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(Foto: Oleg Troino/123rf)

Mais uma vez, o governo anunciou que não mexerá na tabela do imposto de renda (IR). Muitas pessoas estão gritando que isso é um aumento camuflado de impostos. E elas têm razão. Vejamos por quê.

Na tabela do IR há cinco faixas, cujas alíquotas dependem da renda do indivíduo. Pessoas com remuneração muito baixa são isentas. Mas, à medida que consideramos indivíduos que ganham mais, a alíquota incidente sobe. Veja abaixo:

tabela IR

Na prática, o imposto que a pessoa deve pagar depende de quanto a sua renda excede o piso da sua faixa. Sei que há um monte de deduções possíveis, mas não as considerarei para deixar a discussão mais simples. Por exemplo, se você ganha R$ 2.500 por mês, você cai na faixa 2. O imposto incide em quanto sua renda excede o valor mais baixo da faixa: R$ 2.500 – R$ 1.903,99 = R$ 596,01. O imposto devido é então dado por esse valor multiplicado pela alíquota da faixa: R$ 596,01 × 7,5% = R$ 44,70.

E se seu rendimento cair na faixa 3, por exemplo? Daí você paga todo o imposto referente à faixa 2, mais uma parcela referente ao quanto sua renda excede o piso da sua faixa. Se você ganha R$ 3.000 por mês, a parte referente à faixa 2 é a diferença entre o teto e o piso, vezes a alíquota de 7,5%, isto é, (R$ 2826,65 – R$ 1903,99) × 7,5% = R$ 69,20. Já a parcela que diz respeito à sua faixa é a diferença entre o seu rendimento (3.000) e o piso da faixa (2.826,66), multiplicada pela alíquota correspondente (15%), o que dá R$ 26,00. O imposto total devido é então R$ 69,20 + R$ 26,00 = R$ 95,20. Raciocínio similar se aplica a rendas que caem nas demais faixas. O site da Receita Federal possui uma ferramenta que permite fazer simulações com outros valores - clique aqui.

Porém, rendas podem subir simplesmente por causa da inflação, sem que isso signifique que a pessoa está mais rica. Por exemplo, se a inflação no ano é de 3%, e seu rendimento subiu esses mesmos 3%, você está na mesma situação em termos de poder de compra (ou em termos reais). Você está ganhando mais, porém o custo de vida aumentou na mesma proporção. Dizemos que o rendimento real permaneceu igual ao longo do ano.

Se o governo não atualiza a tabela do IR, você acaba pagando mais imposto. Isso ocorre porque sua renda acaba ficando mais distante do piso da sua faixa (que se manteve inalterado pela decisão governamental). E o valor sobre o qual incide o imposto sobe, mesmo que você não experimente nenhum ganho real.

Considere a pessoa que ganha inicialmente R$ 2.500, e suponha que seu rendimento subiu junto com a inflação (ou seja, sua renda real permaneceu igual). Ou seja, o indivíduo passa a ganhar R$ 2.500 × (1 + 3%) = R$ 2.575.

O imposto devido é agora (R$ 2.575,00 – R$ 1.903,99) × 7,5% = R$ 50,32.

Lembre que essa pessoa pagava R$ 44,70 antes. Ou seja, houve um acréscimo de R$ 5,46 no imposto pago. Parece pouco, mas equivale a aumento de cerca de 12%, acima dos 3% de inflação. Essa pessoa está, em termos reais, pagando mais imposto.

Isso é magnificado, pois alguns indivíduos mudam de faixa por causa da inflação, sendo assim submetidos a alíquotas mais altas. Adicionalmente, algumas pessoas que antes eram isentas ultrapassam o primeiro limiar na tabela, e passam também a contribuir.

O argumento acima não vale apenas para casos em que o salário sobe junto com a inflação. Por exemplo, se seu salário não variou de um ano para o outro, seu poder de compra cai por causa da inflação. O imposto real que você paga diminui, mas não tanto quanto deveria dada a redução de renda real que você sofreu.

Quem seria afetado por um ajuste na tabela?

Um eventual ajuste na tabela do IR beneficiaria justamente as pessoas cujas rendas caem nas faixas em que o imposto incide. Afinal, elas deixariam de ser atingidas pelo aumento escondido na taxação acima discutido. A grande maioria da população, entretanto, ganha menos que isso, e está assim isenta de pagar IR. Para eles não mudaria nada. Não estou dizendo que os super-super-ricos se dão bem com a mudança. Como a renda deles já está muito além do piso da faixa mais alta, a inflação pouco impacta o imposto a ser pago em termos reais. Considere nosso exemplo anterior, com um indivíduo que tem sua renda aumentada apenas pela inflação. Alguém que ganha inicialmente R$ 100.000 por mês teria um aumento de pouco mais de 3% no imposto a ser pago em caso de não revisão da tabela; como a inflação suposta foi de 3%, essa pessoa sofreria variação bem pequena no imposto pago em termos reais. De qualquer forma, as pessoas atingidas pela eventual revisão estão entre os estratos mais ricos da população brasileira. A revisão acarretaria, assim, piora na distribuição de renda. Além disso, o governo abriria mão de receita se fizesse o ajuste na tabela de acordo com a inflação. E não é segredo para ninguém: o governo está com a corda no pescoço, precisando desesperadamente de dinheiro. Por isso, para  compensar essa queda de arrecadação com o IR, precisaria fazer mais dívida, ou cortar gastos, ou ainda aumentar outros impostos. A dívida pública brasileira já é alta e cara (pagamos juros bem elevados aos credores do setor público); aumentá-la só amplificaria o problema. Não parece ser uma boa opção. Lembre também que a dívida precisará ser saldada no futuro, o que implica redução de gastos e/ou aumento de impostos lá na frente. Cortar gastos hoje é também difícil, haja vista que mais de 90% da despesa primária consiste em gastos obrigatórios, ou seja, aqueles que o governo tem de fazer por lei. Entre eles a Previdência Social, que está em trajetória forte de crescimento. Sem mexer nessas coisas (que envolvem mudança constitucional), é difícil vislumbrar uma queda consistente dos gastos públicos ao longo do tempo. Assim, para compensar a eventual revisão da tabela do IR, provavelmente ocorreriam aumentos em outros impostos. Dependendo de que impostos subirem, a política pode se tornar ainda mais regressiva (ou seja, que piora a distribuição de renda), caso eles recaiam fortemente sobre a parcela mais pobre da população (se houver aumento de imposto sobre consumo, por exemplo). Uma alternativa seria ajustar as faixas de acordo com a inflação, e ao mesmo tempo aumentar as alíquotas para as rendas mais elevadas. Dessa forma o efeito sobre a distribuição de renda seria mitigado, podendo até haver melhora nessa dimensão. Há inclusive uma proposta em discussão no Congresso nessa linha - veja clicando aqui. Em suma, a não revisão da tabela do IR é, sim, um aumento escondido desse imposto. Mas eventuais ajustes não viriam sem custos, sendo necessário provavelmente aumentar outros impostos. Além disso, a mudança beneficiaria uma parcela relativamente rica da população (ainda que não os super-ricos), piorando a distribuição de renda, exceto se algumas medidas compensatórias forem tomadas – por exemplo, ampliando as alíquotas cobradas dos estratos mais altos de renda. Por fim, vale a pena apontar que o aumento de imposto advindo do não ajuste da tabela é, entretanto, muito pouco transparente. Se o governo precisa de mais recursos, deveria fazer uma discussão aberta com a sociedade, que é quem acaba paga a conta em última instância. Caso deseje aumentar imposto, que faça às claras. Dessa forma poderíamos ter uma discussão informada sobre o tamanho e eficiência do Estado brasileiro, como pagaremos por tudo isso e como esse custo seria distribuído na população.  

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Não revisão da tabela do IR é um aumento de imposto camuflado?

(Foto: Oleg Troino/123rf) Mais uma vez, o governo anunciou que não mexerá na tabela do imposto de renda (IR). Muitas pessoas estão gritando que isso é um aumento camuflado de impostos. E elas têm razão. Vejamos por quê. Na tabela do IR há cinco faixas, cujas alíquotas dependem da renda do indivíduo. Pessoas com remuneração muito baixa são isentas. Mas, à medida que consideramos indivíduos que ganham mais, a alíquota incidente sobe. Veja abaixo: tabela IR Na prática, o imposto que a pessoa deve pagar depende de quanto a sua renda excede o piso da sua faixa. Sei que há um monte de deduções possíveis, mas não as considerarei para deixar a discussão mais simples. Por exemplo, se você ganha R$ 2.500 por mês, você cai na faixa 2. O imposto incide em quanto sua renda excede o valor mais baixo da faixa: R$ 2.500 – R$ 1.903,99 = R$ 596,01. O imposto devido é então dado por esse valor multiplicado pela alíquota da faixa: R$ 596,01 × 7,5% = R$ 44,70. E se seu rendimento cair na faixa 3, por exemplo? Daí você paga todo o imposto referente à faixa 2, mais uma parcela referente ao quanto sua renda excede o piso da sua faixa. Se você ganha R$ 3.000 por mês, a parte referente à faixa 2 é a diferença entre o teto e o piso, vezes a alíquota de 7,5%, isto é, (R$ 2826,65 – R$ 1903,99) × 7,5% = R$ 69,20. Já a parcela que diz respeito à sua faixa é a diferença entre o seu rendimento (3.000) e o piso da faixa (2.826,66), multiplicada pela alíquota correspondente (15%), o que dá R$ 26,00. O imposto total devido é então R$ 69,20 + R$ 26,00 = R$ 95,20. Raciocínio similar se aplica a rendas que caem nas demais faixas. O site da Receita Federal possui uma ferramenta que permite fazer simulações com outros valores - clique aqui. Porém, rendas podem subir simplesmente por causa da inflação, sem que isso signifique que a pessoa está mais rica. Por exemplo, se a inflação no ano é de 3%, e seu rendimento subiu esses mesmos 3%, você está na mesma situação em termos de poder de compra (ou em termos reais). Você está ganhando mais, porém o custo de vida aumentou na mesma proporção. Dizemos que o rendimento real permaneceu igual ao longo do ano. Se o governo não atualiza a tabela do IR, você acaba pagando mais imposto. Isso ocorre porque sua renda acaba ficando mais distante do piso da sua faixa (que se manteve inalterado pela decisão governamental). E o valor sobre o qual incide o imposto sobe, mesmo que você não experimente nenhum ganho real. Considere a pessoa que ganha inicialmente R$ 2.500, e suponha que seu rendimento subiu junto com a inflação (ou seja, sua renda real permaneceu igual). Ou seja, o indivíduo passa a ganhar R$ 2.500 × (1 + 3%) = R$ 2.575. O imposto devido é agora (R$ 2.575,00 – R$ 1.903,99) × 7,5% = R$ 50,32. Lembre que essa pessoa pagava R$ 44,70 antes. Ou seja, houve um acréscimo de R$ 5,46 no imposto pago. Parece pouco, mas equivale a aumento de cerca de 12%, acima dos 3% de inflação. Essa pessoa está, em termos reais, pagando mais imposto. Isso é magnificado, pois alguns indivíduos mudam de faixa por causa da inflação, sendo assim submetidos a alíquotas mais altas. Adicionalmente, algumas pessoas que antes eram isentas ultrapassam o primeiro limiar na tabela, e passam também a contribuir. O argumento acima não vale apenas para casos em que o salário sobe junto com a inflação. Por exemplo, se seu salário não variou de um ano para o outro, seu poder de compra cai por causa da inflação. O imposto real que você paga diminui, mas não tanto quanto deveria dada a redução de renda real que você sofreu. Quem seria afetado por um ajuste na tabela? Um eventual ajuste na tabela do IR beneficiaria justamente as pessoas cujas rendas caem nas faixas em que o imposto incide. Afinal, elas deixariam de ser atingidas pelo aumento escondido na taxação acima discutido. A grande maioria da população, entretanto, ganha menos que isso, e está assim isenta de pagar IR. Para eles não mudaria nada. Não estou dizendo que os super-super-ricos se dão bem com a mudança. Como a renda deles já está muito além do piso da faixa mais alta, a inflação pouco impacta o imposto a ser pago em termos reais. Considere nosso exemplo anterior, com um indivíduo que tem sua renda aumentada apenas pela inflação. Alguém que ganha inicialmente R$ 100.000 por mês teria um aumento de pouco mais de 3% no imposto a ser pago em caso de não revisão da tabela; como a inflação suposta foi de 3%, essa pessoa sofreria variação bem pequena no imposto pago em termos reais. De qualquer forma, as pessoas atingidas pela eventual revisão estão entre os estratos mais ricos da população brasileira. A revisão acarretaria, assim, piora na distribuição de renda. Além disso, o governo abriria mão de receita se fizesse o ajuste na tabela de acordo com a inflação. E não é segredo para ninguém: o governo está com a corda no pescoço, precisando desesperadamente de dinheiro. Por isso, para  compensar essa queda de arrecadação com o IR, precisaria fazer mais dívida, ou cortar gastos, ou ainda aumentar outros impostos. A dívida pública brasileira já é alta e cara (pagamos juros bem elevados aos credores do setor público); aumentá-la só amplificaria o problema. Não parece ser uma boa opção. Lembre também que a dívida precisará ser saldada no futuro, o que implica redução de gastos e/ou aumento de impostos lá na frente. Cortar gastos hoje é também difícil, haja vista que mais de 90% da despesa primária consiste em gastos obrigatórios, ou seja, aqueles que o governo tem de fazer por lei. Entre eles a Previdência Social, que está em trajetória forte de crescimento. Sem mexer nessas coisas (que envolvem mudança constitucional), é difícil vislumbrar uma queda consistente dos gastos públicos ao longo do tempo. Assim, para compensar a eventual revisão da tabela do IR, provavelmente ocorreriam aumentos em outros impostos. Dependendo de que impostos subirem, a política pode se tornar ainda mais regressiva (ou seja, que piora a distribuição de renda), caso eles recaiam fortemente sobre a parcela mais pobre da população (se houver aumento de imposto sobre consumo, por exemplo). Uma alternativa seria ajustar as faixas de acordo com a inflação, e ao mesmo tempo aumentar as alíquotas para as rendas mais elevadas. Dessa forma o efeito sobre a distribuição de renda seria mitigado, podendo até haver melhora nessa dimensão. Há inclusive uma proposta em discussão no Congresso nessa linha - veja clicando aqui. Em suma, a não revisão da tabela do IR é, sim, um aumento escondido desse imposto. Mas eventuais ajustes não viriam sem custos, sendo necessário provavelmente aumentar outros impostos. Além disso, a mudança beneficiaria uma parcela relativamente rica da população (ainda que não os super-ricos), piorando a distribuição de renda, exceto se algumas medidas compensatórias forem tomadas – por exemplo, ampliando as alíquotas cobradas dos estratos mais altos de renda. Por fim, vale a pena apontar que o aumento de imposto advindo do não ajuste da tabela é, entretanto, muito pouco transparente. Se o governo precisa de mais recursos, deveria fazer uma discussão aberta com a sociedade, que é quem acaba paga a conta em última instância. Caso deseje aumentar imposto, que faça às claras. Dessa forma poderíamos ter uma discussão informada sobre o tamanho e eficiência do Estado brasileiro, como pagaremos por tudo isso e como esse custo seria distribuído na população.   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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