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20132411 - the futuristic brazilian congress buildings

Prezado Senador José Serra,

Em recente audiência no Senado, na qual palestrava o professor Roberto Ellery, da Universidade de Brasília, o senhor se posicionou fortemente contra a ideia de que a proposta da Taxa de Longo Prazo (TLP) traria benefícios para a economia brasileira, e chegou a sugerir que os argumentos de Ellery, que não faz parte do governo, eram ideológicos. Nós pensamos diferente, embasados no que a teoria econômica (muito apropriadamente comentada pelo professor na sua apresentação, a propósito) e a evidência empírica têm a dizer. Nossos argumentos se apoiam em seis pontos, explicitados a seguir.

O primeiro ponto diz respeito ao aspecto nada democrático do crédito concedido pelo BNDES. Enquanto os recursos para saúde, educação e outras rubricas precisam brigar por espaço no Parlamento, os vultosos desembolsos do BNDES driblam esse trâmite. Pergunta-se: por que tal privilégio?

Segundo ponto: o crédito barato a empresários bem conectados é um instrumento regressivo num país extremamente desigual. Seja via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), seja via Tesouro, o mecanismo é o mesmo: o dinheiro do contribuinte – e no Brasil as camadas mais pobres pagam mais impostos, como proporção de renda, que o restante de nós – vai para empresas e empresários (na grande maioria dos casos empresas de grande porte), como a JBS, por exemplo. Por que subsidiar os mais ricos, Senador? E não é pouca coisa: os subsídios concedidos pelo BNDES equivalem a um Bolsa Família por ano. São cerca de 35 bilhões de reais que poderiam ser usados para abater uma dívida que custa muito mais que a Taxa de Juros de Longo Prazo, por exemplo. Em economia, todo recurso tem um custo de oportunidade.

Terceiro ponto: o crédito subsidiado rouba potência da política monetária: a taxa Selic não consegue influenciar uma vasta parcela do mercado de crédito. Isso significa que para reduzir a inflação, o BC tem que colocar a Selic lá nas nuvens, coisa que não agrada a ninguém. Durante a apresentação do professor Roberto, o senhor queixou-se da Selic. Mas quem se queixa da Selic alta, senador, deveria apoiar a ideia da TLP, pois ela devolve potência à política monetária e, portanto, leva a uma taxa Selic menor para uma mesma inflação.

O quarto ponto tem a ver com investimento. É impressionantemente comum vermos pessoas, e aqui incluimos o senhor, argumentarem que sem o crédito do BNDES o investimento sofreria. Mas esses recursos absorvidos pelo BNDES não desaparecem; essa poupança não vira pó, e seria em boa parte canalizada para as empresas através de outros intermediários financeiros. Sim, quem toma dinheiro no BNDES muito provavelmente reduziria seus investimentos num mundo de TLP, mas quem não toma e precisa se financiar nos mercados de crédito privado provavelmente investiria mais.

Quinto ponto: a polêmica do parágrafo precedente nem é tão relevante assim, dado que essa obsessão com quantidade de investimentos é equivocada. Mais investimento nem sempre é melhor. Olhe os estádios da Copa do Mundo, senador, subsidiados com recursos da população. Olhe a catástrofe da indústria naval nacional, da campeã nacional JBS, e tantas outras.

A literatura acadêmica recente sugere que as enormes disparidades de renda entre países advêm de diferenças de produtividade que, por sua vez, estão associadas à sobrevida de empresas ineficientes nos países mais pobres e a seu rápido desaparecimento nas economias mais desenvolvidas. Os dados sugerem que empresas de qualidade há em todos os lugares, mas “cláusulas de conteúdo nacional”, “barreiras à entrada” e “crédito subsidiado” fazem com que as empresas menos eficientes, lá na cauda da distribuição de produtividade, continuem absorvendo insumos produtivos nos países menos desenvolvidos. Insumos que, sem a presença dessas ineficiências, migrariam para firmas mais produtivas. Pedimos que o senhor leia com cuidado o seguinte artigo: “Misallocation and Manufacturing TFP in China and India”, The Quarterly Journal of Economics, Volume 124, Issue 4, 1 November 2009, p. 1403–1448.

A chave para o crescimento de longo prazo não é investir mais a todo custo, senador. Isso já foi tentado no Brasil nos anos 1970; o resultado é um boom no começo que murcha rapidamente depois. Sobre o tema sugerimos a leitura do livro de Bill Easterly The Elusive Quest for Growth, MIT Press, 2001. Se um projeto só é rentável a taxa de juro real zero, enquanto a taxa de juro real da economia é, digamos, 3%, o melhor para a sociedade é que esse projeto não seja financiado.

O sexto ponto é uma resposta direta à sua provocação: “A produtividade foi ruim por causa da TJLP?”. A resposta é que existe evidência de que intervenção governamental direta no mercado de crédito (não falamos aqui da regulamentação tradicional, essa sim necessária) afeta adversamente a produtividade na Economia. Em “Banking Deregulation and Industry Structure”, Journal of Finance, 2007, Marianne Bertrand e coautores mostram o impacto positivo sobre a produtividade que decorre do fim da política de crédito dirigido na França nos anos 1980.

Em suma: o crédito subsidiado é ineficiente, emperra a política monetária e é socialmente injusto. O país precisa se modernizar. O país precisa da MP777.

 

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Carta ao Senador José Serra

20132411 - the futuristic brazilian congress buildings Prezado Senador José Serra, Em recente audiência no Senado, na qual palestrava o professor Roberto Ellery, da Universidade de Brasília, o senhor se posicionou fortemente contra a ideia de que a proposta da Taxa de Longo Prazo (TLP) traria benefícios para a economia brasileira, e chegou a sugerir que os argumentos de Ellery, que não faz parte do governo, eram ideológicos. Nós pensamos diferente, embasados no que a teoria econômica (muito apropriadamente comentada pelo professor na sua apresentação, a propósito) e a evidência empírica têm a dizer. Nossos argumentos se apoiam em seis pontos, explicitados a seguir. O primeiro ponto diz respeito ao aspecto nada democrático do crédito concedido pelo BNDES. Enquanto os recursos para saúde, educação e outras rubricas precisam brigar por espaço no Parlamento, os vultosos desembolsos do BNDES driblam esse trâmite. Pergunta-se: por que tal privilégio? Segundo ponto: o crédito barato a empresários bem conectados é um instrumento regressivo num país extremamente desigual. Seja via Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), seja via Tesouro, o mecanismo é o mesmo: o dinheiro do contribuinte – e no Brasil as camadas mais pobres pagam mais impostos, como proporção de renda, que o restante de nós – vai para empresas e empresários (na grande maioria dos casos empresas de grande porte), como a JBS, por exemplo. Por que subsidiar os mais ricos, Senador? E não é pouca coisa: os subsídios concedidos pelo BNDES equivalem a um Bolsa Família por ano. São cerca de 35 bilhões de reais que poderiam ser usados para abater uma dívida que custa muito mais que a Taxa de Juros de Longo Prazo, por exemplo. Em economia, todo recurso tem um custo de oportunidade. Terceiro ponto: o crédito subsidiado rouba potência da política monetária: a taxa Selic não consegue influenciar uma vasta parcela do mercado de crédito. Isso significa que para reduzir a inflação, o BC tem que colocar a Selic lá nas nuvens, coisa que não agrada a ninguém. Durante a apresentação do professor Roberto, o senhor queixou-se da Selic. Mas quem se queixa da Selic alta, senador, deveria apoiar a ideia da TLP, pois ela devolve potência à política monetária e, portanto, leva a uma taxa Selic menor para uma mesma inflação. O quarto ponto tem a ver com investimento. É impressionantemente comum vermos pessoas, e aqui incluimos o senhor, argumentarem que sem o crédito do BNDES o investimento sofreria. Mas esses recursos absorvidos pelo BNDES não desaparecem; essa poupança não vira pó, e seria em boa parte canalizada para as empresas através de outros intermediários financeiros. Sim, quem toma dinheiro no BNDES muito provavelmente reduziria seus investimentos num mundo de TLP, mas quem não toma e precisa se financiar nos mercados de crédito privado provavelmente investiria mais. Quinto ponto: a polêmica do parágrafo precedente nem é tão relevante assim, dado que essa obsessão com quantidade de investimentos é equivocada. Mais investimento nem sempre é melhor. Olhe os estádios da Copa do Mundo, senador, subsidiados com recursos da população. Olhe a catástrofe da indústria naval nacional, da campeã nacional JBS, e tantas outras. A literatura acadêmica recente sugere que as enormes disparidades de renda entre países advêm de diferenças de produtividade que, por sua vez, estão associadas à sobrevida de empresas ineficientes nos países mais pobres e a seu rápido desaparecimento nas economias mais desenvolvidas. Os dados sugerem que empresas de qualidade há em todos os lugares, mas “cláusulas de conteúdo nacional”, “barreiras à entrada” e “crédito subsidiado” fazem com que as empresas menos eficientes, lá na cauda da distribuição de produtividade, continuem absorvendo insumos produtivos nos países menos desenvolvidos. Insumos que, sem a presença dessas ineficiências, migrariam para firmas mais produtivas. Pedimos que o senhor leia com cuidado o seguinte artigo: “Misallocation and Manufacturing TFP in China and India”, The Quarterly Journal of Economics, Volume 124, Issue 4, 1 November 2009, p. 1403–1448. A chave para o crescimento de longo prazo não é investir mais a todo custo, senador. Isso já foi tentado no Brasil nos anos 1970; o resultado é um boom no começo que murcha rapidamente depois. Sobre o tema sugerimos a leitura do livro de Bill Easterly The Elusive Quest for Growth, MIT Press, 2001. Se um projeto só é rentável a taxa de juro real zero, enquanto a taxa de juro real da economia é, digamos, 3%, o melhor para a sociedade é que esse projeto não seja financiado. O sexto ponto é uma resposta direta à sua provocação: “A produtividade foi ruim por causa da TJLP?”. A resposta é que existe evidência de que intervenção governamental direta no mercado de crédito (não falamos aqui da regulamentação tradicional, essa sim necessária) afeta adversamente a produtividade na Economia. Em “Banking Deregulation and Industry Structure”, Journal of Finance, 2007, Marianne Bertrand e coautores mostram o impacto positivo sobre a produtividade que decorre do fim da política de crédito dirigido na França nos anos 1980. Em suma: o crédito subsidiado é ineficiente, emperra a política monetária e é socialmente injusto. O país precisa se modernizar. O país precisa da MP777.   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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