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Em boa medida, o candidato vitorioso no pleito de 2018, presidente Jair Bolsonaro, se elegeu com base na promessa de dar combate feroz, incansável, à corrupção. Os megaesquemas de desvio de dinheiro público que mancharam os anos dos governos petistas convenceram mais da metade do eleitorado de que uma guinada contundente à direita era necessária. Muita gente que optou por Jair Bolsonaro o fez apesar de Jair Bolsonaro. Portanto, se fraquejar na luta anticorrupção, se passar a impressão de que a lei vale para alguns, mas não para os amigos, o governo correrá risco de precoce pato-manquice.



E por que mesmo a corrupção é um problemão?

Primeiro, por sua dimensão ética, obviamente. Não queremos viver numa sociedade na qual entregamos parte de nossa renda para um grupo que a desvia de seus propósitos finais para consumir privadamente lagostas numa praia do Caribe. Ainda que não houvesse qualquer outra consequência mais concreta, digamos, do ato vil, já teríamos aí motivo suficiente para levar a luta adiante.

Segundo, porque as consequências para o desenvolvimento socioeconômico do país são de monta. Países mais corruptos também apresentam mais desigualdade, menor crescimento econômico, menores investimentos, educação de má qualidade, saúde precária, infraestrutura ruim, baixo grau de coesão social, etc. Em suma, não se trata de “frescura”, nem apenas de ética (que, infelizmente, alguns consideram frescura).

Para começo de conversa, a corrupção significa que para x de impostos que pagamos, um valor menor que x se transforma em bens públicos ou bens providos pelo setor público. Poderíamos fazer mais escolas, por exemplo, se nossos diletos governantes desviassem menos do que lhes entregamos. O interessante é que esse canal óbvio e prontamente enunciado pelo eleitor mediano nas ruas, é possivelmente o menos relevante em termos de impacto final sobre o bem-estar da sociedade! O fundamental é o seguinte: num país onde grassa a corrupção, os incentivos são todos distorcidos, tanto no setor público como no privado. É essa cunha, essa distorção de preços relativos, no linguajar do economista, que magnifica enormemente o impacto adverso da corrupção sobre o desenvolvimento.

Veja só como a quase certeza da impunidade é daninha: ao enfrentar a escolha entre construir um túnel sob um rio (baixo retorno social), ou retreinar milhares de professores da rede pública (alto retorno), um político local pode optar pela primeira opção por ser muito mais fácil entrar num “acordo financeiro” com o dono da empreiteira do que com milhares de professores dispersos. Isso para um mesmo volume de recursos orçamentários.

Essa escolha (túnel), ideal sob o ponto de vista do corrupto, é péssima para a sociedade, que ganharia muito mais com professores melhores. Deixe o leitor a ética de lado por um instante, para fins didáticos. Ética à parte, melhor que ficar com o túnel e sem treinamento seria: paguemos os 10 milhões ao prefeito para ele NÃO fazer o túnel! Não estamos propondo essa “solução”; o exemplo é apenas para deixar claro que os 10 milhões não são o mais importante nessa história, mas sim a porcaria do túnel.

O exemplo envolve o orçamento, mas o mesmo vale para leis. O setor y consegue um aumento de subsídios e, em troca, pinga uns milhões na mão de um poderoso qualquer. O problema é o subsídio. É ele que detona a eficiência da economia, que causa mais desigualdade, que barra a competição. O ponto todo é que, se o político em questão teme ir para a cadeia, mais dificilmente aceitará o suborno do setor y. Maiores, portanto, as chances de ele não ajudar na aprovação de uma legislação que prejudique a sociedade.

Finalmente, ao longo do tempo, isso afeta a composição do grupo político (efeito muito relevante e pouco comentado). Hoje em dia bastante gente entra na política para enriquecer ilicitamente e isso afasta da profissão gente que tem fins mais nobres. Claro que os há, mas poderia haver mais. É duro ser honesto no meio de gente salafrária.

Adicionando álcool à fogueira, o setor privado também responde a essa estrutura de incentivos toda zoada. Onde já se viu uma empreiteira ter um departamento de suborno dentro de sua estrutura oficial? Quanto desperdício de gente e de capital! Mas, infelizmente, se é assim que se ganha uma licitação, nada mais natural. Com os incentivos certos, a empresa investiria em redução de custos, melhoras tecnológicas etc., beneficiando toda sociedade no melhor estilo do padeiro de Adam Smith. Agora, se para ter sucesso o crucial é ter um bom contato, e agradar esse contato com favores, melhor reduzir o departamento de inovação e injetar dinheiro no de corrupção. Isso não apenas é surreal, como tem implicações dramáticas para a produtividade da economia. E, note, a culpa não é da mão invisível dos mercados, é do sistema de incentivos vigente.

Sendo necessária uma conclusão, ei-la aqui: é preciso combater a corrupção para alinhar corretamente os incentivos individuais em prol do desenvolvimento coletivo. E ao governo Bolsonaro, eleito com a bandeira anticorrupção erguida, cabe não apenas administrar com correção o dinheiro público, mas também elucidar todas as dúvidas e suspeitas que pairem sobre seus integrantes.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO

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Combate à corrupção: são os incentivos, estúpido!

Em boa medida, o candidato vitorioso no pleito de 2018, presidente Jair Bolsonaro, se elegeu com base na promessa de dar combate feroz, incansável, à corrupção. Os megaesquemas de desvio de dinheiro público que mancharam os anos dos governos petistas convenceram mais da metade do eleitorado de que uma guinada contundente à direita era necessária. Muita gente que optou por Jair Bolsonaro o fez apesar de Jair Bolsonaro. Portanto, se fraquejar na luta anticorrupção, se passar a impressão de que a lei vale para alguns, mas não para os amigos, o governo correrá risco de precoce pato-manquice. ? E por que mesmo a corrupção é um problemão? Primeiro, por sua dimensão ética, obviamente. Não queremos viver numa sociedade na qual entregamos parte de nossa renda para um grupo que a desvia de seus propósitos finais para consumir privadamente lagostas numa praia do Caribe. Ainda que não houvesse qualquer outra consequência mais concreta, digamos, do ato vil, já teríamos aí motivo suficiente para levar a luta adiante. Segundo, porque as consequências para o desenvolvimento socioeconômico do país são de monta. Países mais corruptos também apresentam mais desigualdade, menor crescimento econômico, menores investimentos, educação de má qualidade, saúde precária, infraestrutura ruim, baixo grau de coesão social, etc. Em suma, não se trata de “frescura”, nem apenas de ética (que, infelizmente, alguns consideram frescura). Para começo de conversa, a corrupção significa que para x de impostos que pagamos, um valor menor que x se transforma em bens públicos ou bens providos pelo setor público. Poderíamos fazer mais escolas, por exemplo, se nossos diletos governantes desviassem menos do que lhes entregamos. O interessante é que esse canal óbvio e prontamente enunciado pelo eleitor mediano nas ruas, é possivelmente o menos relevante em termos de impacto final sobre o bem-estar da sociedade! O fundamental é o seguinte: num país onde grassa a corrupção, os incentivos são todos distorcidos, tanto no setor público como no privado. É essa cunha, essa distorção de preços relativos, no linguajar do economista, que magnifica enormemente o impacto adverso da corrupção sobre o desenvolvimento. Veja só como a quase certeza da impunidade é daninha: ao enfrentar a escolha entre construir um túnel sob um rio (baixo retorno social), ou retreinar milhares de professores da rede pública (alto retorno), um político local pode optar pela primeira opção por ser muito mais fácil entrar num “acordo financeiro” com o dono da empreiteira do que com milhares de professores dispersos. Isso para um mesmo volume de recursos orçamentários. Essa escolha (túnel), ideal sob o ponto de vista do corrupto, é péssima para a sociedade, que ganharia muito mais com professores melhores. Deixe o leitor a ética de lado por um instante, para fins didáticos. Ética à parte, melhor que ficar com o túnel e sem treinamento seria: paguemos os 10 milhões ao prefeito para ele NÃO fazer o túnel! Não estamos propondo essa “solução”; o exemplo é apenas para deixar claro que os 10 milhões não são o mais importante nessa história, mas sim a porcaria do túnel. O exemplo envolve o orçamento, mas o mesmo vale para leis. O setor y consegue um aumento de subsídios e, em troca, pinga uns milhões na mão de um poderoso qualquer. O problema é o subsídio. É ele que detona a eficiência da economia, que causa mais desigualdade, que barra a competição. O ponto todo é que, se o político em questão teme ir para a cadeia, mais dificilmente aceitará o suborno do setor y. Maiores, portanto, as chances de ele não ajudar na aprovação de uma legislação que prejudique a sociedade. Finalmente, ao longo do tempo, isso afeta a composição do grupo político (efeito muito relevante e pouco comentado). Hoje em dia bastante gente entra na política para enriquecer ilicitamente e isso afasta da profissão gente que tem fins mais nobres. Claro que os há, mas poderia haver mais. É duro ser honesto no meio de gente salafrária. Adicionando álcool à fogueira, o setor privado também responde a essa estrutura de incentivos toda zoada. Onde já se viu uma empreiteira ter um departamento de suborno dentro de sua estrutura oficial? Quanto desperdício de gente e de capital! Mas, infelizmente, se é assim que se ganha uma licitação, nada mais natural. Com os incentivos certos, a empresa investiria em redução de custos, melhoras tecnológicas etc., beneficiando toda sociedade no melhor estilo do padeiro de Adam Smith. Agora, se para ter sucesso o crucial é ter um bom contato, e agradar esse contato com favores, melhor reduzir o departamento de inovação e injetar dinheiro no de corrupção. Isso não apenas é surreal, como tem implicações dramáticas para a produtividade da economia. E, note, a culpa não é da mão invisível dos mercados, é do sistema de incentivos vigente. Sendo necessária uma conclusão, ei-la aqui: é preciso combater a corrupção para alinhar corretamente os incentivos individuais em prol do desenvolvimento coletivo. E ao governo Bolsonaro, eleito com a bandeira anticorrupção erguida, cabe não apenas administrar com correção o dinheiro público, mas também elucidar todas as dúvidas e suspeitas que pairem sobre seus integrantes. COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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