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Em economias de mercado, a competição tende a favorecer os consumidores. Empresas não podem cobrar preços muito altos, pela ameaça de perderem parte de sua freguesia. Não podem ainda se dar ao luxo de utilizar técnicas ineficientes e precisam se diferenciar de seus competidores. Tudo isso leva a preços mais baixos e maior variedade de produto.

Para empresários, entretanto, a competição não é um bom negócio. Entidades setoriais se movimentam para limitar a competição e manter seu pedaço no mercado intacto –por exemplo, pressionando governantes a garantir-lhes proteção contra a competição externa. E frequentemente essas iniciativas têm sucesso.

Foi o que aconteceu na semana passada no caso do leite. O Ministério da Economia indeferiu a extensão de uma medida antidumping, que garantia proteção extra a produtores locais, sobretaxando o produto importado da União Europeia e Nova Zelândia. O motivo alegado é que a quantidade de leite advinda desses locais em nosso mercado era irrisória, não justificando tais medidas.

O setor se movimentou e aparentemente suas demandas chegaram aos ouvidos do presidente Bolsonaro, que, ainda do hospital, garantiu que a proteção ao setor seria em larga medida mantida.

Como é possível que um grupo pequeno de produtores leve vantagem sobre milhões de consumidores de leite? Trata-se do que em economia e ciência política chamamos de problema da ação coletiva.

Produtores de leite são um grupo pequeno e mais homogêneo. O aumento da competição externa certamente traria perdas grandes a cada um deles. Têm mais facilidade assim em se organizarem para pressionar políticos. Já para um grupo grande e com interesses difusos, como os consumidores de leite, é muito mais complicado realizar uma mobilização para garantir seus interesses.

O resultado é que os grupos pequenos podem levar vantagem e manter a situação que lhes é favorável.

Assusta, entretanto, o sinal que o episódio passa a outros lobbies, que certamente pressionarão para manter proteção e privilégios. O Brasil tem uma agenda urgente de abertura da economia, desmonte de subsídios, e remoção de privilégios em geral. Mexer nessas coisas é muito complicado, porque elas envolvem efeitos distributivos –e grupos potencialmente prejudicados lutarão com unhas e dentes para manter suas posições atuais.

Quando o Planalto atende prontamente à demanda dos produtores de leite, passa aos demais lobbies a mensagem de que é só pressionar que leva. E dificulta ainda mais a implementação de sua agenda de ajuste e reformas.

*

Talvez o recuo da Presidência nesse caso tenha a ver com a reforma da Previdência. Afinal, o planalto arrisca perder votos de setores ligados ao agronegócio, caso insista na remoção da proteção. Se esse é o caso, de fato vale a pena não mexer nesse vespeiro no momento. Afinal, a reforma pode salvar o país de um cataclismo fiscal, o que certamente mais que compensaria as perdas temporárias dos consumidores de leite. Mas o estrago –em termos do sinal mandado aos outros lobbies– já está feito. Dissemos que os consumidores são um grupo grande e heterogêneo, com dificuldade de se organizar e até de se informar. Muita gente nem sequer fica sabendo de mudanças de políticas como a da taxação sobre o leite importado. E isso faz com que políticas contra seu interesse prosperem. Entidades de defesa do consumidor poderiam prestar um excelente serviço nessa situação, pressionando políticos a não tomarem decisões do tipo e informando o público dos prejuízos ao consumidor de políticas protecionistas. É desolador o silêncio dessas instituições no episódio (e em outros semelhantes). Enquanto isso, os produtores de leite conseguiram um naco do excedente do consumidor, sem que muita gente se desse conta. COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO

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Quem perde com a vitória do lobby do leite?

Em economias de mercado, a competição tende a favorecer os consumidores. Empresas não podem cobrar preços muito altos, pela ameaça de perderem parte de sua freguesia. Não podem ainda se dar ao luxo de utilizar técnicas ineficientes e precisam se diferenciar de seus competidores. Tudo isso leva a preços mais baixos e maior variedade de produto. Para empresários, entretanto, a competição não é um bom negócio. Entidades setoriais se movimentam para limitar a competição e manter seu pedaço no mercado intacto –por exemplo, pressionando governantes a garantir-lhes proteção contra a competição externa. E frequentemente essas iniciativas têm sucesso. Foi o que aconteceu na semana passada no caso do leite. O Ministério da Economia indeferiu a extensão de uma medida antidumping, que garantia proteção extra a produtores locais, sobretaxando o produto importado da União Europeia e Nova Zelândia. O motivo alegado é que a quantidade de leite advinda desses locais em nosso mercado era irrisória, não justificando tais medidas. O setor se movimentou e aparentemente suas demandas chegaram aos ouvidos do presidente Bolsonaro, que, ainda do hospital, garantiu que a proteção ao setor seria em larga medida mantida. Como é possível que um grupo pequeno de produtores leve vantagem sobre milhões de consumidores de leite? Trata-se do que em economia e ciência política chamamos de problema da ação coletiva. Produtores de leite são um grupo pequeno e mais homogêneo. O aumento da competição externa certamente traria perdas grandes a cada um deles. Têm mais facilidade assim em se organizarem para pressionar políticos. Já para um grupo grande e com interesses difusos, como os consumidores de leite, é muito mais complicado realizar uma mobilização para garantir seus interesses. O resultado é que os grupos pequenos podem levar vantagem e manter a situação que lhes é favorável. Assusta, entretanto, o sinal que o episódio passa a outros lobbies, que certamente pressionarão para manter proteção e privilégios. O Brasil tem uma agenda urgente de abertura da economia, desmonte de subsídios, e remoção de privilégios em geral. Mexer nessas coisas é muito complicado, porque elas envolvem efeitos distributivos –e grupos potencialmente prejudicados lutarão com unhas e dentes para manter suas posições atuais. Quando o Planalto atende prontamente à demanda dos produtores de leite, passa aos demais lobbies a mensagem de que é só pressionar que leva. E dificulta ainda mais a implementação de sua agenda de ajuste e reformas. *

Talvez o recuo da Presidência nesse caso tenha a ver com a reforma da Previdência. Afinal, o planalto arrisca perder votos de setores ligados ao agronegócio, caso insista na remoção da proteção. Se esse é o caso, de fato vale a pena não mexer nesse vespeiro no momento. Afinal, a reforma pode salvar o país de um cataclismo fiscal, o que certamente mais que compensaria as perdas temporárias dos consumidores de leite. Mas o estrago –em termos do sinal mandado aos outros lobbies– já está feito. Dissemos que os consumidores são um grupo grande e heterogêneo, com dificuldade de se organizar e até de se informar. Muita gente nem sequer fica sabendo de mudanças de políticas como a da taxação sobre o leite importado. E isso faz com que políticas contra seu interesse prosperem. Entidades de defesa do consumidor poderiam prestar um excelente serviço nessa situação, pressionando políticos a não tomarem decisões do tipo e informando o público dos prejuízos ao consumidor de políticas protecionistas. É desolador o silêncio dessas instituições no episódio (e em outros semelhantes). Enquanto isso, os produtores de leite conseguiram um naco do excedente do consumidor, sem que muita gente se desse conta. COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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