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Um amigo me ligou esses dias, desesperado com algumas rachaduras que estão aparecendo na sua garagem. Até tirou o carro de lá. Agora está atrás do mestre de obras, para ver o que está acontecendo. A casa é bonita, acabamento atraente, quadros caros pendurados, jardim delicioso. Mas com a fundação ruim, pouco importa: tudo vem abaixo. Na economia é similar, e a fundação é a política fiscal. 

Não se varre rachadura na parede para debaixo do tapete. Não dá. Assim como na casa, a gente não sabe quando vem o desabamento, mas ele chega em alguma hora.

Num livro lançado cerca de dez anos atrás, intitulado “This Time is Different”, Ken Rogoff e Carmen Reinhart, ambos de Harvard, documentam com riqueza de detalhes a história do endividamento mundial. Mostram que raramente um país escapa de uma dívida que se torna muito elevada por meio de uma aceleração do crescimento da economia. Claro que é possível matematicamente: se o crescimento da economia é forte e o juro não muito elevado, na razão dívida/PIB o denominador cresce mais rápido. O problema é que raramente isso acontece!

Rogoff e Reinhart também revelam que o problema de intolerância à dívida é crônico em economias emergentes, aquelas que ainda não conseguiram estabelecer uma reputação de bons pagadores e estão constantemente metidas em encrencas. Isso vale tanto para a Espanha do século XVI como para a Argentina de hoje. Nesses lugares, quando a dívida cresce muito, invariavelmente algo ruim acontece; a gente só não sabe determinar quando. E milagres nunca ocorrem (a esperança de que gastando mais, a economia se aqueça e a dívida se repague). Até porque, com a exceção de períodos de guerra ou calamidade pública, uma dívida muito alta é sinal de desorganização e má governança. Como um país assim mal gerido pode crescer?
Ademais, o setor privado não é um joão-bobo inerte; ele antecipa que haverá uma reestruturação, ou aumento de impostos, ou aumento da inflação num futuro talvez não muito distante. Isso leva a uma contração do investimento, causando uma desaceleração da economia que por sua vez desemboca em menor arrecadação de impostos e maior déficit. O tal círculo vicioso.

Como se quebra isso? Na Argentina tentaram no gogó,  com um discurso do tipo: “Olha, eu sei, precisa ser conservador e serei ! Mas bem devagar, amanhã um pouquinho de ajuste, depois de amanhã mais uma colherzinha, etc. Acredite em mim!”. Deu no que deu. Uma hora os mercados pararam e concluíram: esse pessoal está me enrolando. Aí... cabum! O Brasil tem uma vantagem sobre os hermanos, que é uma baixíssima divida externa, indexada ao dólar. Mas a interna é elevada demais, a maior do mundo emergente (excetuando-se alguns países pequeninos). 

Pois bem, essa semana o Tesouro Nacional começou a enfrentar dificuldades de vender títulos públicos. Os mercados estão percebendo que o compromisso com o ajuste fiscal está como aquela latinha chutada ladeira abaixo. Ou bem Congresso e Executivo tomam tenência e mostram um plano crível de ajuste, com objetivos intermediários, detalhamento dos cortes, defesa do teto, ou bem a casa cai.  

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO



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A fundação da casa

Um amigo me ligou esses dias, desesperado com algumas rachaduras que estão aparecendo na sua garagem. Até tirou o carro de lá. Agora está atrás do mestre de obras, para ver o que está acontecendo. A casa é bonita, acabamento atraente, quadros caros pendurados, jardim delicioso. Mas com a fundação ruim, pouco importa: tudo vem abaixo. Na economia é similar, e a fundação é a política fiscal. 

Não se varre rachadura na parede para debaixo do tapete. Não dá. Assim como na casa, a gente não sabe quando vem o desabamento, mas ele chega em alguma hora.

Num livro lançado cerca de dez anos atrás, intitulado “This Time is Different”, Ken Rogoff e Carmen Reinhart, ambos de Harvard, documentam com riqueza de detalhes a história do endividamento mundial. Mostram que raramente um país escapa de uma dívida que se torna muito elevada por meio de uma aceleração do crescimento da economia. Claro que é possível matematicamente: se o crescimento da economia é forte e o juro não muito elevado, na razão dívida/PIB o denominador cresce mais rápido. O problema é que raramente isso acontece!

Rogoff e Reinhart também revelam que o problema de intolerância à dívida é crônico em economias emergentes, aquelas que ainda não conseguiram estabelecer uma reputação de bons pagadores e estão constantemente metidas em encrencas. Isso vale tanto para a Espanha do século XVI como para a Argentina de hoje. Nesses lugares, quando a dívida cresce muito, invariavelmente algo ruim acontece; a gente só não sabe determinar quando. E milagres nunca ocorrem (a esperança de que gastando mais, a economia se aqueça e a dívida se repague). Até porque, com a exceção de períodos de guerra ou calamidade pública, uma dívida muito alta é sinal de desorganização e má governança. Como um país assim mal gerido pode crescer?
Ademais, o setor privado não é um joão-bobo inerte; ele antecipa que haverá uma reestruturação, ou aumento de impostos, ou aumento da inflação num futuro talvez não muito distante. Isso leva a uma contração do investimento, causando uma desaceleração da economia que por sua vez desemboca em menor arrecadação de impostos e maior déficit. O tal círculo vicioso.

Como se quebra isso? Na Argentina tentaram no gogó,  com um discurso do tipo: “Olha, eu sei, precisa ser conservador e serei ! Mas bem devagar, amanhã um pouquinho de ajuste, depois de amanhã mais uma colherzinha, etc. Acredite em mim!”. Deu no que deu. Uma hora os mercados pararam e concluíram: esse pessoal está me enrolando. Aí... cabum! O Brasil tem uma vantagem sobre os hermanos, que é uma baixíssima divida externa, indexada ao dólar. Mas a interna é elevada demais, a maior do mundo emergente (excetuando-se alguns países pequeninos). 

Pois bem, essa semana o Tesouro Nacional começou a enfrentar dificuldades de vender títulos públicos. Os mercados estão percebendo que o compromisso com o ajuste fiscal está como aquela latinha chutada ladeira abaixo. Ou bem Congresso e Executivo tomam tenência e mostram um plano crível de ajuste, com objetivos intermediários, detalhamento dos cortes, defesa do teto, ou bem a casa cai.  

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