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A alta da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), anunciada pelo governo umas duas semanas atrás, revoltou em muita gente. Compreensível. A carga tributária já é elevada demais e os serviços públicos, de baixa qualidade. Sem falar nos desvios de verbas que nos surpreendem a cada dia. Desse desgosto todo é que sai o grito "Imposto é roubo!", bastante presente nas mídias sociais.

Mas, conceitualmente, essa ideia está correta?
imposto é roubo?

É óbvio que se a definição de roubo for muito elástica, fica difícil dizer que, tecnicamente, imposto não é roubo. Vejam só: vem um cara grandão, com monopólio da força e da Justiça, um tal de Estado, de apelido Leviatã, e retira uma grana do seu bolso sem perguntar diretamente se você quer. Tipificado.

Mas é por aí que devemos enxergar os impostos, como o fazem alguns dos nossos ultraliberais?

Indo, sem rodeios, ao coração do argumento: se a existência de um governo —nem mínimo, nem máximo, mas que dê conta de suas incumbências - for de fato necessária, a sociedade está melhor numa situação em que existem impostos do que numa em que não existem. Isso meio que resolve o dilema, não? Sim, o imposto é um instrumento coercitivo. Mas isso não implica que estejamos melhor sem ele. Claro, para cada um de nós, individualmente, é melhor ter polícia na rua; exército na fronteira; Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); Banco Central; financiamento público à pesquisa básica; vacinação pública e tantas outras coisas sem precisar desembolsar um centavo. Mas milagres não existem. Se todo mundo quiser pegar carona no imposto pago pelo outro, não vai ter um centavo para as atividades acima descritas (bens públicos). Daí a necessidade da coerção: se não tiver coerção, ninguém paga; mas se ninguém paga, estamos todos pior.

Portanto, falar que imposto é roubo por definição é uma bobagem, e não ajuda no debate.

O debate mais relevante, e que aparece menos do que devia na mídia, não é esse. É, sim, o da eficiência do gasto público. O Estado brasileiro, que tanto arrecada, não nos provê sequer segurança para andar na rua! O Rio de Janeiro, um estado rico, vive uma verdadeira ausência de Estado em diversas áreas cruciais, começando pela segurança. A população de fora dos grandes centros não tem saneamento básico! Por outro lado, sobra Estado nos empréstimos a empresários ricos, na Previdência para servidores públicos, nos favores e nos desvios. O xis da questão é esse; tamanho importa pouco, ao menos nesse caso.

Por fim, a ideia de que não se pode tributar (roubar!) o que é fruto do trabalho alheio tem um lado ético que incomoda. Vivemos em sociedade, e, nessa sociedade, as pessoas nascem em condições iniciais muito diferentes, as quais por sua vez moldam, em grande parte, o tamanho do tal fruto. Ou até mesmo se haverá colheita. Nascer na pobreza ou de pais analfabetos funcionais (30% dos adultos, mais ou menos) não seria também ser vítima de uma espécie de "roubo"?

Numa interpretação mais ampla do significado de roubo, pode-se dizer que você é roubado de suas potencialidades já na hora em que nasce, e, se for pobre, vai enfrentar muito mais dificuldades em todas as etapas da vida - terá que ir à escola de manhã e vender chiclete no semáforo à tarde. É um baita dum roubo, não? Se antes de vir ao mundo (não sabendo onde vai nascer) você tivesse que votar por impostos sobre todos para financiar uma espécie de Bolsa Família para os pobres, você votaria como? Imposto zero? Trucamos.

Precisamos reformar o Estado, não eliminá-lo.

*

Publicado originalmente em nossa coluna na Folha de S.Paulo.

 

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Imposto é roubo?

A alta da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), anunciada pelo governo umas duas semanas atrás, revoltou em muita gente. Compreensível. A carga tributária já é elevada demais e os serviços públicos, de baixa qualidade. Sem falar nos desvios de verbas que nos surpreendem a cada dia. Desse desgosto todo é que sai o grito "Imposto é roubo!", bastante presente nas mídias sociais. Mas, conceitualmente, essa ideia está correta? imposto é roubo? É óbvio que se a definição de roubo for muito elástica, fica difícil dizer que, tecnicamente, imposto não é roubo. Vejam só: vem um cara grandão, com monopólio da força e da Justiça, um tal de Estado, de apelido Leviatã, e retira uma grana do seu bolso sem perguntar diretamente se você quer. Tipificado. Mas é por aí que devemos enxergar os impostos, como o fazem alguns dos nossos ultraliberais? Indo, sem rodeios, ao coração do argumento: se a existência de um governo —nem mínimo, nem máximo, mas que dê conta de suas incumbências - for de fato necessária, a sociedade está melhor numa situação em que existem impostos do que numa em que não existem. Isso meio que resolve o dilema, não? Sim, o imposto é um instrumento coercitivo. Mas isso não implica que estejamos melhor sem ele. Claro, para cada um de nós, individualmente, é melhor ter polícia na rua; exército na fronteira; Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade); Banco Central; financiamento público à pesquisa básica; vacinação pública e tantas outras coisas sem precisar desembolsar um centavo. Mas milagres não existem. Se todo mundo quiser pegar carona no imposto pago pelo outro, não vai ter um centavo para as atividades acima descritas (bens públicos). Daí a necessidade da coerção: se não tiver coerção, ninguém paga; mas se ninguém paga, estamos todos pior. Portanto, falar que imposto é roubo por definição é uma bobagem, e não ajuda no debate. O debate mais relevante, e que aparece menos do que devia na mídia, não é esse. É, sim, o da eficiência do gasto público. O Estado brasileiro, que tanto arrecada, não nos provê sequer segurança para andar na rua! O Rio de Janeiro, um estado rico, vive uma verdadeira ausência de Estado em diversas áreas cruciais, começando pela segurança. A população de fora dos grandes centros não tem saneamento básico! Por outro lado, sobra Estado nos empréstimos a empresários ricos, na Previdência para servidores públicos, nos favores e nos desvios. O xis da questão é esse; tamanho importa pouco, ao menos nesse caso. Por fim, a ideia de que não se pode tributar (roubar!) o que é fruto do trabalho alheio tem um lado ético que incomoda. Vivemos em sociedade, e, nessa sociedade, as pessoas nascem em condições iniciais muito diferentes, as quais por sua vez moldam, em grande parte, o tamanho do tal fruto. Ou até mesmo se haverá colheita. Nascer na pobreza ou de pais analfabetos funcionais (30% dos adultos, mais ou menos) não seria também ser vítima de uma espécie de "roubo"? Numa interpretação mais ampla do significado de roubo, pode-se dizer que você é roubado de suas potencialidades já na hora em que nasce, e, se for pobre, vai enfrentar muito mais dificuldades em todas as etapas da vida - terá que ir à escola de manhã e vender chiclete no semáforo à tarde. É um baita dum roubo, não? Se antes de vir ao mundo (não sabendo onde vai nascer) você tivesse que votar por impostos sobre todos para financiar uma espécie de Bolsa Família para os pobres, você votaria como? Imposto zero? Trucamos. Precisamos reformar o Estado, não eliminá-lo. * Publicado originalmente em nossa coluna na Folha de S.Paulo.   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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