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“O diabo na rua, no meio do redemunho”, João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas

A inflação, ao que tudo indica, vai fechar o ano de 2021 razoavelmente acima da meta de 3,75%. Uns 6%, talvez. Motivos para preocupação? A política monetária foi irresponsável? Despertaram o Dragão? Nonada. Isso que os senhores estão vendo é uma fumaça que logo se extingue, Deus esteja. A inflação existe, me pergunta? Eh, digo ao senhor, mire veja: existe e não existe, no real. Se tem pacto? Não tem, eu quase que desacredito. Se vai desandar? Toleima.

Nosso diagnóstico: no segundo trimestre de 2020, a impressão era de que o mundo vinha abaixo. A Europa se afogava em mortes, o vírus corria os países se espalhando como fogo. Depois tombou os Estados Unidos. Os governos confusos, lockdown para tudo que é canto. Na América Latina, em que pese a percepção contrária, a queda de mobilidade foi fantástica. Desemprego disparando. Os bancos centrais saíram cortando juros e incentivando ou até dando linhas de crédito. Em muitos lugares, comprando títulos públicos e privados – manobra perigosa, mas talvez justificável em lugares com maior credibilidade anti-inflacionária. A pergunta relevante: o que faria você se estivesse lá, no timão, com a inflação baixa e um cenário horroroso desse na frente? O Banco Central reduziu o juro nominal a 2%.

Muito agressivo? Talvez hoje a alguns pareça, a posteriori. Mas façamos a conta da padaria do Taylor, que é a pedra angular da política monetária. O juro tem que ficar abaixo do juro neutro numa recessão. Quanto? A conta aproximada: pega o tamanho do hiato do produto, multiplica por 0,5. Pega a diferença da expectativa da inflação da meta, multiplica por 1,5. Vamos lá, papel e lápis na mão. Ok, inflação esperada de 3% com meta de 4%. Diferença de 1%, menos 1,5% de juro. Hiato do produto de uns 5% negativos era o que muita gente tinha em mente. Isso vezes 0,5 dá menos 2.5% de juro. Ok, juro abaixo de uns 4% era a recomendação. Qual o juro neutro no Brasil? Ninguém sabe, mas um bom chute é 2% de juro real + 4% de inflação = 6%. Beleza. Subtrai 4%, dá 2%. Voilà.

Ok, põe um a mais de juro neutro real, dá 3%. Mas a crise parecia sinistra demais, por outro lado. Em suma, não concordamos que os 2% tenham sido uma irresponsabilidade. Ousado, talvez?

Indo ao que mais interessa: vai desandar, perdeu a mão? Não acreditamos. É só ver o que está acontecendo nesse exato momento. Quando o Banco Central percebeu que a coisa estava de fato esquentando, ele foi lá e iniciou uma subida da taxa Selic. Forte. De 2% a 5,25% em poucos meses. E ao que tudo indica, subirá mais.

O Banco Central não parece estar restrito nas suas ações pelas vicissitudes fiscais do país ou pelas condições ainda bem frágeis do mercado de trabalho. É a percepção de estar “dominado”, seja pelo fiscal, seja pelo ciclo político, que põe lenha na fogueira da inflação. O juro subindo agora, a inflação cairá daqui a pouco. Em 2022 para uns 5%, em 2023 para uns 4%.

E segue o jogo.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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A volta do Dragão?

“O diabo na rua, no meio do redemunho”, João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas

A inflação, ao que tudo indica, vai fechar o ano de 2021 razoavelmente acima da meta de 3,75%. Uns 6%, talvez. Motivos para preocupação? A política monetária foi irresponsável? Despertaram o Dragão? Nonada. Isso que os senhores estão vendo é uma fumaça que logo se extingue, Deus esteja. A inflação existe, me pergunta? Eh, digo ao senhor, mire veja: existe e não existe, no real. Se tem pacto? Não tem, eu quase que desacredito. Se vai desandar? Toleima.

Nosso diagnóstico: no segundo trimestre de 2020, a impressão era de que o mundo vinha abaixo. A Europa se afogava em mortes, o vírus corria os países se espalhando como fogo. Depois tombou os Estados Unidos. Os governos confusos, lockdown para tudo que é canto. Na América Latina, em que pese a percepção contrária, a queda de mobilidade foi fantástica. Desemprego disparando. Os bancos centrais saíram cortando juros e incentivando ou até dando linhas de crédito. Em muitos lugares, comprando títulos públicos e privados – manobra perigosa, mas talvez justificável em lugares com maior credibilidade anti-inflacionária. A pergunta relevante: o que faria você se estivesse lá, no timão, com a inflação baixa e um cenário horroroso desse na frente? O Banco Central reduziu o juro nominal a 2%.

Muito agressivo? Talvez hoje a alguns pareça, a posteriori. Mas façamos a conta da padaria do Taylor, que é a pedra angular da política monetária. O juro tem que ficar abaixo do juro neutro numa recessão. Quanto? A conta aproximada: pega o tamanho do hiato do produto, multiplica por 0,5. Pega a diferença da expectativa da inflação da meta, multiplica por 1,5. Vamos lá, papel e lápis na mão. Ok, inflação esperada de 3% com meta de 4%. Diferença de 1%, menos 1,5% de juro. Hiato do produto de uns 5% negativos era o que muita gente tinha em mente. Isso vezes 0,5 dá menos 2.5% de juro. Ok, juro abaixo de uns 4% era a recomendação. Qual o juro neutro no Brasil? Ninguém sabe, mas um bom chute é 2% de juro real + 4% de inflação = 6%. Beleza. Subtrai 4%, dá 2%. Voilà.

Ok, põe um a mais de juro neutro real, dá 3%. Mas a crise parecia sinistra demais, por outro lado. Em suma, não concordamos que os 2% tenham sido uma irresponsabilidade. Ousado, talvez?

Indo ao que mais interessa: vai desandar, perdeu a mão? Não acreditamos. É só ver o que está acontecendo nesse exato momento. Quando o Banco Central percebeu que a coisa estava de fato esquentando, ele foi lá e iniciou uma subida da taxa Selic. Forte. De 2% a 5,25% em poucos meses. E ao que tudo indica, subirá mais.

O Banco Central não parece estar restrito nas suas ações pelas vicissitudes fiscais do país ou pelas condições ainda bem frágeis do mercado de trabalho. É a percepção de estar “dominado”, seja pelo fiscal, seja pelo ciclo político, que põe lenha na fogueira da inflação. O juro subindo agora, a inflação cairá daqui a pouco. Em 2022 para uns 5%, em 2023 para uns 4%.

E segue o jogo.

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