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É de pleno conhecimento que, a manter-se o desempenho pífio da produtividade média do trabalhador brasileiro das últimas décadas, não poderemos sonhar com crescimento econômico sustentado e socialmente inclusivo. Aumentos reais de salários serão limitados, o retorno de investimentos privados em atividades produtivas ficará comprimido, a tributação necessária para cobrir gastos públicos será sentida como escorchante…

Como alcançar esse crescimento? Há três grandes linhas de entendimento do problema. Para enfrentá-lo, delas tendem a se desdobrar diferentes propostas de políticas públicas.

Há, por exemplo, aqueles que acreditam estar o desempenho ruim da produtividade média brasileira associado ao conjunto de bens e serviços produzidos no país. Caso tivéssemos mais gente empregada na indústria manufatureira ou em serviços intensivos em tecnologia, segue o argumento, o valor do produto médio por trabalhador seria maior, mesmo com os níveis educacionais e condições gerais de operação das empresas no Brasil das últimas décadas.

Tal crença subjaz na opinião daqueles que propugnam subsídios e proteção comercial a setores determinados. O ônus imposto aos demais, sob a forma de menos recursos públicos disponíveis para outros fins ou de perda de acesso a produtos melhores e mais baratos existentes fora do país, seria mais que compensado pelo esperado ganho com maior operação doméstica nas atividades protegidas. Em geral, os defensores desse ponto de vista reconhecem que os custos serão tão mais altos e a eficácia tão menor quanto mais ampla, longa e sem contrapartidas for tal política, mas consideram que os benefícios valem a pena.

Uma forma particular dessa crença está no argumento dos que dizem que o quadro teria sido diferente caso os últimos governos tivessem forçado a taxa de câmbio, em termos reais, a permanecer em níveis desvalorizados em relação aos colocados pelo mercado. Teria ocorrido maior competitividade e estímulo à produção manufatureira, com supostas vantagens mais que compensando o ônus em termos de menores salários reais – poder de compra – dos trabalhadores. Defensores de tais ideias têm que reconhecer que, para evitar que uma aceleração inflacionária frustrasse tais tentativas de forçar desvalorização real, essas teriam exigido considerável aperto fiscal.

Uma segunda linha de interpretação do problema da baixa produtividade põe a culpa nos baixos níveis de investimento em capital fixo como proporção do PIB brasileiro nas últimas décadas. Com efeito, essa taxa tem-se mantido igual ou inferior a 20% e a ampliação do estoque de capital pouco tem contribuído para aumentar a produtividade do trabalho.

Em algumas versões dessa crença, resiste a noção de que aprendizado tecnológico e produtividade do trabalhador dependem primordialmente das máquinas e equipamentos operados por este. Segue-se uma prescrição de que vale a pena dar subsídios fiscais ou creditícios ao investimento privado e até forçar a barra no lado fiscal com investimentos públicos, já que saltos no volume de capital fixo e consequentemente da produtividade do trabalhador mudariam a trajetória, instaurando círculos virtuosos de crescimento econômico e produtividade que mais que pagariam a conta fiscal. Pode-se ver essa crença ancorando o que fez o governo Dilma.

A terceira linha dá predominância a fatores intangíveis, de âmbito mais horizontal e dissociados de bens e serviços em particular como nos casos anteriores. Só com a melhora em tais fatores haveria aumentos de produtividade que tornariam sustentáveis e atraentes tanto os maiores investimentos fixos quanto a presença em atividades produtivas com maior conteúdo tecnológico e apropriação de valor para os resultados do trabalho. Investimento e empregos de qualidade seriam mais consequência que causa. Para além de melhores níveis educacionais e formação técnica da população em geral, incluem-se, entre tais fatores intangíveis, disponibilidade de infraestrutura e um ambiente de negócios que não implique desperdícios e má alocação de recursos.

Ilustro esse argumento citando um exercício simples de simulação feito por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que Fernanda de Negri, do Ipea, e eu reproduzimos num texto publicado pela Revista Brasileira de Comércio Exterior (link). Suponha que, em 2009, o emprego brasileiro tivesse uma composição setorial igual à dos Estados Unidos: mesmo com os níveis setoriais de produtividade que tínhamos então, a produtividade média do trabalhador teria um valor quase 70% maior. Por outro lado, ainda que com a estrutura setorial de emprego daquele ano, tal valor seria quase 600% superior se as produtividades em cada setor no Brasil fossem iguais às daquele país!

Tais resultados fortalecem a crença de que fatores mais gerais e horizontais predominam na baixa performance da produtividade do trabalho no Brasil. Em vez de atribuirmos vida aos resultados da produção – manufaturas ou bens de capital – melhor focarmos no ambiente em que operam. Até porque voluntarismos exacerbados com base em tal fetichismo tendem a ter efeitos deletérios sobre o que realmente pesa mais.

 

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp.


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO


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É de pleno conhecimento que, a manter-se o desempenho pífio da produtividade média do trabalhador brasileiro das últimas décadas, não poderemos sonhar com crescimento econômico sustentado e socialmente inclusivo. Aumentos reais de salários serão limitados, o retorno de investimentos privados em atividades produtivas ficará comprimido, a tributação necessária para cobrir gastos públicos será sentida como escorchante…

Como alcançar esse crescimento? Há três grandes linhas de entendimento do problema. Para enfrentá-lo, delas tendem a se desdobrar diferentes propostas de políticas públicas.

Há, por exemplo, aqueles que acreditam estar o desempenho ruim da produtividade média brasileira associado ao conjunto de bens e serviços produzidos no país. Caso tivéssemos mais gente empregada na indústria manufatureira ou em serviços intensivos em tecnologia, segue o argumento, o valor do produto médio por trabalhador seria maior, mesmo com os níveis educacionais e condições gerais de operação das empresas no Brasil das últimas décadas.

Tal crença subjaz na opinião daqueles que propugnam subsídios e proteção comercial a setores determinados. O ônus imposto aos demais, sob a forma de menos recursos públicos disponíveis para outros fins ou de perda de acesso a produtos melhores e mais baratos existentes fora do país, seria mais que compensado pelo esperado ganho com maior operação doméstica nas atividades protegidas. Em geral, os defensores desse ponto de vista reconhecem que os custos serão tão mais altos e a eficácia tão menor quanto mais ampla, longa e sem contrapartidas for tal política, mas consideram que os benefícios valem a pena.

Uma forma particular dessa crença está no argumento dos que dizem que o quadro teria sido diferente caso os últimos governos tivessem forçado a taxa de câmbio, em termos reais, a permanecer em níveis desvalorizados em relação aos colocados pelo mercado. Teria ocorrido maior competitividade e estímulo à produção manufatureira, com supostas vantagens mais que compensando o ônus em termos de menores salários reais – poder de compra – dos trabalhadores. Defensores de tais ideias têm que reconhecer que, para evitar que uma aceleração inflacionária frustrasse tais tentativas de forçar desvalorização real, essas teriam exigido considerável aperto fiscal.

Uma segunda linha de interpretação do problema da baixa produtividade põe a culpa nos baixos níveis de investimento em capital fixo como proporção do PIB brasileiro nas últimas décadas. Com efeito, essa taxa tem-se mantido igual ou inferior a 20% e a ampliação do estoque de capital pouco tem contribuído para aumentar a produtividade do trabalho.

Em algumas versões dessa crença, resiste a noção de que aprendizado tecnológico e produtividade do trabalhador dependem primordialmente das máquinas e equipamentos operados por este. Segue-se uma prescrição de que vale a pena dar subsídios fiscais ou creditícios ao investimento privado e até forçar a barra no lado fiscal com investimentos públicos, já que saltos no volume de capital fixo e consequentemente da produtividade do trabalhador mudariam a trajetória, instaurando círculos virtuosos de crescimento econômico e produtividade que mais que pagariam a conta fiscal. Pode-se ver essa crença ancorando o que fez o governo Dilma.

A terceira linha dá predominância a fatores intangíveis, de âmbito mais horizontal e dissociados de bens e serviços em particular como nos casos anteriores. Só com a melhora em tais fatores haveria aumentos de produtividade que tornariam sustentáveis e atraentes tanto os maiores investimentos fixos quanto a presença em atividades produtivas com maior conteúdo tecnológico e apropriação de valor para os resultados do trabalho. Investimento e empregos de qualidade seriam mais consequência que causa. Para além de melhores níveis educacionais e formação técnica da população em geral, incluem-se, entre tais fatores intangíveis, disponibilidade de infraestrutura e um ambiente de negócios que não implique desperdícios e má alocação de recursos.

Ilustro esse argumento citando um exercício simples de simulação feito por técnicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que Fernanda de Negri, do Ipea, e eu reproduzimos num texto publicado pela Revista Brasileira de Comércio Exterior (link). Suponha que, em 2009, o emprego brasileiro tivesse uma composição setorial igual à dos Estados Unidos: mesmo com os níveis setoriais de produtividade que tínhamos então, a produtividade média do trabalhador teria um valor quase 70% maior. Por outro lado, ainda que com a estrutura setorial de emprego daquele ano, tal valor seria quase 600% superior se as produtividades em cada setor no Brasil fossem iguais às daquele país!

Tais resultados fortalecem a crença de que fatores mais gerais e horizontais predominam na baixa performance da produtividade do trabalho no Brasil. Em vez de atribuirmos vida aos resultados da produção – manufaturas ou bens de capital – melhor focarmos no ambiente em que operam. Até porque voluntarismos exacerbados com base em tal fetichismo tendem a ter efeitos deletérios sobre o que realmente pesa mais.

 

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente do Brookings Institute e diretor do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor-executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp.





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