancária, mas isso não significa que os economistas acadêmicos não estivessem por dentro de temas como perigo moral e seleção adversa nos mercados de crédito, coisa que os alunos de graduação aprendem no curso básico de microeconomia. A crítica de que os economistas foram pouco enfáticos em relação aos desequilíbrios que levaram à grande crise financeira é bem melhor do que a crítica desinformada de que nos modelos macroeconômicos os mercados são perfeitos -- e de que isso nos deixou cegos aos perigos que se amontoavam debaixo da nossa fuça.

Quem conhece um pouco do funcionamento interno do mundo acadêmico de alto nível sabe que o apego a modelos e teses equivocadas é bem baixo. O neoliberal mencionado nos  jornais e na crítica da esquerda e da falsa-esquerda é um animal de conto de fadas, não existe de verdade. Quem acha que o mercado não tem falhas não é liberal, é apenas tolo. O verdadeiro acadêmico é muito menos rígido e dogmático do que esse retrato mal desenhado. O apego a um modelo que não tem substância empírica, por exemplo, não ajudar ninguém a publicar um artigo numa revista especializada de nível. É portanto quase uma questão de sobrevivência manter a mente aberta. Mas aberta e disciplinada.

André Lara é muito infeliz ao acusar  os cursos de macroeconomia moderna de serem uma área menor da matemática. Na física e na economia, a matemática é uma ferramenta de trabalho, não um fim em si mesma. É uma linguagem, cuja precisão ajuda-nos a evitar argumentos circulares e desconexos. E a barra para os modelos matemáticos no mundo acadêmico é bem alta.  Não bastam elegância e estética. Se o modelo não estiver ajudando a explicar o padrão dos dados no mundo real, ele rapidamente naufraga – ou nem sequer sai do porto. Por fim, dizer que a psicologia precisa fazer parte do arsenal da teoria econômica para nos ajudar a entender melhor o mundo significa não saber que o campo de economia comportamental cresceu vigorosamente nos últimos 30 anos e já rendeu dois prêmios Nobel.

A psicologia, sob a forma de preferências hiperbólicas que geram escolhas inconsistentes, já chegou até aos modelões agregados da macroeconomia. E faz tempo. Mas para ler os artigos dessa área, precisa mesmo estudar um pouco de matemática.




 

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