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														Talvez já devêssemos dizer “entornando o caldo”. De todo modo, independentemente do título, o recado é o mesmo. A economia global vai enfraquecendo de modo nítido e 2024 não se mostra nem um pouco alvissareiro para o mundo e para o Brasil. Isso sem mencionar a catástrofe de duas guerras, uma que já se prolonga, outra que apenas começa e pode se alastrar. Os próximos anos serão de crescimento baixo, e o otimismo com o Brasil vai minguar.

O ano de 2023, a poucos meses de terminar, foi – e terá sido – excepcionalmente positivo para a economia brasileira. Desemprego caiu, PIB foi bem, inflação se reduziu e, como consequência, os juros baixaram das nuvens. Mas tudo isso parece, em nossa opinião, voo de galinha, aquela arrancada que logo na esquina perde o fôlego. Não nos acusem de pessimistas -- ainda não. Olhem os números! No primeiro trimestre de 2023, o PIB agrícola brasileiro cresceu perto de 20%. A probabilidade estatística de um PIB agrícola com tamanha exuberância é tão baixa poderíamos usar esse dado num futuro curso de estatística, para ilustrar que o pouquíssimo improvável é diferente de probabilidade = 0. Para propósitos correntes, o ponto relevante é que há 99,9% de chance de que isso não se repita. Um breve interregno: é compreensível que governos gostem de se apropriar dos bons dados da economia (muitos frutos de um acúmulo de decisões passadas) e culpar o mundo quando a coisa vai mal, mas no caso da agricultura essa afobação infantil beira o patético, dado que a política econômica de 2023 não pode explicar a safra do mesmo ano. Fecha parêntesis.

Curiosamente, em 2024 culpar o mundo não será um absurdo tão grande, pois a economia mundial vai crescer bem debilmente. As duas maiores economias mundiais, China e Estados Unidos, estão cheias de problemas estruturais, além dos conjunturais. E da terceira, o Japão, há muito não vem uma surpresa boa. Para fechar o círculo, nosso vizinho de maior porte, campeão do mundo em 2022, está afundado até o pescoço em dívidas, lidando com inflação e orçamento descontrolado e enfrentando uma batalha política entre populistas de diversas matizes.

Na China os problemas derivados dos excessos no mercado imobiliário se acentuam, as finanças dos governos locais estão em frangalhos (pois dependem demais das receitas associadas à venda de terras). Os déficits projetados para o futuro são enormes, a dívida dita privada é uma das maiores do mundo (em relação ao PIB) e a pública é a mais pesada entre os emergentes. Fora tudo isso, como já não é mais uma economia pobre, seguir crescendo vai se tornando um empreendimento cada vez mais complicado.

Os Estados Unidos vivem o momento de juros reais mais elevados dos últimos 16 anos; as hipotecas que há pouco saíam por 2,5% agora custam uns 7% ao ano. É uma mudança de patamar muito brutal, que seguramente vai arrastar o mercado imobiliário para baixo. Lá, as implicações de uma desaceleração imobiliária são enormes, dado que uma parcela elevada da população tem dívida desse tipo, e também devido ao efeito riqueza negativo associado a preços mais baixos das residências.

Olhando para prazos mais longos, está muito difícil também visualizar como os gigantescos déficits orçamentários serão equacionados. Em Washington, ouvem-se grupos organizados argumentando que é preciso gastar mais com XYZW. Mas com que dinheiro? O déficit de 2023, um ano sem catástrofes naturais ou covid-19, vai ser de uns 8% do PIB. Olhando mais distante, o gasto com saúde está programado para quase dobrar em 30 anos, por demografia. É uma bomba relógio que ninguém quer tentar desarmar.

No passado, ventos gelados vindos de fora sempre atrapalharam o andar da carruagem por aqui. Por que agora seria diferente? Mais: o que estamos fazendo para lidar com o tranco que certamente vem? Nada. Ou melhor: estamos cogitando as mesmas ideias estapafúrdias que já deram muito errado não faz tanto tempo.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO 

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Azedando o caldo

Talvez já devêssemos dizer “entornando o caldo”. De todo modo, independentemente do título, o recado é o mesmo. A economia global vai enfraquecendo de modo nítido e 2024 não se mostra nem um pouco alvissareiro para o mundo e para o Brasil. Isso sem mencionar a catástrofe de duas guerras, uma que já se prolonga, outra que apenas começa e pode se alastrar. Os próximos anos serão de crescimento baixo, e o otimismo com o Brasil vai minguar.

O ano de 2023, a poucos meses de terminar, foi – e terá sido – excepcionalmente positivo para a economia brasileira. Desemprego caiu, PIB foi bem, inflação se reduziu e, como consequência, os juros baixaram das nuvens. Mas tudo isso parece, em nossa opinião, voo de galinha, aquela arrancada que logo na esquina perde o fôlego. Não nos acusem de pessimistas -- ainda não. Olhem os números! No primeiro trimestre de 2023, o PIB agrícola brasileiro cresceu perto de 20%. A probabilidade estatística de um PIB agrícola com tamanha exuberância é tão baixa poderíamos usar esse dado num futuro curso de estatística, para ilustrar que o pouquíssimo improvável é diferente de probabilidade = 0. Para propósitos correntes, o ponto relevante é que há 99,9% de chance de que isso não se repita. Um breve interregno: é compreensível que governos gostem de se apropriar dos bons dados da economia (muitos frutos de um acúmulo de decisões passadas) e culpar o mundo quando a coisa vai mal, mas no caso da agricultura essa afobação infantil beira o patético, dado que a política econômica de 2023 não pode explicar a safra do mesmo ano. Fecha parêntesis.

Curiosamente, em 2024 culpar o mundo não será um absurdo tão grande, pois a economia mundial vai crescer bem debilmente. As duas maiores economias mundiais, China e Estados Unidos, estão cheias de problemas estruturais, além dos conjunturais. E da terceira, o Japão, há muito não vem uma surpresa boa. Para fechar o círculo, nosso vizinho de maior porte, campeão do mundo em 2022, está afundado até o pescoço em dívidas, lidando com inflação e orçamento descontrolado e enfrentando uma batalha política entre populistas de diversas matizes.

Na China os problemas derivados dos excessos no mercado imobiliário se acentuam, as finanças dos governos locais estão em frangalhos (pois dependem demais das receitas associadas à venda de terras). Os déficits projetados para o futuro são enormes, a dívida dita privada é uma das maiores do mundo (em relação ao PIB) e a pública é a mais pesada entre os emergentes. Fora tudo isso, como já não é mais uma economia pobre, seguir crescendo vai se tornando um empreendimento cada vez mais complicado.

Os Estados Unidos vivem o momento de juros reais mais elevados dos últimos 16 anos; as hipotecas que há pouco saíam por 2,5% agora custam uns 7% ao ano. É uma mudança de patamar muito brutal, que seguramente vai arrastar o mercado imobiliário para baixo. Lá, as implicações de uma desaceleração imobiliária são enormes, dado que uma parcela elevada da população tem dívida desse tipo, e também devido ao efeito riqueza negativo associado a preços mais baixos das residências.

Olhando para prazos mais longos, está muito difícil também visualizar como os gigantescos déficits orçamentários serão equacionados. Em Washington, ouvem-se grupos organizados argumentando que é preciso gastar mais com XYZW. Mas com que dinheiro? O déficit de 2023, um ano sem catástrofes naturais ou covid-19, vai ser de uns 8% do PIB. Olhando mais distante, o gasto com saúde está programado para quase dobrar em 30 anos, por demografia. É uma bomba relógio que ninguém quer tentar desarmar.

No passado, ventos gelados vindos de fora sempre atrapalharam o andar da carruagem por aqui. Por que agora seria diferente? Mais: o que estamos fazendo para lidar com o tranco que certamente vem? Nada. Ou melhor: estamos cogitando as mesmas ideias estapafúrdias que já deram muito errado não faz tanto tempo.

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