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O mundo se defronta com enorme escassez de investimentos em infraestrutura em relação a suas necessidades. Com poucas exceções, como a China, tal carência é ainda maior em países não avançados.

O Diálogo de Investidores em Infraestrutura do G20 estimou em US$ 81 trilhões o volume necessário de investimentos globais em infraestrutura até 2040, US$ 53 trilhões dos quais em países não desenvolvidos. O Diálogo projetou um hiato – ou seja, uma carência em relação aos investimentos hoje antevistos – de aproximadamente US$ 15 trilhões no mundo, US$ 10 trilhões dos quais nas economias não desenvolvidas. 

O Banco Mundial, por sua vez, estimou que, para economias emergentes e em desenvolvimento atingirem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos para 2030, suas necessidades de investimento em infraestrutura estariam em 4,5% de seus PIB anuais. O Brasil, por exemplo, tem feito investimentos em infraestrutura apenas levemente acima de 2% de seu PIB há algum tempo. 

Além da necessidade de investimentos em infraestrutura, impõe-se a necessidade de seu “verdejamento” tão rápido e extenso quanto possível, de modo a minimizar as contribuições negativas em termos de carbono para o aquecimento global.

Descarbonizar o setor energético mediante expansão do uso de fontes renováveis, no lugar de carvão, promover aumentos na eficiência de uso e a eliminação de subsídios ao uso de combustíveis fósseis seriam parte dessa agenda.

Transportes são hoje responsáveis por 25% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Cabe aí mudar a carga para opções de baixo carbono, além de investir em equipamentos com eficiência energética e apoiar a transição para veículos e frotas elétricas.

Parte importante do “verdejamento” estará nas cidades. Melhores serviços de abastecimento de água e saneamento, assim como mudanças no suprimento de energia, reciclagem de resíduos e maior eficiência energética por meio de padrões de construção mais elevados ou reformas nos edifícios existentes. Essa transição, como nos casos das atividades manufatureiras e agrícolas, demandará investimentos em infraestrutura. 

Um grande obstáculo para tais investimentos está na ausência de espaço fiscal para gastos públicos, problema agravado pelos pacotes fiscais adotados por causa da pandemia. Enquanto as maiores economias avançadas podem se dar ao luxo de aumentar suas dívidas públicas com baixo risco de se defrontar com condições de financiamento deterioradas, isso não se aplica à grande maioria de economias emergentes, para não falar dos países de renda baixa às voltas com dívidas públicas em rotas insustentáveis.

Segue-se daí, claramente, a conveniência de promover a ampliação da presença do financiamento privado em projetos de infraestrutura. Com efeito, segundo dados do Instituto de Finanças Internacionais (IIF em inglês), ao longo dos últimos 15 anos, investidores institucionais com perfis temporais longos em seus ativos, como fundos de pensão, vêm gradualmente aumentando suas alocações em investimentos em infraestrutura e alternativos a instrumentos de renda fixa, ações e outros tradicionais. 
Retornos estáveis e estendidos no tempo de projetos de infraestrutura encaixam bem com seus compromissos de longo prazo, particularmente num contexto de taxas de juros reais de longo prazo declinantes em títulos públicos e privados como o das últimas décadas nos países avançados. Por seu turno, as pesquisas feitas por Preqin mostram gerentes de fundos já apontando a descarbonização da energia como um fator de atração de investimentos privados em infraestrutura.

O desafio maior está em estender as pontes entre, de um lado, investimentos em infraestrutura em países não desenvolvidos e, do outro, tais fontes privadas abundantes em dólares e outras moedas conversíveis às voltas com poucas oportunidades de obter retornos compatíveis com suas exigências no lado passivo. 
Para isso, duas tarefas precisam ser cumpridas. Primeiramente, o desenvolvimento de projetos devidamente estruturados, com riscos e retornos em conformidade com as preferências dos diversos tipos de intermediação financeira, ajudaria a fechar a lacuna do financiamento privado na infraestrutura.  

Investidores partem de diferentes mandatos e competências próprias quanto à gestão dos riscos associados a tipos de projetos e fases dos ciclos dos projetos de investimento. Demandam cobertura de riscos cuja exposição não lhes seja adequada ou permitida por regulação. A ausência de instrumentos ou investidores complementares é uma das causas mais frequentemente apontadas para insucesso na conclusão financeira de projetos. 

O escasso espaço fiscal em países não desenvolvidos pode ser usado para principalmente cobrir tais riscos e viabilizar a construção dos edifícios de investimentos em lugar de substituir investimentos privados. Bancos nacionais e multilaterais de desenvolvimento poderiam privilegiar essa atuação em lugar de financiar o investimento total. Facilitar a construção do edifício com agregação do investimento privado em vez de o substituir. 

Definir oportunidades atraentes de investimento para os diferentes tipos de investidores e combinar tais perspectivas de forma mais sistemática em torno de projetos ou conjuntos de ativos específicos é um meio promissor de preencher a lacuna de financiamento à infraestrutura. O planejamento e a emissão integrada – com perfis temporais distintos – de títulos de renda fixa, empréstimos bancários, seguros de crédito e outros para os diferentes momentos desde a preparação até a operação de projetos tornam possível aquela combinação.

A segunda tarefa diz respeito à redução de riscos legais, regulatórios e políticos. Transparência e harmonização de regras e padrões podem aumentar a escala de projetos comparáveis e tornar possível a construção de carteiras de projetos. Instituições financeiras não bancárias frequentemente realçam a ausência de carteiras amplas de projetos como desincentivo à constituição de linhas de negócios voltadas à área. Esse é um ponto particularmente frágil no caso de países de menor tamanho. 

O contraste entre a escassez de investimentos em infraestrutura – particularmente em economias não desenvolvidas – e o excesso de poupança aplicada em formas líquidas e de baixo retorno na economia global merece ser confrontado. “Verdejar” a infraestrutura em economias não avançadas se beneficiaria da viabilização de atrair verdinhas para o negócio.

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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Como verdejar a infraestrutura

O mundo se defronta com enorme escassez de investimentos em infraestrutura em relação a suas necessidades. Com poucas exceções, como a China, tal carência é ainda maior em países não avançados.

O Diálogo de Investidores em Infraestrutura do G20 estimou em US$ 81 trilhões o volume necessário de investimentos globais em infraestrutura até 2040, US$ 53 trilhões dos quais em países não desenvolvidos. O Diálogo projetou um hiato – ou seja, uma carência em relação aos investimentos hoje antevistos – de aproximadamente US$ 15 trilhões no mundo, US$ 10 trilhões dos quais nas economias não desenvolvidas. 

O Banco Mundial, por sua vez, estimou que, para economias emergentes e em desenvolvimento atingirem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio estabelecidos para 2030, suas necessidades de investimento em infraestrutura estariam em 4,5% de seus PIB anuais. O Brasil, por exemplo, tem feito investimentos em infraestrutura apenas levemente acima de 2% de seu PIB há algum tempo. 

Além da necessidade de investimentos em infraestrutura, impõe-se a necessidade de seu “verdejamento” tão rápido e extenso quanto possível, de modo a minimizar as contribuições negativas em termos de carbono para o aquecimento global.

Descarbonizar o setor energético mediante expansão do uso de fontes renováveis, no lugar de carvão, promover aumentos na eficiência de uso e a eliminação de subsídios ao uso de combustíveis fósseis seriam parte dessa agenda.

Transportes são hoje responsáveis por 25% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Cabe aí mudar a carga para opções de baixo carbono, além de investir em equipamentos com eficiência energética e apoiar a transição para veículos e frotas elétricas.

Parte importante do “verdejamento” estará nas cidades. Melhores serviços de abastecimento de água e saneamento, assim como mudanças no suprimento de energia, reciclagem de resíduos e maior eficiência energética por meio de padrões de construção mais elevados ou reformas nos edifícios existentes. Essa transição, como nos casos das atividades manufatureiras e agrícolas, demandará investimentos em infraestrutura. 

Um grande obstáculo para tais investimentos está na ausência de espaço fiscal para gastos públicos, problema agravado pelos pacotes fiscais adotados por causa da pandemia. Enquanto as maiores economias avançadas podem se dar ao luxo de aumentar suas dívidas públicas com baixo risco de se defrontar com condições de financiamento deterioradas, isso não se aplica à grande maioria de economias emergentes, para não falar dos países de renda baixa às voltas com dívidas públicas em rotas insustentáveis.

Segue-se daí, claramente, a conveniência de promover a ampliação da presença do financiamento privado em projetos de infraestrutura. Com efeito, segundo dados do Instituto de Finanças Internacionais (IIF em inglês), ao longo dos últimos 15 anos, investidores institucionais com perfis temporais longos em seus ativos, como fundos de pensão, vêm gradualmente aumentando suas alocações em investimentos em infraestrutura e alternativos a instrumentos de renda fixa, ações e outros tradicionais. 
Retornos estáveis e estendidos no tempo de projetos de infraestrutura encaixam bem com seus compromissos de longo prazo, particularmente num contexto de taxas de juros reais de longo prazo declinantes em títulos públicos e privados como o das últimas décadas nos países avançados. Por seu turno, as pesquisas feitas por Preqin mostram gerentes de fundos já apontando a descarbonização da energia como um fator de atração de investimentos privados em infraestrutura.

O desafio maior está em estender as pontes entre, de um lado, investimentos em infraestrutura em países não desenvolvidos e, do outro, tais fontes privadas abundantes em dólares e outras moedas conversíveis às voltas com poucas oportunidades de obter retornos compatíveis com suas exigências no lado passivo. 
Para isso, duas tarefas precisam ser cumpridas. Primeiramente, o desenvolvimento de projetos devidamente estruturados, com riscos e retornos em conformidade com as preferências dos diversos tipos de intermediação financeira, ajudaria a fechar a lacuna do financiamento privado na infraestrutura.  

Investidores partem de diferentes mandatos e competências próprias quanto à gestão dos riscos associados a tipos de projetos e fases dos ciclos dos projetos de investimento. Demandam cobertura de riscos cuja exposição não lhes seja adequada ou permitida por regulação. A ausência de instrumentos ou investidores complementares é uma das causas mais frequentemente apontadas para insucesso na conclusão financeira de projetos. 

O escasso espaço fiscal em países não desenvolvidos pode ser usado para principalmente cobrir tais riscos e viabilizar a construção dos edifícios de investimentos em lugar de substituir investimentos privados. Bancos nacionais e multilaterais de desenvolvimento poderiam privilegiar essa atuação em lugar de financiar o investimento total. Facilitar a construção do edifício com agregação do investimento privado em vez de o substituir. 

Definir oportunidades atraentes de investimento para os diferentes tipos de investidores e combinar tais perspectivas de forma mais sistemática em torno de projetos ou conjuntos de ativos específicos é um meio promissor de preencher a lacuna de financiamento à infraestrutura. O planejamento e a emissão integrada – com perfis temporais distintos – de títulos de renda fixa, empréstimos bancários, seguros de crédito e outros para os diferentes momentos desde a preparação até a operação de projetos tornam possível aquela combinação.

A segunda tarefa diz respeito à redução de riscos legais, regulatórios e políticos. Transparência e harmonização de regras e padrões podem aumentar a escala de projetos comparáveis e tornar possível a construção de carteiras de projetos. Instituições financeiras não bancárias frequentemente realçam a ausência de carteiras amplas de projetos como desincentivo à constituição de linhas de negócios voltadas à área. Esse é um ponto particularmente frágil no caso de países de menor tamanho. 

O contraste entre a escassez de investimentos em infraestrutura – particularmente em economias não desenvolvidas – e o excesso de poupança aplicada em formas líquidas e de baixo retorno na economia global merece ser confrontado. “Verdejar” a infraestrutura em economias não avançadas se beneficiaria da viabilização de atrair verdinhas para o negócio.

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp

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