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Portaria nº 1.129
Um governo impopular e fragilizado por denúncias sérias é automaticamente substituído por outro mais crível num sistema parlamentarista. Num sistema presidencialista, como o nosso, a fragilidade se reflete em decisões de políticas públicas tortas. Normalmente, a barganha pelo apoio (que nem sempre é ilícita, vale dizer) é mediada pela política fiscal: reduz-se um imposto aqui, cria-se um subsídio ali. Mas há outros caminhos.

O governo Temer se atrapalhou todo com a mexida indevida na lei que define trabalho escravo. Desnecessariamente.

Segundo a portaria nº 1.129 do Ministério do Trabalho, “jornada exaustiva” e  “condição degradante” não bastam para caracterizar trabalho análogo à escravidão: é preciso que o trabalhador seja privado da liberdade de ir e vir para que a condição se configure. Não participamos das discussões nos corredores de Brasília, mas, aparentemente, essa alteração vem como moeda de troca do apoio dos ruralistas ao presidente.

Proteger pessoas em situações degradantes é parte importante das tarefas do governo. Até porque indivíduos em semelhante posição têm muita dificuldade em se proteger por meio de mecanismos privados e de mercado.

Estabelecer os limites de modo claro é que é difícil à beça. A partir de que ponto o governo deve interferir?

Exageremos em prol do didatismo. Se o governo considerar degradante que se trabalhe mais que 40 horas semanais num chão de fábrica, e multe as empresas que desrespeitem essa lei, ele está beneficiando as pessoas mais pobres? Cremos que não. Muitos irão amargar o desemprego.

Mas essa foi fácil. Agora vamos para um dilema moral mais difícil: no começo dos anos 1990 o Congresso norte-americano proibiu a importação de vários produtos fabricados por trabalho infantil em Bangladesh. Soa corretíssimo, certo? Pois é, mas as crianças que pararam de trabalhar nas fábricas por conta da lei foram para a prostituição, ou passaram a vender chiclete no semáforo ou trabalhar em pedreiras. E aí? A lei foi benéfica? Como não houve um programa de renda mínima para as famílias, nem escolas de alguma qualidade para acolher essas crianças, a resposta é: não, não foi.

Vejam bem os nossos leitores: trabalho escravo é algo inadmissível. Uma pessoa ser forçada a aceitar uma situação qualquer por meio de força imposta por uma contraparte privada é crime gravíssimo. E não se deve esperar que um ser humano em condições semelhantes tenha condições de sair da armadilha por si só. O que é menos óbvio é delinear o limite entre degradante e não degradante. Se o limite for muito exigente, o pobre pode sair prejudicado, ainda que a intenção da política pública seja proteger essa parte da população.

Um argumento adicional contra a alteração na lei é a existência de monopólio nesse tipo de mercado, ou seja, a ausência de concorrência entre empresas contratantes. Isso, junto com a baixa mobilidade e pouca informação de quem é muito pobre e mora longe dos grandes centros, torna o mercado de trabalho pouco competitivo, o que gera rendas extraordinárias para alguns grupos de empresários rurais. Dessa forma, torna-se menos provável que o endurecimento legal nessa dimensão gere aumento de desemprego entre os trabalhadores com baixa qualificação — pois o aumento de custos associado a uma lei mais dura não chega a tornar a contratação algo não lucrativo para o empregador.

O governo, sedento por apoio, errou. No mínimo porque legislações como essa precisam ser amplamente debatidas antes de serem levadas a cabo. Para piorar, dá munição para quem critica a reforma trabalhista aprovada recentemente.

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Temer errou ao mexer na lei do trabalho escravo?

Portaria nº 1.129 Um governo impopular e fragilizado por denúncias sérias é automaticamente substituído por outro mais crível num sistema parlamentarista. Num sistema presidencialista, como o nosso, a fragilidade se reflete em decisões de políticas públicas tortas. Normalmente, a barganha pelo apoio (que nem sempre é ilícita, vale dizer) é mediada pela política fiscal: reduz-se um imposto aqui, cria-se um subsídio ali. Mas há outros caminhos. O governo Temer se atrapalhou todo com a mexida indevida na lei que define trabalho escravo. Desnecessariamente. Segundo a portaria nº 1.129 do Ministério do Trabalho, “jornada exaustiva” e  “condição degradante” não bastam para caracterizar trabalho análogo à escravidão: é preciso que o trabalhador seja privado da liberdade de ir e vir para que a condição se configure. Não participamos das discussões nos corredores de Brasília, mas, aparentemente, essa alteração vem como moeda de troca do apoio dos ruralistas ao presidente. Proteger pessoas em situações degradantes é parte importante das tarefas do governo. Até porque indivíduos em semelhante posição têm muita dificuldade em se proteger por meio de mecanismos privados e de mercado. Estabelecer os limites de modo claro é que é difícil à beça. A partir de que ponto o governo deve interferir? Exageremos em prol do didatismo. Se o governo considerar degradante que se trabalhe mais que 40 horas semanais num chão de fábrica, e multe as empresas que desrespeitem essa lei, ele está beneficiando as pessoas mais pobres? Cremos que não. Muitos irão amargar o desemprego. Mas essa foi fácil. Agora vamos para um dilema moral mais difícil: no começo dos anos 1990 o Congresso norte-americano proibiu a importação de vários produtos fabricados por trabalho infantil em Bangladesh. Soa corretíssimo, certo? Pois é, mas as crianças que pararam de trabalhar nas fábricas por conta da lei foram para a prostituição, ou passaram a vender chiclete no semáforo ou trabalhar em pedreiras. E aí? A lei foi benéfica? Como não houve um programa de renda mínima para as famílias, nem escolas de alguma qualidade para acolher essas crianças, a resposta é: não, não foi. Vejam bem os nossos leitores: trabalho escravo é algo inadmissível. Uma pessoa ser forçada a aceitar uma situação qualquer por meio de força imposta por uma contraparte privada é crime gravíssimo. E não se deve esperar que um ser humano em condições semelhantes tenha condições de sair da armadilha por si só. O que é menos óbvio é delinear o limite entre degradante e não degradante. Se o limite for muito exigente, o pobre pode sair prejudicado, ainda que a intenção da política pública seja proteger essa parte da população. Um argumento adicional contra a alteração na lei é a existência de monopólio nesse tipo de mercado, ou seja, a ausência de concorrência entre empresas contratantes. Isso, junto com a baixa mobilidade e pouca informação de quem é muito pobre e mora longe dos grandes centros, torna o mercado de trabalho pouco competitivo, o que gera rendas extraordinárias para alguns grupos de empresários rurais. Dessa forma, torna-se menos provável que o endurecimento legal nessa dimensão gere aumento de desemprego entre os trabalhadores com baixa qualificação — pois o aumento de custos associado a uma lei mais dura não chega a tornar a contratação algo não lucrativo para o empregador. O governo, sedento por apoio, errou. No mínimo porque legislações como essa precisam ser amplamente debatidas antes de serem levadas a cabo. Para piorar, dá munição para quem critica a reforma trabalhista aprovada recentemente. Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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