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														Despedido em 1982 da indústria mecânica em que havia trabalhado oito anos, o engenheiro Odil Garcez Filho abriu uma lanchonete na avenida Paulista, em São Paulo, e a batizou como “O engenheiro que virou suco”. O estabelecimento ficou famoso e durou cinco anos, até Garcez buscar outros negócios no comércio e na construção. Em 2001, aos 51 anos, faleceu de leucemia.

Tenho um amigo engenheiro de alimentos, professor e hoje reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Antonio José Meirelles, a quem chamei “o engenheiro que virou álcool” em artigo no jornal O Estado de S. Paulo, em 2000. Considerei sua experiência então emblemática do que precisaria ocorrer em maior escala no Brasil.

Desde então, minhas andanças pelo mundo me levaram a encontrar experiências com muito em comum com a dele, particularmente em países que têm exibido sucesso em subir na escada da renda per capita, como Coréia do Sul e China. Em todas elas, encontrei trajetórias conectando inovações tecnológicas, novos produtos e processos, a uma origem em investimentos científicos.

Antonio José defendeu sua tese de doutorado em 1987, na Alemanha, tornando-se depois professor na Unicamp. Usando a fronteira de conhecimentos disponíveis à época, desenvolveu uma forma inédita de produzir álcool anidro, pela qual ganhou o prêmio Jovem Cientista. Com um trabalho de ampliação de escala operacional, feito em conjunto com outros engenheiros, fabricantes de equipamentos para o setor e usinas dispostas a experimentar, sua tese e seus experimentos originais viriam a se tornar responsáveis hoje em dia por mais de 30% da produção brasileira de álcool anidro, pela sua capacidade de reduzir o consumo de energia e/ou duplicar a produção. Essa experiência ilustra bem tanto a necessidade das chamadas “instituições que fazem a ponte entre ciência e inovação”, quanto os ganhos decorrentes de esforços de pesquisa científica em universidades ou instituições de pesquisa.

Em 2008, quando era vice-presidente no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), visitei o que era então um protótipo de produção de placas solares na Coreia do Sul, que veio a se tornar um êxito de produção e exportação. Em comum com o caso de Antônio José, tinha na origem os estudos científicos de um engenheiro coreano que, em conjunto com colegas engenheiros, resolveu utilizá-los para adaptar e aprimorar, em escala operacional e adaptada a circunstâncias locais, uma patente registrada na Universidade de Delaware, nos Estados Unidos. O ponto a frisar é a relevância do investimento público coreano na capacitação científica de seu país.

Abordei o assunto em capítulo de meu livro mais recente, sobre globalização e a escada íngreme da renda per capita. Os sucessos de Coreia do Sul e China têm relação, em termos mais gerais, justamente com esforços locais de construção de capacidades para adaptar, recriar e inovar em cima de conhecimentos científicos e tecnológicos disponibilizados via globalização.

Desde 2000, os gastos com P&D dispararam na China e os estoques de patentes internacionais se acumularam na Coreia. Esses países se juntaram a líderes tradicionais em setores como equipamentos elétricos e óticos e, principalmente a Coreia, em máquinas e equipamentos. Ascender na escada tecnológica não teria sido possível sem a contrapartida de investimentos educacionais e científicos locais nestes países.

Meus anos como vice-presidente no Banco Mundial também me deram oportunidade de conhecer ecossistemas de inovação, como o existente em torno de universidades no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Ecossistemas de inovação correspondem a ambientes onde interagem diferentes atores em torno da inovação. São polos que reúnem infraestrutura, capital humano e finanças, constituindo ambientes de P&D em busca de soluções para problemas de empresas e mercados, criando produtos, serviços e projetos que respondam a tais necessidades. Incorporam instituições que fazem a ponte entre ciência e inovação, ponte essa construída a partir do conhecimento científico.

No Brasil, um exemplo de projeto promissor nessa direção está no “Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS)” em Campinas, São Paulo, fisicamente ao lado da Unicamp. Com apoio do BID, o HIDS constituirá uma cadeia onde estarão, além da Unicamp, o Sirius (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, o principal anel acelerador de partículas do Hemisfério Sul), o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas). Segundo os idealizadores do projeto na Unicamp, em 2014, o HIDS será uma espécie de “Zona Franca de Conhecimento”, em cujo entorno se localizarão empresas que desenvolvam tecnologias inovadoras e educação.

Vejam. A economia brasileira está às voltas já há décadas com uma profunda “anemia de produtividade”, por motivos como insuficiência de educação, ambiente de negócios desfavorável, carência de infraestrutura e um ritmo longe do adequado na adaptação e criação de inovações tecnológicas. Pelo que já observamos neste artigo, depreende-se a falta que faz não ter mais investimentos científicos e pontes reforçadas entre estes e a economia.

A anemia de produtividade alimenta e é reforçada por uma “obesidade nos gastos públicos”, com o Estado gastando muito, porém mal no que diz respeito a seu impacto sobre produtividade e crescimento econômico do país. Faz-se necessário que os esforços de contenção fiscal incluam um reordenamento de gastos que preserve e amplie investimentos em ciência.

Hoje o investimento em ciência está abaixo da média mundial: 1,26% do PIB, contra 1,79% da média mundial. Em 2020, o Governo Federal investiu, em Ciência e Tecnologia, um montante menor que o volume de recursos aplicados em 2009.

A ciência deve participar da reconstrução do Brasil.


Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas da Folha de S. Paulo cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO



Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University, professor afiliado na Universidade Politécnica Mohamed VI e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. 



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A ciência tem um papel fundamental no desenvolvimento brasileiro

Despedido em 1982 da indústria mecânica em que havia trabalhado oito anos, o engenheiro Odil Garcez Filho abriu uma lanchonete na avenida Paulista, em São Paulo, e a batizou como “O engenheiro que virou suco”. O estabelecimento ficou famoso e durou cinco anos, até Garcez buscar outros negócios no comércio e na construção. Em 2001, aos 51 anos, faleceu de leucemia.

Tenho um amigo engenheiro de alimentos, professor e hoje reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Antonio José Meirelles, a quem chamei “o engenheiro que virou álcool” em artigo no jornal O Estado de S. Paulo, em 2000. Considerei sua experiência então emblemática do que precisaria ocorrer em maior escala no Brasil.

Desde então, minhas andanças pelo mundo me levaram a encontrar experiências com muito em comum com a dele, particularmente em países que têm exibido sucesso em subir na escada da renda per capita, como Coréia do Sul e China. Em todas elas, encontrei trajetórias conectando inovações tecnológicas, novos produtos e processos, a uma origem em investimentos científicos.

Antonio José defendeu sua tese de doutorado em 1987, na Alemanha, tornando-se depois professor na Unicamp. Usando a fronteira de conhecimentos disponíveis à época, desenvolveu uma forma inédita de produzir álcool anidro, pela qual ganhou o prêmio Jovem Cientista. Com um trabalho de ampliação de escala operacional, feito em conjunto com outros engenheiros, fabricantes de equipamentos para o setor e usinas dispostas a experimentar, sua tese e seus experimentos originais viriam a se tornar responsáveis hoje em dia por mais de 30% da produção brasileira de álcool anidro, pela sua capacidade de reduzir o consumo de energia e/ou duplicar a produção. Essa experiência ilustra bem tanto a necessidade das chamadas “instituições que fazem a ponte entre ciência e inovação”, quanto os ganhos decorrentes de esforços de pesquisa científica em universidades ou instituições de pesquisa.

Em 2008, quando era vice-presidente no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), visitei o que era então um protótipo de produção de placas solares na Coreia do Sul, que veio a se tornar um êxito de produção e exportação. Em comum com o caso de Antônio José, tinha na origem os estudos científicos de um engenheiro coreano que, em conjunto com colegas engenheiros, resolveu utilizá-los para adaptar e aprimorar, em escala operacional e adaptada a circunstâncias locais, uma patente registrada na Universidade de Delaware, nos Estados Unidos. O ponto a frisar é a relevância do investimento público coreano na capacitação científica de seu país.

Abordei o assunto em capítulo de meu livro mais recente, sobre globalização e a escada íngreme da renda per capita. Os sucessos de Coreia do Sul e China têm relação, em termos mais gerais, justamente com esforços locais de construção de capacidades para adaptar, recriar e inovar em cima de conhecimentos científicos e tecnológicos disponibilizados via globalização.

Desde 2000, os gastos com P&D dispararam na China e os estoques de patentes internacionais se acumularam na Coreia. Esses países se juntaram a líderes tradicionais em setores como equipamentos elétricos e óticos e, principalmente a Coreia, em máquinas e equipamentos. Ascender na escada tecnológica não teria sido possível sem a contrapartida de investimentos educacionais e científicos locais nestes países.

Meus anos como vice-presidente no Banco Mundial também me deram oportunidade de conhecer ecossistemas de inovação, como o existente em torno de universidades no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Ecossistemas de inovação correspondem a ambientes onde interagem diferentes atores em torno da inovação. São polos que reúnem infraestrutura, capital humano e finanças, constituindo ambientes de P&D em busca de soluções para problemas de empresas e mercados, criando produtos, serviços e projetos que respondam a tais necessidades. Incorporam instituições que fazem a ponte entre ciência e inovação, ponte essa construída a partir do conhecimento científico.

No Brasil, um exemplo de projeto promissor nessa direção está no “Hub Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (HIDS)” em Campinas, São Paulo, fisicamente ao lado da Unicamp. Com apoio do BID, o HIDS constituirá uma cadeia onde estarão, além da Unicamp, o Sirius (Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, o principal anel acelerador de partículas do Hemisfério Sul), o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPQD), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-Campinas). Segundo os idealizadores do projeto na Unicamp, em 2014, o HIDS será uma espécie de “Zona Franca de Conhecimento”, em cujo entorno se localizarão empresas que desenvolvam tecnologias inovadoras e educação.

Vejam. A economia brasileira está às voltas já há décadas com uma profunda “anemia de produtividade”, por motivos como insuficiência de educação, ambiente de negócios desfavorável, carência de infraestrutura e um ritmo longe do adequado na adaptação e criação de inovações tecnológicas. Pelo que já observamos neste artigo, depreende-se a falta que faz não ter mais investimentos científicos e pontes reforçadas entre estes e a economia.

A anemia de produtividade alimenta e é reforçada por uma “obesidade nos gastos públicos”, com o Estado gastando muito, porém mal no que diz respeito a seu impacto sobre produtividade e crescimento econômico do país. Faz-se necessário que os esforços de contenção fiscal incluam um reordenamento de gastos que preserve e amplie investimentos em ciência.

Hoje o investimento em ciência está abaixo da média mundial: 1,26% do PIB, contra 1,79% da média mundial. Em 2020, o Governo Federal investiu, em Ciência e Tecnologia, um montante menor que o volume de recursos aplicados em 2009.

A ciência deve participar da reconstrução do Brasil.


Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas da Folha de S. Paulo cedem seus espaços para refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO



Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University, professor afiliado na Universidade Politécnica Mohamed VI e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. 



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