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A nossa América, Latina ou católica, como queiram, é um lugar particular. Somos o pedaço de terra contígua mais desigual do mundo, disparado. E o mais violento. Disparado! Em diversas dimensões conseguimos nos sair melhor que a África: maior desenvolvimento econômico e maior sucesso na redução da miséria (com exceção da Venezuela), e também muito mais liberdades políticas (com exceção da Venezuela). Mas é consolo pequeno, visto que, num certo sentido, saímos muito na frente: a incidência de doenças de causa geoclimática é menor por aqui (disease burden explica parte da catástrofe africana abaixo do Saara) e não herdamos tanta fragmentação etno-linguística dentro de cada país – na África, em grande parte devida aos insensatos recortes retilíneos impostos pelos colonizadores.

E ainda assim, somos muito mais violentos. Os indicadores de homicídios por habitante na América Latina são surreais; no jargão, somos os famosos “pontos fora da curva”. Muito fora da curva! Uma questão social? Uma questão institucional-jurídico-policial? Ambas.

Mas é preciso cuidado com esse “ambas”, que pode ser bem enganoso.  As duas hipóteses podem ser no fundo uma coisa só. A ideia é que um mesmo fator mais profundo pode explicar  tanto a “questão social” como a outra perna da violência. Por exemplo, a persistência de instituições pró-desigualdade da época colonial está por trás de nossa elevada desigualdade econômica e também da falência do nosso sistema político-jurídico-policial, com nosso estado inchado, mas fraco. A literatura sobre o tema é vasta. Voltemos ao objetivo aqui, que é mais modesto: prover uma resposta para a pergunta: “somos de fato muito violentos, no sentido de termos mais homicídios do que esperado?”

Países mais ricos são menos violentos, em média. E países menos desiguais são muito menos violentos. Esse é o resultado da análise que resumimos na tabela abaixo, na qual mostramos os resultados do exercício de projetar o índice de homicídios por 100 mil habitantes naquelas duas variáveis ¹.

Primeiro, a análise usando apenas o PIB por cabeça como variável explicativa. Maior PIB, menor taxa de homícidio (coeficiente é negativo). Mas essa associação é na realidade frágil, pois ao adicionarmos desigualdade de renda no jogo (medida pelo índice de Gini), a relevância estatística do PIB cai bem! E ao mesmo tempo as três estrelinhas sugerem que o índice de Gini é campeão de relevância estatística. Mais ainda, quando passamos de “sem Gini” para “com Gini”, o poder explicativo do modelo sobe de 7% para 35%. É uma tremenda de uma alta, que sugere o papel primordial jogado pela desigualdade na explicação da violência.

violência explicada variavel

 

Um modelo desse tipo, claro, explica apenas uma parte da variação entre países da variável de interesse – a taxa de homicídios. E o que sobra inexplicado? Os economistas chamam tal sobra de resíduo; o nome é feio, mas o resíduo não é um restolho, e pode contar coisas tão ou mais importantes que as descritas na tabela acima.

Um resíduo negativo, por exemplo, significa que o país em questão é inesperadamente pouco violento. A ideia é que, para os níveis observados de desigualdade e desenvolvimento, seria de esperar que houvesse mais homicídios. Ou seja, o país de algum modo se sai bem no enfrentamento da questão da violência. Cultura, polícia de qualidade, sistema penal decente, leis frouxas, leniência do Judiciário, atitude social, etc.

Já o resíduo positivo indica o contrário:  ele é sinal de que se está matando e morrendo demais para o nível de desenvolvimento socioeconômico do país. O sistema está falhando quando o resíduo é claramente positivo.

O Brasil e a América Latina, como sabemos, não são ricos e são bem desiguais. Eureca? Está aí, explicamos os altos índices de homicídios por esses cantos? Pior é que não. O resíduo indica justamente o contrário.

grafico violencia 01

Comparando a América Latina com o mundo, vê-se isso: todos os pontos fora da curva que podem ser considerados significativos, em termos de homícidios surpreendentemente elevados, com a exceção de um, são latino-americanos. Do lado bom dos resíduos negativos, só temos o Chile de representante. Melhor, nessa dimensão, está a África. grafico violencia 02 Falhamos de modo espetacular em controlar a violência na América Latina. Isso é fato. E não é uma questão puramente “social”. Países no mesmo patamar de desenvolvimento socioeconômico – nível de renda e, principalmente, grau de desigualdade – têm desempenho bem melhor. Somos ineficientes e lenientes no combate à violência. Já passou da hora de levar esse tema muito mais a sério. ¹ As estrelinhas significam importância estatística (não necessariamente importânia quantitativa).  

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Desigualdade profunda explica violência na América Latina?

A nossa América, Latina ou católica, como queiram, é um lugar particular. Somos o pedaço de terra contígua mais desigual do mundo, disparado. E o mais violento. Disparado! Em diversas dimensões conseguimos nos sair melhor que a África: maior desenvolvimento econômico e maior sucesso na redução da miséria (com exceção da Venezuela), e também muito mais liberdades políticas (com exceção da Venezuela). Mas é consolo pequeno, visto que, num certo sentido, saímos muito na frente: a incidência de doenças de causa geoclimática é menor por aqui (disease burden explica parte da catástrofe africana abaixo do Saara) e não herdamos tanta fragmentação etno-linguística dentro de cada país – na África, em grande parte devida aos insensatos recortes retilíneos impostos pelos colonizadores. E ainda assim, somos muito mais violentos. Os indicadores de homicídios por habitante na América Latina são surreais; no jargão, somos os famosos “pontos fora da curva”. Muito fora da curva! Uma questão social? Uma questão institucional-jurídico-policial? Ambas. Mas é preciso cuidado com esse “ambas”, que pode ser bem enganoso.  As duas hipóteses podem ser no fundo uma coisa só. A ideia é que um mesmo fator mais profundo pode explicar  tanto a “questão social” como a outra perna da violência. Por exemplo, a persistência de instituições pró-desigualdade da época colonial está por trás de nossa elevada desigualdade econômica e também da falência do nosso sistema político-jurídico-policial, com nosso estado inchado, mas fraco. A literatura sobre o tema é vasta. Voltemos ao objetivo aqui, que é mais modesto: prover uma resposta para a pergunta: “somos de fato muito violentos, no sentido de termos mais homicídios do que esperado?” Países mais ricos são menos violentos, em média. E países menos desiguais são muito menos violentos. Esse é o resultado da análise que resumimos na tabela abaixo, na qual mostramos os resultados do exercício de projetar o índice de homicídios por 100 mil habitantes naquelas duas variáveis ¹. Primeiro, a análise usando apenas o PIB por cabeça como variável explicativa. Maior PIB, menor taxa de homícidio (coeficiente é negativo). Mas essa associação é na realidade frágil, pois ao adicionarmos desigualdade de renda no jogo (medida pelo índice de Gini), a relevância estatística do PIB cai bem! E ao mesmo tempo as três estrelinhas sugerem que o índice de Gini é campeão de relevância estatística. Mais ainda, quando passamos de “sem Gini” para “com Gini”, o poder explicativo do modelo sobe de 7% para 35%. É uma tremenda de uma alta, que sugere o papel primordial jogado pela desigualdade na explicação da violência. violência explicada variavel   Um modelo desse tipo, claro, explica apenas uma parte da variação entre países da variável de interesse – a taxa de homicídios. E o que sobra inexplicado? Os economistas chamam tal sobra de resíduo; o nome é feio, mas o resíduo não é um restolho, e pode contar coisas tão ou mais importantes que as descritas na tabela acima. Um resíduo negativo, por exemplo, significa que o país em questão é inesperadamente pouco violento. A ideia é que, para os níveis observados de desigualdade e desenvolvimento, seria de esperar que houvesse mais homicídios. Ou seja, o país de algum modo se sai bem no enfrentamento da questão da violência. Cultura, polícia de qualidade, sistema penal decente, leis frouxas, leniência do Judiciário, atitude social, etc. Já o resíduo positivo indica o contrário:  ele é sinal de que se está matando e morrendo demais para o nível de desenvolvimento socioeconômico do país. O sistema está falhando quando o resíduo é claramente positivo. O Brasil e a América Latina, como sabemos, não são ricos e são bem desiguais. Eureca? Está aí, explicamos os altos índices de homicídios por esses cantos? Pior é que não. O resíduo indica justamente o contrário. grafico violencia 01 Comparando a América Latina com o mundo, vê-se isso: todos os pontos fora da curva que podem ser considerados significativos, em termos de homícidios surpreendentemente elevados, com a exceção de um, são latino-americanos. Do lado bom dos resíduos negativos, só temos o Chile de representante. Melhor, nessa dimensão, está a África. grafico violencia 02 Falhamos de modo espetacular em controlar a violência na América Latina. Isso é fato. E não é uma questão puramente “social”. Países no mesmo patamar de desenvolvimento socioeconômico – nível de renda e, principalmente, grau de desigualdade – têm desempenho bem melhor. Somos ineficientes e lenientes no combate à violência. Já passou da hora de levar esse tema muito mais a sério. ¹ As estrelinhas significam importância estatística (não necessariamente importânia quantitativa).   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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