Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

 

Por Mauro Rodrigues e Irineu de Carvalho Filho

Talvez você já tenha ouvido a história que vem aí em outro lugar:

Um professor dá uma prova aos seus alunos e adota um sistema peculiar: a pontuação será a mesma para todos, dada pela média das notas da classe.

Qual o incentivo para estudar de cada um desses alunos?

Bem, o tempo dos alunos é limitado, existem obrigações com outras matérias. E o aluno pode ter de ajudar os pais em casa, além de praticar exercícios e se divertir com amigos, por exemplo.

 


– Por que estudar para a matéria desse professor, se a nota é dada pela média e meu próprio esforço pouco afetará minha nota? Melhor usar meu tempo para outras coisas que de fato compensem meu esforço...

A maioria dos alunos, provavelmente, ou todos, pensarão da mesma forma. O resultado final: ninguém estuda e todo mundo tira notas muito baixas. E como a nota de cada aluno é a média da classe, todos são reprovados.

Beleza. Mas e a economia, o que tem a ver com isso?

Imagine um mundo em que todas as pessoas tenham a mesma grana, independentemente do quanto se esforcem.

Se é assim, qual o incentivo para trabalhar duro? Ora, você não terá nenhum ganho adicional por causa disso. E todo o valor a mais que você produzir será dividido entre um número gigantesco de pessoas, não diretamente para você.

Nesse mundo ninguém produz nada. É um mundo igualitário, sim. Mas miserável.

Então precisamos de alguma desigualdade?

Sim, algum em grau. Essa condição fornece incentivos para que as pessoas trabalhem e produzam. É a possibilidade de melhorar o bem-estar material de nossas famílias que nos motiva a sair de casa de manhã cedo, encarar o trânsito e passar horas trabalhando.

Para aumentar nossa renda, por exemplo, trabalhamos em busca de alguma promoção ou de um aumento nas vendas de nosso negócio.

Uma pessoa pode ficar até bilionária se inventar um produto novo! E isso faz com que as pessoas busquem inovar, o que acaba melhorando a vida de toda a sociedade.

Vocês estão explicando o que quer dizer meritocracia?

Isso aí. Em outras palavras, este é o ideal de meritocracia que de fato interfere na vida das pessoas em uma sociedade: quem produzir mais quer ser recompensado com uma renda mais alta.

É verdade que isso gera uma sociedade mais desigual. Mas esse é o preço dos incentivos capazes de fazer as pessoas trabalharem de maneira mais produtiva.

Devemos focar em meritocracia e parar de combater a pobreza?

Calma lá. Nem tanto ao mar e nem tanto à terra.

Nem toda a desigualdade é fruto de pouco esforço e está relacionada à meritocracia. Parte significativa da desigualdade está relacionada simplesmente à sorte ou falta dela. Em um país como o Brasil, esse é um componente relevante.

Pense numa pessoa que nasceu pobre, num bairro violento, sem acesso a saneamento básico nem educação de qualidade. Por mais que ela se esforce e que seja inteligente, provavelmente, não produzirá tanto quanto quem nasceu rico.

Dificilmente a pessoa pobre terá o mesmo desempenho de quem, desde o berço, teve todos os cuidados do mundo de seus pais e frequentou as melhores escolas.

Não há como ignorar: os mais ricos têm melhores conexões. Por exemplo, podem ter na agenda o contato de quem lhes garanta um emprego público ali, um crédito subsidiado acolá ou algum contrato bem gordo com estatais.

Sem oportunidades para pobres e ricos, como buscar meritocracia?

No mercado de trabalho, a competição entre o rico e o pobre é bem desigual.

Imagine uma corrida de 100 metros em que um dos corredores precisa carregar nas costas um saco de cimento e o outro não. Mesmo que quem esteja carregando o saco de cimento seja mais inteligente e esforçado, dificilmente ganhará a corrida.

A derrota do competidor, portanto, não pode ser explicada pela meritocracia.

Nessa situação, é importante equilibrar as coisas. Justifica-se, assim, alguma redistribuição de oportunidades.

O estado pode taxar um pouco o mais favorecido para dar um empurrãozinho para o menos favorecido, por exemplo. Programas de transferência de renda se encaixam perfeitamente nessa ideia, assim como educação e saúde públicas de qualidade.

Temos aqui um dilema: queremos diminuir a desigualdade porque as pessoas nascem em condições diferentes; mas se reduzir muito a desigualdade podemos matar o incentivo ao esforço.

A escolha do caminho a ser percorrido, no fim das contas, é da sociedade. Logo, não surpreende que, no Brasil, o estado seja grande. Como dito, a desigualdade é enorme e boa parte dela não parece estar ligada a mais ou menos esforço.

Em outras palavras, há uma elevada demanda por redistribuição de renda na sociedade brasileira.

Mas problema não é o tamanho do estado, ele ser muito grande ou muito pequeno é o de menos. O problema é a sua ineficiência.

Cobram-se muitos impostos da população e isso não se traduz em bens e serviços de qualidade. A grande demanda por redistribuição acaba não conseguindo a redistribuição de fato.

Na prática, por um lado, plantamos todos os custos das políticas redistributivas, ou seja, o desestímulo ao esforço; e, por outro, não colhemos os benefícios equivalentes, ou seja, não ajudamos os mais desfavorecidos com serviços de educação e saúde pública capazes de quebrar o ciclo de pobreza.

Como a meritocracia pode até diminuir a desigualdade?

Em geral, remunerações de funcionários e gestores públicos estão pouco atreladas às suas produtividades. Por exemplo, um professor que dá boas aulas e faz seus alunos melhorarem, normalmente, ganha o mesmo salário que um professor que não está nem aí para seus alunos.

Voltamos à questão central deste texto: qual o incentivo imediato para dar uma boa aula?

O quadro do setor público no Brasil se aproxima de nosso exemplo inicial – em que todos os alunos recebem as mesmas notas, independente do esforço. A diferença é que os servidores públicos, ao contrário, não são reprovados se obtiverem um resultado ruim.

Um pouco mais de meritocracia faria bem ao setor público.

Funcionários mais produtivos devem ganhar mais; e a opção de demitir péssimos profissionais tem de estar disponível. Esses fatores colaborariam para melhorar a qualidade dos serviços para a população, principalmente para a parcela mais pobre, e, assim, reduziria a desigualdade em nosso país.

Meritocracia importa, mas até que ponto?

  Por Mauro Rodrigues e Irineu de Carvalho Filho Talvez você já tenha ouvido a história que vem aí em outro lugar: Um professor dá uma prova aos seus alunos e adota um sistema peculiar: a pontuação será a mesma para todos, dada pela média das notas da classe. Qual o incentivo para estudar de cada um desses alunos? Bem, o tempo dos alunos é limitado, existem obrigações com outras matérias. E o aluno pode ter de ajudar os pais em casa, além de praticar exercícios e se divertir com amigos, por exemplo.   – Por que estudar para a matéria desse professor, se a nota é dada pela média e meu próprio esforço pouco afetará minha nota? Melhor usar meu tempo para outras coisas que de fato compensem meu esforço... A maioria dos alunos, provavelmente, ou todos, pensarão da mesma forma. O resultado final: ninguém estuda e todo mundo tira notas muito baixas. E como a nota de cada aluno é a média da classe, todos são reprovados. Beleza. Mas e a economia, o que tem a ver com isso? Imagine um mundo em que todas as pessoas tenham a mesma grana, independentemente do quanto se esforcem. Se é assim, qual o incentivo para trabalhar duro? Ora, você não terá nenhum ganho adicional por causa disso. E todo o valor a mais que você produzir será dividido entre um número gigantesco de pessoas, não diretamente para você. Nesse mundo ninguém produz nada. É um mundo igualitário, sim. Mas miserável. Então precisamos de alguma desigualdade? Sim, algum em grau. Essa condição fornece incentivos para que as pessoas trabalhem e produzam. É a possibilidade de melhorar o bem-estar material de nossas famílias que nos motiva a sair de casa de manhã cedo, encarar o trânsito e passar horas trabalhando. Para aumentar nossa renda, por exemplo, trabalhamos em busca de alguma promoção ou de um aumento nas vendas de nosso negócio. Uma pessoa pode ficar até bilionária se inventar um produto novo! E isso faz com que as pessoas busquem inovar, o que acaba melhorando a vida de toda a sociedade. Vocês estão explicando o que quer dizer meritocracia? Isso aí. Em outras palavras, este é o ideal de meritocracia que de fato interfere na vida das pessoas em uma sociedade: quem produzir mais quer ser recompensado com uma renda mais alta. É verdade que isso gera uma sociedade mais desigual. Mas esse é o preço dos incentivos capazes de fazer as pessoas trabalharem de maneira mais produtiva. Devemos focar em meritocracia e parar de combater a pobreza? Calma lá. Nem tanto ao mar e nem tanto à terra. Nem toda a desigualdade é fruto de pouco esforço e está relacionada à meritocracia. Parte significativa da desigualdade está relacionada simplesmente à sorte ou falta dela. Em um país como o Brasil, esse é um componente relevante. Pense numa pessoa que nasceu pobre, num bairro violento, sem acesso a saneamento básico nem educação de qualidade. Por mais que ela se esforce e que seja inteligente, provavelmente, não produzirá tanto quanto quem nasceu rico. Dificilmente a pessoa pobre terá o mesmo desempenho de quem, desde o berço, teve todos os cuidados do mundo de seus pais e frequentou as melhores escolas. Não há como ignorar: os mais ricos têm melhores conexões. Por exemplo, podem ter na agenda o contato de quem lhes garanta um emprego público ali, um crédito subsidiado acolá ou algum contrato bem gordo com estatais. Sem oportunidades para pobres e ricos, como buscar meritocracia? No mercado de trabalho, a competição entre o rico e o pobre é bem desigual. Imagine uma corrida de 100 metros em que um dos corredores precisa carregar nas costas um saco de cimento e o outro não. Mesmo que quem esteja carregando o saco de cimento seja mais inteligente e esforçado, dificilmente ganhará a corrida. A derrota do competidor, portanto, não pode ser explicada pela meritocracia. Nessa situação, é importante equilibrar as coisas. Justifica-se, assim, alguma redistribuição de oportunidades. O estado pode taxar um pouco o mais favorecido para dar um empurrãozinho para o menos favorecido, por exemplo. Programas de transferência de renda se encaixam perfeitamente nessa ideia, assim como educação e saúde públicas de qualidade. Temos aqui um dilema: queremos diminuir a desigualdade porque as pessoas nascem em condições diferentes; mas se reduzir muito a desigualdade podemos matar o incentivo ao esforço. A escolha do caminho a ser percorrido, no fim das contas, é da sociedade. Logo, não surpreende que, no Brasil, o estado seja grande. Como dito, a desigualdade é enorme e boa parte dela não parece estar ligada a mais ou menos esforço. Em outras palavras, há uma elevada demanda por redistribuição de renda na sociedade brasileira. Mas problema não é o tamanho do estado, ele ser muito grande ou muito pequeno é o de menos. O problema é a sua ineficiência. Cobram-se muitos impostos da população e isso não se traduz em bens e serviços de qualidade. A grande demanda por redistribuição acaba não conseguindo a redistribuição de fato. Na prática, por um lado, plantamos todos os custos das políticas redistributivas, ou seja, o desestímulo ao esforço; e, por outro, não colhemos os benefícios equivalentes, ou seja, não ajudamos os mais desfavorecidos com serviços de educação e saúde pública capazes de quebrar o ciclo de pobreza. Como a meritocracia pode até diminuir a desigualdade? Em geral, remunerações de funcionários e gestores públicos estão pouco atreladas às suas produtividades. Por exemplo, um professor que dá boas aulas e faz seus alunos melhorarem, normalmente, ganha o mesmo salário que um professor que não está nem aí para seus alunos. Voltamos à questão central deste texto: qual o incentivo imediato para dar uma boa aula? O quadro do setor público no Brasil se aproxima de nosso exemplo inicial – em que todos os alunos recebem as mesmas notas, independente do esforço. A diferença é que os servidores públicos, ao contrário, não são reprovados se obtiverem um resultado ruim. Um pouco mais de meritocracia faria bem ao setor público. Funcionários mais produtivos devem ganhar mais; e a opção de demitir péssimos profissionais tem de estar disponível. Esses fatores colaborariam para melhorar a qualidade dos serviços para a população, principalmente para a parcela mais pobre, e, assim, reduziria a desigualdade em nosso país.
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