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							Recentemente, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu
que os juros do cheque especial não podem ultrapassar 8% ao mês. Já escrevemos
sobre esse assunto diversas vezes (veja aqui). Nossa opinião é que a medida faz sentido. Mas há alguns pontos que devem ser
observados com cuidado por gestores e reguladores do setor financeiro, à medida
em que a política é implementada.

Isso tem a ver com a potencial reação da oferta de crédito nesse segmento por parte dos bancos. Ainda que não seja óbvia a redução da oferta (dada a elevada concentração de mercado), é bem possível que esse movimento ocorra, já que um preço mais baixo torna a alocação de crédito para o cheque especial menos atrativa.

Alguns clientes se beneficiariam de um acesso mais restrito, especialmente aqueles com problemas de autocontrole. Eles frequentemente gastam mais do que podem, vivem caindo no cheque especial e pagando juros exorbitantes. O que era para ser usado como um seguro, uma vez na vida e outra na morte, acaba virando um instrumento corriqueiro.

A restrição ao crédito pode fazer com que esses clientes tenham de ajustar seu comportamento. No curto prazo será dolorido, mas no longo prazo a pessoa pode sair ganhando. É como negar chocolate a uma pessoa que tem problema para manter o peso.

E a tendência é que os bancos, se de fato a oferta cair, passem a negar crédito justamente a esse tipo de cliente, que tende a ser mais arriscado – isto é, tem maiores chances de inadimplência.

No entanto, dependendo da magnitude da reação da oferta, algumas pessoas que usam o cheque especial de maneira responsável podem ficar sem acesso a ele – como no caso de emergências financeiras, associadas a problemas de saúde, perda de emprego, reparos na casa ou no carro, entre outros. Na ausência desse instrumento, a pessoa pode ficar mais vulnerável financeiramente a choques desse tipo. Trata-se de um potencial custo da política, que deve ser levado em conta.

Além disso, as pessoas, agora sem acesso ao cheque especial, podem buscar alternativas mais caras e menos vantajosas, o que poderia piorar sua situação. O indivíduo com problema de autocontrole, por exemplo, continuaria constantemente endividado, porém utilizando um tipo de crédito de pior qualidade.

O artigo acadêmico de Jonathan Zinman nos fornece uma ideia desses mecanismos. O autor foca no caso das “payday loans” nos Estados Unidos, um empréstimo pessoal de curto prazo em que a pessoa recebe um adiantamento e repaga quando receber o próximo salário. Os juros nesse segmento são bastante elevados – como no nosso cheque especial, frequentemente passam de 200% em termos anuais. Diversos estados americanos colocam restrições sobre tal tipo de empréstimo.

Zinman analisa clientes em dois estados da Costa Oeste – Oregon e Washington. Oregon implementou um limite nos juros cobrados nas “payday loans”; em Washington foi cogitada a ideia, mas ela não foi adiante. Para entender os efeitos da política, o autor compara o comportamento de uma amostra de clientes nos dois estados e observa que, de fato, a oferta de crédito e o acesso ao instrumento caíram mais em Oregon do que em Washington. Isso indica que a política atuou no sentido de restringir a disponibilidade de crédito.

O artigo ainda encontra alguma evidência (fraca, é verdade) de substituição na direção de outros instrumentos financeiros mais caros, o que poderia tornar a situação financeira dos indivíduos mais complicada. Curiosamente, um desses instrumentos mencionados são os “checking account overdrafts”, semelhantes ao nosso cheque especial.

De qualquer forma, o artigo levanta mecanismos plausíveis, que poderiam ocorrer no caso brasileiro, especialmente com os clientes do cheque especial que eventualmente não possam mais utilizá-lo como resultado do teto dos juros. Algumas dessas pessoas poderiam buscar crédito informal (por exemplo, de um agiota), sob condições potencialmente ainda mais adversas.

Tudo isso não significa que a política não deva ir adiante. Como dissemos, ela é bem fundamentada e pode trazer uma série de ganhos. Levantamos, neste texto, apenas alguns pontos de atenção, a serem observados conforme ela seja implementada – e eventualmente aperfeiçoada, caso esses mecanismos se mostrem relevantes.


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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Teto dos juros do cheque especial – alguns pontos de atenção

Recentemente, o Conselho Monetário Nacional (CMN) decidiu que os juros do cheque especial não podem ultrapassar 8% ao mês. Já escrevemos sobre esse assunto diversas vezes (veja aqui). Nossa opinião é que a medida faz sentido. Mas há alguns pontos que devem ser observados com cuidado por gestores e reguladores do setor financeiro, à medida em que a política é implementada.

Isso tem a ver com a potencial reação da oferta de crédito nesse segmento por parte dos bancos. Ainda que não seja óbvia a redução da oferta (dada a elevada concentração de mercado), é bem possível que esse movimento ocorra, já que um preço mais baixo torna a alocação de crédito para o cheque especial menos atrativa.

Alguns clientes se beneficiariam de um acesso mais restrito, especialmente aqueles com problemas de autocontrole. Eles frequentemente gastam mais do que podem, vivem caindo no cheque especial e pagando juros exorbitantes. O que era para ser usado como um seguro, uma vez na vida e outra na morte, acaba virando um instrumento corriqueiro.

A restrição ao crédito pode fazer com que esses clientes tenham de ajustar seu comportamento. No curto prazo será dolorido, mas no longo prazo a pessoa pode sair ganhando. É como negar chocolate a uma pessoa que tem problema para manter o peso.

E a tendência é que os bancos, se de fato a oferta cair, passem a negar crédito justamente a esse tipo de cliente, que tende a ser mais arriscado – isto é, tem maiores chances de inadimplência.

No entanto, dependendo da magnitude da reação da oferta, algumas pessoas que usam o cheque especial de maneira responsável podem ficar sem acesso a ele – como no caso de emergências financeiras, associadas a problemas de saúde, perda de emprego, reparos na casa ou no carro, entre outros. Na ausência desse instrumento, a pessoa pode ficar mais vulnerável financeiramente a choques desse tipo. Trata-se de um potencial custo da política, que deve ser levado em conta.

Além disso, as pessoas, agora sem acesso ao cheque especial, podem buscar alternativas mais caras e menos vantajosas, o que poderia piorar sua situação. O indivíduo com problema de autocontrole, por exemplo, continuaria constantemente endividado, porém utilizando um tipo de crédito de pior qualidade.

O artigo acadêmico de Jonathan Zinman nos fornece uma ideia desses mecanismos. O autor foca no caso das “payday loans” nos Estados Unidos, um empréstimo pessoal de curto prazo em que a pessoa recebe um adiantamento e repaga quando receber o próximo salário. Os juros nesse segmento são bastante elevados – como no nosso cheque especial, frequentemente passam de 200% em termos anuais. Diversos estados americanos colocam restrições sobre tal tipo de empréstimo.

Zinman analisa clientes em dois estados da Costa Oeste – Oregon e Washington. Oregon implementou um limite nos juros cobrados nas “payday loans”; em Washington foi cogitada a ideia, mas ela não foi adiante. Para entender os efeitos da política, o autor compara o comportamento de uma amostra de clientes nos dois estados e observa que, de fato, a oferta de crédito e o acesso ao instrumento caíram mais em Oregon do que em Washington. Isso indica que a política atuou no sentido de restringir a disponibilidade de crédito.

O artigo ainda encontra alguma evidência (fraca, é verdade) de substituição na direção de outros instrumentos financeiros mais caros, o que poderia tornar a situação financeira dos indivíduos mais complicada. Curiosamente, um desses instrumentos mencionados são os “checking account overdrafts”, semelhantes ao nosso cheque especial.

De qualquer forma, o artigo levanta mecanismos plausíveis, que poderiam ocorrer no caso brasileiro, especialmente com os clientes do cheque especial que eventualmente não possam mais utilizá-lo como resultado do teto dos juros. Algumas dessas pessoas poderiam buscar crédito informal (por exemplo, de um agiota), sob condições potencialmente ainda mais adversas.

Tudo isso não significa que a política não deva ir adiante. Como dissemos, ela é bem fundamentada e pode trazer uma série de ganhos. Levantamos, neste texto, apenas alguns pontos de atenção, a serem observados conforme ela seja implementada – e eventualmente aperfeiçoada, caso esses mecanismos se mostrem relevantes.


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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