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							Como são amargos esses novos tempos com cara de velhos. Não é a primeira vez que os flagelos da guerra e da peste se juntam num tsunami devastador - os anos de 1918 e 1919 foram testemunhas de suplício similar. Mas poucos esperavam um repeteco sinistro cem anos depois. Mal saímos da guerra contra a covid-19 (nem sequer sabemos se a doença já está vencida entre nós, enquanto alguns países na Ásia ainda lutam para controlar a expansão do vírus), e sem refresco entramos num conflito bélico de grandes proporções e com desenrolar incerto. O cenário é preocupante em tantas dimensões que fica difícil nos ater às ditas consequências econômicas do conflito. A catástrofe humanitária já é de primeira ordem e isso a menos de quinze dias do começo da invasão. Cerca de 1,5 milhão de refugiados, centenas de civis mortos, cidades inteiras sem água e energia, e sabem-se lá quantos jovens militares tombados por uma decisão irresponsável e até mesmo difícil de ser racionalizada do ditador russo, Vladimir Putin.

A guerra é, além de tudo, péssima para a economia. Para a economia mundial e para a russa também. E não só no curto prazo, mas também no longo. Comecemos pelos efeitos mais óbvios, e lembrando que o quadro pré-guerra e "pós-covid" vinha se configurando da seguinte forma: atividade econômica em recuperação na grande maioria dos países, mas com inflação em franca alta por uma combinação de excessos de estímulos monetários e fiscais e ruptura covidiana do bom funcionamento das cadeias produtivas globais. No mundo em desenvolvimento, os bancos centrais vinham há alguns trimestres elevando o juro na tentativa de frear o avanço da inflação, enquanto as autoridades monetárias do mundo desenvolvido vinham retirando os estímulos não convencionais (como as compras de ativos públicos e privados por parte dos bancos centrais) e anunciando que a época do juro a zero estava por acabar.

Retirar estímulos monetários e fiscais em tempos de economia em recuperação e inflação em alta é algo nada controverso. Quando o desemprego é baixo ou se apresenta em franca baixa, e a inflação é alta, não resta muita dúvida sobre o caminho a se seguir. Mas a guerra tem grande potencial para afetar esse cenário. O preço do petróleo e de commodities alimentícias disparou com vigor. E, ao que tudo indica, com a crescente pressão para que se cancelem as importações da Rússia, devem subir ainda mais. Esses movimentos, conhecidos em economia como choques adversos de oferta, não somente pressionam ainda mais a inflação (que lembremos, já está muito alta mundo afora), mas também derrubam a atividade econômica. Trata-se do pior cenário possível para todos nós: desemprego em alta e inflação em alta. É o fantasma da estagflação ganhando forma devido à insanidade do governo russo.

Essas são, obviamente, as consequências econômicas globais e imediatas. Mas não esqueçamos da catástrofe local: a economia da Ucrânia está paralisada e devastada, suas estradas e outras infraestruturas estão sendo destruídas; milhares de trabalhadores trocaram as fábricas e os escritórios pelo teatro de guerra ou pelo exílio (com efeitos dramáticos sobre a oferta de bens e serviços). Na Rússia, o fardo da estupidez belicosa de Putin também se faz sentir. Moeda desvalorizando-se, mercados fechados, possibilidade de crise bancária à vista, ativos congelados no exterior, firmas obrigadas a vender dólares para o governo federal, sanções fortes às importações e às exportações de gás e óleo à vista. Em uma palavra, o país mergulhou na condição de pária internacional e é inevitável que pague caro por isso em termos econômicos. Se a penúria que vai se abater sobre a sociedade russa será forte o suficiente para que Putin seja derrubado é uma incógnita, mas que o cidadão comum vai sentir o cinto apertar mais e mais a cada dia, está fora de dúvida: guerras redirecionam recursos que em tempos de paz seriam empregados de forma a beneficiar a sociedade, para outros usos menos louváveis.

A guerra também afeta o bem-estar socioeconômico mundial no longo prazo. Primeiro, pelo fato óbvio de que não sabemos a sua duração. Segundo, porque a aversão ao risco aumentou e vai ficar mais alta por provavelmente muito tempo, devido à mudança de patamar na incerteza geopolítica reinante: haverá mais invasões? Putin será insano a ponto de escalar para um conflito nuclear? Terceiro, porque os gastos militares vão crescer em vários países, o que significa menos gastos em outras áreas prioritárias e/ou mais impostos a serem pagos pela sociedade.

Os dividendos da paz que tanto beneficiaram a economia mundial após o fim da Guerra Fria vão se evaporando. A marcha da insensatez precisa ser parada. A alternativa ao envio de soldados e equipamentos para derrotar a invasão russa é um conjunto realmente draconiano de sanções. O mundo precisa fechar as portas para as exportações russas de todos os tipos. E isso é urgente. Vai ser consideravelmente menos custoso do que o combate à covid-19. Usar menos energia por uns meses e pagar mais caro por ela trará menos sofrimento do que manter as portas das fábricas e escritórios e escolas fechadas por meses a fio. E o que está em jogo não é pouco.

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Direto da covid à guerra

Como são amargos esses novos tempos com cara de velhos. Não é a primeira vez que os flagelos da guerra e da peste se juntam num tsunami devastador - os anos de 1918 e 1919 foram testemunhas de suplício similar. Mas poucos esperavam um repeteco sinistro cem anos depois. Mal saímos da guerra contra a covid-19 (nem sequer sabemos se a doença já está vencida entre nós, enquanto alguns países na Ásia ainda lutam para controlar a expansão do vírus), e sem refresco entramos num conflito bélico de grandes proporções e com desenrolar incerto. O cenário é preocupante em tantas dimensões que fica difícil nos ater às ditas consequências econômicas do conflito. A catástrofe humanitária já é de primeira ordem e isso a menos de quinze dias do começo da invasão. Cerca de 1,5 milhão de refugiados, centenas de civis mortos, cidades inteiras sem água e energia, e sabem-se lá quantos jovens militares tombados por uma decisão irresponsável e até mesmo difícil de ser racionalizada do ditador russo, Vladimir Putin.

A guerra é, além de tudo, péssima para a economia. Para a economia mundial e para a russa também. E não só no curto prazo, mas também no longo. Comecemos pelos efeitos mais óbvios, e lembrando que o quadro pré-guerra e "pós-covid" vinha se configurando da seguinte forma: atividade econômica em recuperação na grande maioria dos países, mas com inflação em franca alta por uma combinação de excessos de estímulos monetários e fiscais e ruptura covidiana do bom funcionamento das cadeias produtivas globais. No mundo em desenvolvimento, os bancos centrais vinham há alguns trimestres elevando o juro na tentativa de frear o avanço da inflação, enquanto as autoridades monetárias do mundo desenvolvido vinham retirando os estímulos não convencionais (como as compras de ativos públicos e privados por parte dos bancos centrais) e anunciando que a época do juro a zero estava por acabar.

Retirar estímulos monetários e fiscais em tempos de economia em recuperação e inflação em alta é algo nada controverso. Quando o desemprego é baixo ou se apresenta em franca baixa, e a inflação é alta, não resta muita dúvida sobre o caminho a se seguir. Mas a guerra tem grande potencial para afetar esse cenário. O preço do petróleo e de commodities alimentícias disparou com vigor. E, ao que tudo indica, com a crescente pressão para que se cancelem as importações da Rússia, devem subir ainda mais. Esses movimentos, conhecidos em economia como choques adversos de oferta, não somente pressionam ainda mais a inflação (que lembremos, já está muito alta mundo afora), mas também derrubam a atividade econômica. Trata-se do pior cenário possível para todos nós: desemprego em alta e inflação em alta. É o fantasma da estagflação ganhando forma devido à insanidade do governo russo.

Essas são, obviamente, as consequências econômicas globais e imediatas. Mas não esqueçamos da catástrofe local: a economia da Ucrânia está paralisada e devastada, suas estradas e outras infraestruturas estão sendo destruídas; milhares de trabalhadores trocaram as fábricas e os escritórios pelo teatro de guerra ou pelo exílio (com efeitos dramáticos sobre a oferta de bens e serviços). Na Rússia, o fardo da estupidez belicosa de Putin também se faz sentir. Moeda desvalorizando-se, mercados fechados, possibilidade de crise bancária à vista, ativos congelados no exterior, firmas obrigadas a vender dólares para o governo federal, sanções fortes às importações e às exportações de gás e óleo à vista. Em uma palavra, o país mergulhou na condição de pária internacional e é inevitável que pague caro por isso em termos econômicos. Se a penúria que vai se abater sobre a sociedade russa será forte o suficiente para que Putin seja derrubado é uma incógnita, mas que o cidadão comum vai sentir o cinto apertar mais e mais a cada dia, está fora de dúvida: guerras redirecionam recursos que em tempos de paz seriam empregados de forma a beneficiar a sociedade, para outros usos menos louváveis.

A guerra também afeta o bem-estar socioeconômico mundial no longo prazo. Primeiro, pelo fato óbvio de que não sabemos a sua duração. Segundo, porque a aversão ao risco aumentou e vai ficar mais alta por provavelmente muito tempo, devido à mudança de patamar na incerteza geopolítica reinante: haverá mais invasões? Putin será insano a ponto de escalar para um conflito nuclear? Terceiro, porque os gastos militares vão crescer em vários países, o que significa menos gastos em outras áreas prioritárias e/ou mais impostos a serem pagos pela sociedade.

Os dividendos da paz que tanto beneficiaram a economia mundial após o fim da Guerra Fria vão se evaporando. A marcha da insensatez precisa ser parada. A alternativa ao envio de soldados e equipamentos para derrotar a invasão russa é um conjunto realmente draconiano de sanções. O mundo precisa fechar as portas para as exportações russas de todos os tipos. E isso é urgente. Vai ser consideravelmente menos custoso do que o combate à covid-19. Usar menos energia por uns meses e pagar mais caro por ela trará menos sofrimento do que manter as portas das fábricas e escritórios e escolas fechadas por meses a fio. E o que está em jogo não é pouco.

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