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Há algumas semanas o governo federal anunciou que fará mudanças nas regras do FGTS. De imediato, todas as contas terão liberação de 500 reais, com o que se pretende dar um fôlego à demanda de curto prazo. Mas há alterações de longo prazo, que darão mais flexibilidade ao trabalhador para mexer em seu saldo, além de aumentar a remuneração.

Essas mudanças são bem-vindas. Hoje, o dinheiro do trabalhador é depositado compulsoriamente em contas que ele tem pouca liberdade para movimentar e cuja remuneração é baixa. Por essa poupança obrigatória, o governo remunera o trabalhador a uma taxa mais baixa do que aquela paga a seus credores. No fim das contas, o FGTS funciona como um imposto escondido sobre a renda do trabalho.

As mudanças corrigem em parte esses problemas, ao dar ao trabalhador a opção de realizar saques parciais uma vez por ano (o chamado “saque-aniversário”) e aumentar a remuneração. O governo indicou que a taxa de juros paga pelo dinheiro depositado no FGTS será próxima à obtida no Tesouro Direto.

O governo sinalizou ainda que as mudanças ajudariam aaliviar distorções sobre o mercado de trabalho induzidas pelo FGTS, em particular a elevada rotatividade observada no Brasil. O trabalhador tende a passar pouco tempo em cada emprego, dificultando a acumulação de capital humano específico à firma e os ganhos de produtividade correspondentes.

O argumento do governo tem fundamento teórico. Quanto mais tempo o trabalhador passa na empresa, mais seu saldo se acumula. Por conta da baixa remuneração do FGTS, há cada vez mais incentivo a retirar esse dinheiro, o que pode ser feito apenas em algumas oportunidades – como a demissão sem justa causa. Isso pode incentivar trabalhadores a buscar essa opção, fazendo, por exemplo, pouco esforço para ganhar produtividade.

A baixa remuneração do FGTS, dessa forma, afeta incentivos dos trabalhadores no sentido de interromper seus vínculos precocemente e dificultar o aumento de sua produtividade dentro da empresa. Com as mudanças propostas para aumentar a remuneração, esse efeito tende a se enfraquecer, ajudando a diminuir as distorções no mercado de trabalho.

O desejo ou necessidade de acessar os recursos depositados podem também compelir trabalhadores a buscar uma demissão sem justa causa. Isso pode ser particularmente atrativo para pessoas endividadas. Afinal, por conta do elevado spread bancário, indivíduos pagam juros bastante altos em suas dívidas – seria uma excelente alternativa utilizar o saldo do FGTS para abater essas dívidas, reduzindo o custo dos juros pagos.

As mudanças propostas também aliviam essa margem de distorção, ao dar mais liberdade ao indivíduo para mexer em seu saldo, por meio da opção do saque-aniversário. Além disso, o governo pretende criar instrumentos financeiros que permitam às pessoas utilizarem os valores do saque-aniversário como garantia em empréstimos, o que lhes possibilitaria conseguir juros menores para suas dívidas. Tudo isso torna menos custoso “poupar” no FGTS, reduzindo a tentação de ter acesso aos recursos pela via da demissão.

As alterações propostas, assim, vão na direção correta de reduzir os incentivos à alta rotatividade e baixa acumulação de capital humano específico à firma.

Apesar de certamente melhorar a situação, o desenho do FGTS ainda tenderá a estimular a rotatividade, pois afeta os incentivos do empregador a interromper os vínculos precocemente. Caso o empregador decida demitir um funcionário sem justa causa, ele precisa pagar uma multa correspondente a 40% do que foi depositado na conta do trabalhador no FGTS ao longo do tempo – e essa regra não mudará.

Isso implica que, quanto mais tempo o trabalhador permanece em seu emprego, maior o saldo acumulado e maior a multa em caso de demissão sem justa causa. Empregadores, antevendo esse cenário, podem de fato preferir antecipar o fim de vínculos, de modo a evitar um pagamento de uma multa muito alta.

Adicionalmente, quanto maior a multa em caso de demissão, menor o custo do desemprego para o trabalhador. Assim, à medida que o tempo passa, o patrão tem cada vez menos opções para incentivar esforço, na medida em que a ameaça de demissão passa a ser cada vez menos penosa para o empregado.

Como não haverá alterações na multa do FGTS, essas distorções não desaparecerão.

Sem dúvida as mudanças no FGTS são bem-vindas, pois diminuem o imposto escondido sobre o trabalhador originado pelo FGTS. Devem ainda reduzir as distorções de longo prazo no mercado de trabalho, que contribuem para elevar a rotatividade e reduzir ganhos de produtividade – ainda que não eliminem completamente o problema.


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO


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Como as novas regras do FGTS podem afetar os incentivos no mercado de trabalho?

Há algumas semanas o governo federal anunciou que fará mudanças nas regras do FGTS. De imediato, todas as contas terão liberação de 500 reais, com o que se pretende dar um fôlego à demanda de curto prazo. Mas há alterações de longo prazo, que darão mais flexibilidade ao trabalhador para mexer em seu saldo, além de aumentar a remuneração.


Essas mudanças são bem-vindas. Hoje, o dinheiro do trabalhador é depositado compulsoriamente em contas que ele tem pouca liberdade para movimentar e cuja remuneração é baixa. Por essa poupança obrigatória, o governo remunera o trabalhador a uma taxa mais baixa do que aquela paga a seus credores. No fim das contas, o FGTS funciona como um imposto escondido sobre a renda do trabalho.

As mudanças corrigem em parte esses problemas, ao dar ao trabalhador a opção de realizar saques parciais uma vez por ano (o chamado “saque-aniversário”) e aumentar a remuneração. O governo indicou que a taxa de juros paga pelo dinheiro depositado no FGTS será próxima à obtida no Tesouro Direto.

O governo sinalizou ainda que as mudanças ajudariam aaliviar distorções sobre o mercado de trabalho induzidas pelo FGTS, em particular a elevada rotatividade observada no Brasil. O trabalhador tende a passar pouco tempo em cada emprego, dificultando a acumulação de capital humano específico à firma e os ganhos de produtividade correspondentes.

O argumento do governo tem fundamento teórico. Quanto mais tempo o trabalhador passa na empresa, mais seu saldo se acumula. Por conta da baixa remuneração do FGTS, há cada vez mais incentivo a retirar esse dinheiro, o que pode ser feito apenas em algumas oportunidades – como a demissão sem justa causa. Isso pode incentivar trabalhadores a buscar essa opção, fazendo, por exemplo, pouco esforço para ganhar produtividade.

A baixa remuneração do FGTS, dessa forma, afeta incentivos dos trabalhadores no sentido de interromper seus vínculos precocemente e dificultar o aumento de sua produtividade dentro da empresa. Com as mudanças propostas para aumentar a remuneração, esse efeito tende a se enfraquecer, ajudando a diminuir as distorções no mercado de trabalho.

O desejo ou necessidade de acessar os recursos depositados podem também compelir trabalhadores a buscar uma demissão sem justa causa. Isso pode ser particularmente atrativo para pessoas endividadas. Afinal, por conta do elevado spread bancário, indivíduos pagam juros bastante altos em suas dívidas – seria uma excelente alternativa utilizar o saldo do FGTS para abater essas dívidas, reduzindo o custo dos juros pagos.

As mudanças propostas também aliviam essa margem de distorção, ao dar mais liberdade ao indivíduo para mexer em seu saldo, por meio da opção do saque-aniversário. Além disso, o governo pretende criar instrumentos financeiros que permitam às pessoas utilizarem os valores do saque-aniversário como garantia em empréstimos, o que lhes possibilitaria conseguir juros menores para suas dívidas. Tudo isso torna menos custoso “poupar” no FGTS, reduzindo a tentação de ter acesso aos recursos pela via da demissão.

As alterações propostas, assim, vão na direção correta de reduzir os incentivos à alta rotatividade e baixa acumulação de capital humano específico à firma.

Apesar de certamente melhorar a situação, o desenho do FGTS ainda tenderá a estimular a rotatividade, pois afeta os incentivos do empregador a interromper os vínculos precocemente. Caso o empregador decida demitir um funcionário sem justa causa, ele precisa pagar uma multa correspondente a 40% do que foi depositado na conta do trabalhador no FGTS ao longo do tempo – e essa regra não mudará.

Isso implica que, quanto mais tempo o trabalhador permanece em seu emprego, maior o saldo acumulado e maior a multa em caso de demissão sem justa causa. Empregadores, antevendo esse cenário, podem de fato preferir antecipar o fim de vínculos, de modo a evitar um pagamento de uma multa muito alta.

Adicionalmente, quanto maior a multa em caso de demissão, menor o custo do desemprego para o trabalhador. Assim, à medida que o tempo passa, o patrão tem cada vez menos opções para incentivar esforço, na medida em que a ameaça de demissão passa a ser cada vez menos penosa para o empregado.

Como não haverá alterações na multa do FGTS, essas distorções não desaparecerão.



Sem dúvida as mudanças no FGTS são bem-vindas, pois diminuem o imposto escondido sobre o trabalhador originado pelo FGTS. Devem ainda reduzir as distorções de longo prazo no mercado de trabalho, que contribuem para elevar a rotatividade e reduzir ganhos de produtividade – ainda que não eliminem completamente o problema.


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