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Já vai tarde o ano que se encerra, em que o mundo de fato parou. O ano que entra traz alguma esperança, mas é bom evitar otimismo excessivo – não só pelo risco da  frustração, mas principalmente para não baixarmos a guarda. Como entender o choque que se abateu ferozmente sobre o Ocidente? Por que o impacto sobre o Oriente – onde se originou – foi bem mais moderado? Vamos precisar de mais tempo e mais análise para mapear melhor e com alguma perspectiva o ano de 2020, mas palpitar dentro das fronteiras do razoável não faz mal a ninguém, principalmente nesta época.
 
Nos países mais afetados, o ano vai fechando com taxas de mortalidade perto dos mil por milhão, como na Bélgica, Peru, Espanha, Itália, Inglaterra, Argentina, Estados Unidos e México. Curiosamente, na Ásia, mesmo em países extremamente populosos, como Japão e Coreia, a doença parece estar muito mais sobre controle. Na Europa, a grande exceção, no bom sentido, é a Alemanha. Nas Américas, o Uruguai. Não é tão simples entender o que está por trás dessas diferenças. Certamente, alguns fatores fora do alcance das alavancas das políticas públicas contaram. Há evidências de que o número de mortes por milhão de habitantes aumenta com a proporção de idosos na população e com a prevalência de comorbidades (há mais obesos nos Estados Unidos do que no Japão). Além disso, países com histórico de vacinação BCG têm aparentemente alguma vantagem também (isso deduzindo pelo padrão dos dados, não por estudos epidemiológicos em ambientes mais controlados). Mas talvez, quando todos esses fatores são jogados em uma máquina de moer carne estatística, o poder explicativo dessas e de outras variáveis seja muito baixo. 

A evidência associada às diferentes estratégias de lockdown também não é lá muito informativa. Talvez porque uma coisa sejam as leis e outra a forma como a população as segue (e por quanto tempo). No Japão, muito antes da covid-19, pessoas com virose já saíam à rua mascaradas ou ficavam em casa. No Brasil, máscara só no carnaval. Lembram do episódio do procurador arrogante rasgando a multa do policial no calçadão? É difícil encaixar aquele personagem numa análise estatística formal, mas entrando pelo terreno do palpite, cremos que coesão social importe bastante. Vejam o caso do Uruguai, por exemplo. Lá as mortes causadas pelo coronavírus estão até agora, meio de dezembro, rondando o zero. E o Uruguai é o país da América Latina com maior proporção de idosos, cerca de 10% (mais se assemelha à Europa). O que eles têm de tão diferente? Muito mais recursos investidos na saúde? Não. Mais calor? Não. Inventaram uma vacina e ninguém soube? Não. Mas eles são o povo com maior coesão social das Américas. E confiança no governo. Isso significa que protocolos de segurança e comportamento voltados mais para os ganhos sociais que para os privados são algo mais natural e de mais fácil implementação. O mesmo argumento vale para a  Alemanha. E para a maior parte da Ásia, claro.

Em termos econômicos, o choque teve consequências desastrosas. Desemprego alto, renda em queda, investimentos contidos e outras mazelas tanto no caso dos países muito afetados pela covid-19 como no dos menos afetados diretamente (mas que sofrem com a queda do comércio internacional de bens e turismo, a alta da aversão ao risco etc.). Em termos de taxonomia dos choques, em que caixinha deveríamos colocar a covid-19?

No início, foi um clássico choque adverso de oferta. A pandemia pega primeiro a oferta de trabalho, ao atravancar locomoção e aglomeração de pessoas. O efeito é mais forte no setor de serviços/comércio, onde a interação humana é mais intensa. Mas a partir de um certo momento, ela se torna também um choque negativo de demanda, ao gerar um aumento da poupança precaucionária com concomitante queda de investimentos e consumo. De modo geral, a política econômica reagiu célere e fortemente, com expansão de gastos e cortes de juros. No mundo todo, o PIB em 2020 se contrairá menos do que se esperava em abril, em parte por conta dessa reação tempestiva.  

Com a chegada da vacina em 2021, a mobilidade social deverá crescer fortemente. Isso, mais o efeito "fundo do poço", deve garantir taxas de crescimento fortes em 2021, incluindo o Brasil. Mas que não gere ilusões. Primeiro porque ainda é uma incógnita para a humanidade o que vem pela frente – mutações, novas ondas etc.? Mas mesmo no cenário – oxalá mais provável – de combate eficaz ao vírus, o pós-pandemia vai ser complicadíssimo para países que, como o Brasil, vivenciaram um salto olímpico nos níveis de endividamento público e privado. Por aqui, extinto o vírus, o governo – que não é dos mais organizados – terá uma pilha de 100% do PIB para pagar. 

Este ano, ao escrever para o Papai Noel, não sei se deveríamos pedir vacina ou superávit. 

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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Carta ao Papai Noel

Já vai tarde o ano que se encerra, em que o mundo de fato parou. O ano que entra traz alguma esperança, mas é bom evitar otimismo excessivo – não só pelo risco da  frustração, mas principalmente para não baixarmos a guarda. Como entender o choque que se abateu ferozmente sobre o Ocidente? Por que o impacto sobre o Oriente – onde se originou – foi bem mais moderado? Vamos precisar de mais tempo e mais análise para mapear melhor e com alguma perspectiva o ano de 2020, mas palpitar dentro das fronteiras do razoável não faz mal a ninguém, principalmente nesta época.
 
Nos países mais afetados, o ano vai fechando com taxas de mortalidade perto dos mil por milhão, como na Bélgica, Peru, Espanha, Itália, Inglaterra, Argentina, Estados Unidos e México. Curiosamente, na Ásia, mesmo em países extremamente populosos, como Japão e Coreia, a doença parece estar muito mais sobre controle. Na Europa, a grande exceção, no bom sentido, é a Alemanha. Nas Américas, o Uruguai. Não é tão simples entender o que está por trás dessas diferenças. Certamente, alguns fatores fora do alcance das alavancas das políticas públicas contaram. Há evidências de que o número de mortes por milhão de habitantes aumenta com a proporção de idosos na população e com a prevalência de comorbidades (há mais obesos nos Estados Unidos do que no Japão). Além disso, países com histórico de vacinação BCG têm aparentemente alguma vantagem também (isso deduzindo pelo padrão dos dados, não por estudos epidemiológicos em ambientes mais controlados). Mas talvez, quando todos esses fatores são jogados em uma máquina de moer carne estatística, o poder explicativo dessas e de outras variáveis seja muito baixo. 

A evidência associada às diferentes estratégias de lockdown também não é lá muito informativa. Talvez porque uma coisa sejam as leis e outra a forma como a população as segue (e por quanto tempo). No Japão, muito antes da covid-19, pessoas com virose já saíam à rua mascaradas ou ficavam em casa. No Brasil, máscara só no carnaval. Lembram do episódio do procurador arrogante rasgando a multa do policial no calçadão? É difícil encaixar aquele personagem numa análise estatística formal, mas entrando pelo terreno do palpite, cremos que coesão social importe bastante. Vejam o caso do Uruguai, por exemplo. Lá as mortes causadas pelo coronavírus estão até agora, meio de dezembro, rondando o zero. E o Uruguai é o país da América Latina com maior proporção de idosos, cerca de 10% (mais se assemelha à Europa). O que eles têm de tão diferente? Muito mais recursos investidos na saúde? Não. Mais calor? Não. Inventaram uma vacina e ninguém soube? Não. Mas eles são o povo com maior coesão social das Américas. E confiança no governo. Isso significa que protocolos de segurança e comportamento voltados mais para os ganhos sociais que para os privados são algo mais natural e de mais fácil implementação. O mesmo argumento vale para a  Alemanha. E para a maior parte da Ásia, claro.

Em termos econômicos, o choque teve consequências desastrosas. Desemprego alto, renda em queda, investimentos contidos e outras mazelas tanto no caso dos países muito afetados pela covid-19 como no dos menos afetados diretamente (mas que sofrem com a queda do comércio internacional de bens e turismo, a alta da aversão ao risco etc.). Em termos de taxonomia dos choques, em que caixinha deveríamos colocar a covid-19?

No início, foi um clássico choque adverso de oferta. A pandemia pega primeiro a oferta de trabalho, ao atravancar locomoção e aglomeração de pessoas. O efeito é mais forte no setor de serviços/comércio, onde a interação humana é mais intensa. Mas a partir de um certo momento, ela se torna também um choque negativo de demanda, ao gerar um aumento da poupança precaucionária com concomitante queda de investimentos e consumo. De modo geral, a política econômica reagiu célere e fortemente, com expansão de gastos e cortes de juros. No mundo todo, o PIB em 2020 se contrairá menos do que se esperava em abril, em parte por conta dessa reação tempestiva.  

Com a chegada da vacina em 2021, a mobilidade social deverá crescer fortemente. Isso, mais o efeito "fundo do poço", deve garantir taxas de crescimento fortes em 2021, incluindo o Brasil. Mas que não gere ilusões. Primeiro porque ainda é uma incógnita para a humanidade o que vem pela frente – mutações, novas ondas etc.? Mas mesmo no cenário – oxalá mais provável – de combate eficaz ao vírus, o pós-pandemia vai ser complicadíssimo para países que, como o Brasil, vivenciaram um salto olímpico nos níveis de endividamento público e privado. Por aqui, extinto o vírus, o governo – que não é dos mais organizados – terá uma pilha de 100% do PIB para pagar. 

Este ano, ao escrever para o Papai Noel, não sei se deveríamos pedir vacina ou superávit. 

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