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São as instituições!


Uma longa tradição acadêmica conecta desenvolvimento e qualidade institucional à pujança socioeconômica das nações no longo prazo. Essa é, aliás, uma daquelas poucas teses capazes de suscitar enorme grau de concordância entre os cientistas sociais. Na definição do significado de “boas instituições”, dois conceitos basilares se destacam:

1) inclusão e participação plena e livre de toda a sociedade no processo político e nos mercados e
2) ampla garantia dos direitos de propriedade.

Não chega a surpreender. O desenvolvimento econômico não tem como se firmar quando pequenos grupos – militar ou economicamente poderosos -- capturam o Estado e o direcionam para seu benefício próprio e/ou quando os frutos do esforço pessoal podem ser facilmente expropriados por outrem (governo ou não). Um empresário que antecipe a possibilidade de outro roubar-lhe uma invenção que demanda tempo e recursos para ser posta de pé vai investir bem menos do que gostaria.

Um trabalhador que desconfie que seu banco tomará decisões irresponsáveis com seu dinheiro vai guardar seus recursos debaixo da cama ou enviá-los para o exterior (ou vai consumir tudo, dado o risco de poupar). Consequentemente, o banco terá poucos recursos para financiar a invenção do empresário do parágrafo mencionado, e a economia, novamente, vai crescer menos.

Mercado de crédito e seus problemas
Uma economia com um mercado de crédito de baixa qualidade perderá muitas oportunidades de investimento e crescerá menos. A má notícia é que a dinâmica nesse mercado é particularmente complicada pelo fato de que as trocas envolvem acontecimentos transcorridos em momentos diferentes do tempo.

O intermediário financeiro capta recursos que podem ser retirados pelos depositantes a qualquer momento, e empresta-os para alguém que assina um compromisso de repagá-los no futuro. Muitas vezes, um futuro bastante distante (o financiamento de uma casa, por exemplo, pode ser de 20 anos).

Adquirir um empréstimo é muito diferente, portanto, de adquirir bens no mercado à vista – você vai à loja, experimenta a calça, sente se está apertada, examina o tecido, paga e fim da transação –, em que tudo ocorre no aqui e agora.

Outro problema grave que aflige o mercado de crédito bem mais do que o das calças é que o tomador de recursos (“comprador”) conhece bem melhor que o intermediário financeiro (“o vendedor”) os riscos inerentes a seus próprios projetos, e sabe também melhor do que ninguém sua real disposição a repagar (algo que o banco tenta obviamente inferir, mas o logra apenas de modo incompleto). O banco por sua vez entende essa lógica e vai pensar duas vezes antes de emprestar para novos tomadores, principalmente se o aparato jurídico que obriga esse último a honrar seus contratos não funcionar bem.

Empréstimos com garantias servem para minimizar esse problema: o banco não conhece a predisposição a repagar do tomador de crédito e os riscos dos projetos, mas isso importará menos se ele puder recuperar uma parcela dos recursos cedidos tomando posse, em caso de inadimplência, de uma garantia pré-acordada – pode ser o imóvel ou carro comprados com financiamento, o maquinário adquirido pelo empresário, notas a pagar de clientes etc. O problema, claro, é que dependendo do aparato jurídico, a mesma garantia pode valer mais ou menos.

Nos países desenvolvidos, a taxa de recuperação das garantias contratuais gira entre 80% e 90%. Já em países como a Turquia e o Brasil, esse valor nem sequer alcança os 15%. Isso não é inócuo: a chance mais baixa de recuperação se transforma em maior custo de crédito.

O Projeto de Lei 4.188, de autoria do Executivo, visa melhorar a qualidade do marco das garantias e, em nossa avaliação, as sugestões ali apresentadas concorrem de fato para essa melhoria. Mas não esperamos um impacto milagroso. Por um motivo essencial: o PL prevê a criação das IGGs, instituições gerenciadoras de garantias. Mas o que vemos como maior empecilho para o desenvolvimento do mercado de crédito não é a organização interna do setor (bancos vs IGGs), e sim a interação com o sistema jurídico-legal.

PL 4.188/21 – Marco das Garantias: o que faz?
Essencialmente, ele cria a figura jurídica das IGGs, que poderão gerenciar garantias assim como fazem os bancos hoje em dia. Atualmente, quando alguém procura o banco, este faz uma avaliação do valor da garantia e, com base nela, oferece condições de empréstimo. Com as IGGs, a concorrência cresce, pois o tomador pode contratar o serviço da IGG, ter sua garantia avalizada por ela (e não mais pelo seu banco, caso queira) e com base nessa avaliação bater à porta de diversas instituições de crédito e analisar suas opções.

Nesse sentido, a ideia guarda alguma semelhança ao Open Banking: nele, a pessoa física ou jurídica sai perambulando com seu histórico de bom pagador e forçando os bancos a concorrerem entre si para vender-lhe o empréstimo a taxa mais baixa possível.

Além disso, a proposta aumenta a eficiência dos contratos com garantias imobiliárias, pois propõe: (i) que um dado imóvel possa ser dado como garantia para mais de um empréstimo (a dificuldade seria um imóvel como garantia para empréstimos em diferentes bancos, mas para o mesmo imóvel a medida é obviamente benéfica e não deverá suscitar rebuliços de natureza legal),
(ii) que reduções do saldo devedor abram espaço para novas operações tendo o imóvel como garantia (o que faz sentido, pois à medida que o saldo devedor cai, o proprietário passa a ter mais equity pessoal no imóvel) e
(iii) que imóveis de família sejam passíveis de penhor quando forem oferecidos como garantias de empréstimo (medida faz sentido, mas pode enfrentar, a posteriori, dificuldades de natureza jurídica).

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S.PAULO

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Garantias e a economia

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Uma longa tradição acadêmica conecta desenvolvimento e qualidade institucional à pujança socioeconômica das nações no longo prazo. Essa é, aliás, uma daquelas poucas teses capazes de suscitar enorme grau de concordância entre os cientistas sociais. Na definição do significado de “boas instituições”, dois conceitos basilares se destacam:

1) inclusão e participação plena e livre de toda a sociedade no processo político e nos mercados e
2) ampla garantia dos direitos de propriedade.

Não chega a surpreender. O desenvolvimento econômico não tem como se firmar quando pequenos grupos – militar ou economicamente poderosos -- capturam o Estado e o direcionam para seu benefício próprio e/ou quando os frutos do esforço pessoal podem ser facilmente expropriados por outrem (governo ou não). Um empresário que antecipe a possibilidade de outro roubar-lhe uma invenção que demanda tempo e recursos para ser posta de pé vai investir bem menos do que gostaria.

Um trabalhador que desconfie que seu banco tomará decisões irresponsáveis com seu dinheiro vai guardar seus recursos debaixo da cama ou enviá-los para o exterior (ou vai consumir tudo, dado o risco de poupar). Consequentemente, o banco terá poucos recursos para financiar a invenção do empresário do parágrafo mencionado, e a economia, novamente, vai crescer menos.

Mercado de crédito e seus problemas
Uma economia com um mercado de crédito de baixa qualidade perderá muitas oportunidades de investimento e crescerá menos. A má notícia é que a dinâmica nesse mercado é particularmente complicada pelo fato de que as trocas envolvem acontecimentos transcorridos em momentos diferentes do tempo.

O intermediário financeiro capta recursos que podem ser retirados pelos depositantes a qualquer momento, e empresta-os para alguém que assina um compromisso de repagá-los no futuro. Muitas vezes, um futuro bastante distante (o financiamento de uma casa, por exemplo, pode ser de 20 anos).

Adquirir um empréstimo é muito diferente, portanto, de adquirir bens no mercado à vista – você vai à loja, experimenta a calça, sente se está apertada, examina o tecido, paga e fim da transação –, em que tudo ocorre no aqui e agora.

Outro problema grave que aflige o mercado de crédito bem mais do que o das calças é que o tomador de recursos (“comprador”) conhece bem melhor que o intermediário financeiro (“o vendedor”) os riscos inerentes a seus próprios projetos, e sabe também melhor do que ninguém sua real disposição a repagar (algo que o banco tenta obviamente inferir, mas o logra apenas de modo incompleto). O banco por sua vez entende essa lógica e vai pensar duas vezes antes de emprestar para novos tomadores, principalmente se o aparato jurídico que obriga esse último a honrar seus contratos não funcionar bem.

Empréstimos com garantias servem para minimizar esse problema: o banco não conhece a predisposição a repagar do tomador de crédito e os riscos dos projetos, mas isso importará menos se ele puder recuperar uma parcela dos recursos cedidos tomando posse, em caso de inadimplência, de uma garantia pré-acordada – pode ser o imóvel ou carro comprados com financiamento, o maquinário adquirido pelo empresário, notas a pagar de clientes etc. O problema, claro, é que dependendo do aparato jurídico, a mesma garantia pode valer mais ou menos.

Nos países desenvolvidos, a taxa de recuperação das garantias contratuais gira entre 80% e 90%. Já em países como a Turquia e o Brasil, esse valor nem sequer alcança os 15%. Isso não é inócuo: a chance mais baixa de recuperação se transforma em maior custo de crédito.

O Projeto de Lei 4.188, de autoria do Executivo, visa melhorar a qualidade do marco das garantias e, em nossa avaliação, as sugestões ali apresentadas concorrem de fato para essa melhoria. Mas não esperamos um impacto milagroso. Por um motivo essencial: o PL prevê a criação das IGGs, instituições gerenciadoras de garantias. Mas o que vemos como maior empecilho para o desenvolvimento do mercado de crédito não é a organização interna do setor (bancos vs IGGs), e sim a interação com o sistema jurídico-legal.

PL 4.188/21 – Marco das Garantias: o que faz?
Essencialmente, ele cria a figura jurídica das IGGs, que poderão gerenciar garantias assim como fazem os bancos hoje em dia. Atualmente, quando alguém procura o banco, este faz uma avaliação do valor da garantia e, com base nela, oferece condições de empréstimo. Com as IGGs, a concorrência cresce, pois o tomador pode contratar o serviço da IGG, ter sua garantia avalizada por ela (e não mais pelo seu banco, caso queira) e com base nessa avaliação bater à porta de diversas instituições de crédito e analisar suas opções.

Nesse sentido, a ideia guarda alguma semelhança ao Open Banking: nele, a pessoa física ou jurídica sai perambulando com seu histórico de bom pagador e forçando os bancos a concorrerem entre si para vender-lhe o empréstimo a taxa mais baixa possível.

Além disso, a proposta aumenta a eficiência dos contratos com garantias imobiliárias, pois propõe: (i) que um dado imóvel possa ser dado como garantia para mais de um empréstimo (a dificuldade seria um imóvel como garantia para empréstimos em diferentes bancos, mas para o mesmo imóvel a medida é obviamente benéfica e não deverá suscitar rebuliços de natureza legal),
(ii) que reduções do saldo devedor abram espaço para novas operações tendo o imóvel como garantia (o que faz sentido, pois à medida que o saldo devedor cai, o proprietário passa a ter mais equity pessoal no imóvel) e
(iii) que imóveis de família sejam passíveis de penhor quando forem oferecidos como garantias de empréstimo (medida faz sentido, mas pode enfrentar, a posteriori, dificuldades de natureza jurídica).

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