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Banerjee, Duflo e Kramer! Por sua contribuição na área dos métodos experimentais visando à redução da pobreza!

O Nobel de Economia de 2019 surpreendeu muita gente. No sentido estatístico do termo: nas bolsas de apostas, os ganhadores não estavam nas cabeças. Além disso, é muito raro que se outorgue um Nobel para gente tão jovem. Na academia, os candidatos mais cotados eram a moçada ligada às coisas de crédito e bancos, e seu papel para o desempenho da economia. Doug Dybivig, com suas sacadas sobre crises bancárias e monitoramento de intermediários financeiros, e Bernanke e Gertler, que trouxeram o crédito para dentro dos modelos macro e mostraram a importância desse canal para explicar grandes recessões e o vagar dos ciclos econômicos. Mas a previsão dos economistas estava errada! (Surpresos?) Ganhou a moçada dos experimentos aleatorizados.

Decisão bem controversa, mas antes de qualquer coisa, que diabos são esses experimentos?

Digamos que você queira reduzir a pobreza na África, e está cansado das soluções macro ingênuas e tradicionais, como emprestar bilhões via Banco Mundial para desenvolver a infraestrutura de transporte local. Digamos também que você leu o suficiente para saber que capital humano é fundamental para o crescimento de longo prazo e redução das desigualdades. Tudo bem. Mas o problema é que nas vilas lá do Quênia as crianças nem sequer vão às escolas. Talvez porque as escolas sejam ruins, talvez porque as crianças precisem ajudar os pais na plantação, talvez porque as crianças não tenham o que comer. O que você quer é que as crianças frequentem as escolas. O que fazer?

Não sabemos, e, não sabendo, experimentamos. Vamos conversar então com 500 escolas no Quênia e, dentre essas, sortear 250 para receber merenda escolar reforçada; as outras 250 não vão receber. Volto uns meses depois para avaliar a diferença na frequência escolar de cada uma delas e comparar as médias dos dois grupos, os “tratados” e os “não-tratados”. (Esse pessoal usa mesmo os termos da medicina, não estamos improvisando aqui não!) Se a média for similar, dar merenda não é o caminho. Mas se o comparecimento for muito maior no grupo dos tratados, então dar merenda é uma medida eficaz para termos mais crianças indo para a escola.

Um exemplo concreto: os prêmios Nobel supracitados mostraram que, ao oferecer pratos de lentilha para as famílias que levassem seus filhos para vacinação na Índia, o número de crianças vacinadas no “grupo de tratamento” passou em muito o do “grupo de controle”, os “sem-lentilhas". 

Portanto esses experimentos são mão na massa total, são a busca pelo que funciona lá nas trincheiras do combate à pobreza. Com a seguinte vantagem: são aleatorizados. Se as escolas do nosso parágrafo anterior pudessem escolher aderir ou não à merenda, teríamos problemas de identificação estatística, como, por exemplo: será que as escolas que escolhem participar também não são escolas onde o diretor, os pais, a comunidade local, estão mais preocupadas com o futuro das crianças? Isso mela o experimento, já que a correlação se torna espúria e não causal. Mas nos testes aleatorizados isso não ocorre, pois não há autosseleção. Um grupo entra por mera sorte, enquanto o outro é barrado por puro azar (sim, você está certo, isso levanta alguns dilemas morais não triviais). Em termos estatísticos, a coisa é muito limpa.

Entretanto, há diversos problemas com essa linha de pesquisa. De modo mais geral, um país não dará um grande salto de desenvolvimento com base nos ensinamentos que saem desses experimentos. A Coreia de cinquenta anos atrás era o Quênia. Hoje é um país rico. Sem experimentos localizados ou lentilhas. Abriu sua economia, melhorou suas instituições, investiu em capital humano, enfrentou grupos de interesse defensores ferrenhos dos próprios umbigos. É importante entender o que funciona para alinhar incentivos no microambiente localizado, não nos entendam mal. Mas não esperemos grandes avanços contra a pobreza a nível nacional. Em um país tomado por governos corruptos e elites que vivem de rent-seeking, a lentilha vai ajudar algumas pessoas a não passarem fome (o que é obviamente relevante), mas não muito mais que isso.

Outra crítica a esses experimentos é que talvez extrapolar os resultados de um microcosmo para outros não funcione bem. No jargão, a validade externa dos experimentos é sempre questionável. Na Índia, dinheiro não ajudou muito a aumentar a taxa de vacinação, mas a lentilha sim. Será que isso é verdade também para Teresina e Kinshasa? E mais: há recursos para comprar lentilhas para todas as escolas da Índia? Por fim, como os efeitos locais associados a tais experimentos interagem com outros fatores pode ser relevante – a alta no preço da lentilha não vai afetar adversamente algumas famílias?

A linha de pesquisa conhecida como Randomized Controlled Trials é uma área relevante da economia moderna? Sim, certamente. Merecedora de um Prêmio Nobel ainda na adolescência? Debatível.

 COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO


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E o Oscar vai para…

Banerjee, Duflo e Kramer! Por sua contribuição na área dos métodos experimentais visando à redução da pobreza!

O Nobel de Economia de 2019 surpreendeu muita gente. No sentido estatístico do termo: nas bolsas de apostas, os ganhadores não estavam nas cabeças. Além disso, é muito raro que se outorgue um Nobel para gente tão jovem. Na academia, os candidatos mais cotados eram a moçada ligada às coisas de crédito e bancos, e seu papel para o desempenho da economia. Doug Dybivig, com suas sacadas sobre crises bancárias e monitoramento de intermediários financeiros, e Bernanke e Gertler, que trouxeram o crédito para dentro dos modelos macro e mostraram a importância desse canal para explicar grandes recessões e o vagar dos ciclos econômicos. Mas a previsão dos economistas estava errada! (Surpresos?) Ganhou a moçada dos experimentos aleatorizados.

Decisão bem controversa, mas antes de qualquer coisa, que diabos são esses experimentos?

Digamos que você queira reduzir a pobreza na África, e está cansado das soluções macro ingênuas e tradicionais, como emprestar bilhões via Banco Mundial para desenvolver a infraestrutura de transporte local. Digamos também que você leu o suficiente para saber que capital humano é fundamental para o crescimento de longo prazo e redução das desigualdades. Tudo bem. Mas o problema é que nas vilas lá do Quênia as crianças nem sequer vão às escolas. Talvez porque as escolas sejam ruins, talvez porque as crianças precisem ajudar os pais na plantação, talvez porque as crianças não tenham o que comer. O que você quer é que as crianças frequentem as escolas. O que fazer?

Não sabemos, e, não sabendo, experimentamos. Vamos conversar então com 500 escolas no Quênia e, dentre essas, sortear 250 para receber merenda escolar reforçada; as outras 250 não vão receber. Volto uns meses depois para avaliar a diferença na frequência escolar de cada uma delas e comparar as médias dos dois grupos, os “tratados” e os “não-tratados”. (Esse pessoal usa mesmo os termos da medicina, não estamos improvisando aqui não!) Se a média for similar, dar merenda não é o caminho. Mas se o comparecimento for muito maior no grupo dos tratados, então dar merenda é uma medida eficaz para termos mais crianças indo para a escola.

Um exemplo concreto: os prêmios Nobel supracitados mostraram que, ao oferecer pratos de lentilha para as famílias que levassem seus filhos para vacinação na Índia, o número de crianças vacinadas no “grupo de tratamento” passou em muito o do “grupo de controle”, os “sem-lentilhas". 

Portanto esses experimentos são mão na massa total, são a busca pelo que funciona lá nas trincheiras do combate à pobreza. Com a seguinte vantagem: são aleatorizados. Se as escolas do nosso parágrafo anterior pudessem escolher aderir ou não à merenda, teríamos problemas de identificação estatística, como, por exemplo: será que as escolas que escolhem participar também não são escolas onde o diretor, os pais, a comunidade local, estão mais preocupadas com o futuro das crianças? Isso mela o experimento, já que a correlação se torna espúria e não causal. Mas nos testes aleatorizados isso não ocorre, pois não há autosseleção. Um grupo entra por mera sorte, enquanto o outro é barrado por puro azar (sim, você está certo, isso levanta alguns dilemas morais não triviais). Em termos estatísticos, a coisa é muito limpa.

Entretanto, há diversos problemas com essa linha de pesquisa. De modo mais geral, um país não dará um grande salto de desenvolvimento com base nos ensinamentos que saem desses experimentos. A Coreia de cinquenta anos atrás era o Quênia. Hoje é um país rico. Sem experimentos localizados ou lentilhas. Abriu sua economia, melhorou suas instituições, investiu em capital humano, enfrentou grupos de interesse defensores ferrenhos dos próprios umbigos. É importante entender o que funciona para alinhar incentivos no microambiente localizado, não nos entendam mal. Mas não esperemos grandes avanços contra a pobreza a nível nacional. Em um país tomado por governos corruptos e elites que vivem de rent-seeking, a lentilha vai ajudar algumas pessoas a não passarem fome (o que é obviamente relevante), mas não muito mais que isso.

Outra crítica a esses experimentos é que talvez extrapolar os resultados de um microcosmo para outros não funcione bem. No jargão, a validade externa dos experimentos é sempre questionável. Na Índia, dinheiro não ajudou muito a aumentar a taxa de vacinação, mas a lentilha sim. Será que isso é verdade também para Teresina e Kinshasa? E mais: há recursos para comprar lentilhas para todas as escolas da Índia? Por fim, como os efeitos locais associados a tais experimentos interagem com outros fatores pode ser relevante – a alta no preço da lentilha não vai afetar adversamente algumas famílias?

A linha de pesquisa conhecida como Randomized Controlled Trials é uma área relevante da economia moderna? Sim, certamente. Merecedora de um Prêmio Nobel ainda na adolescência? Debatível.

 
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