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Não bastasse a covid-19 para dificultar a vida do brasileiro, surgem sinais de outro patógeno de grande poder de devastação na região de Brasília: trata-se do vírus do populismo econômico. É verdade que ele circula no Brasil desde a época de Cabral. Mas, ainda assim, não conseguimos arrancar dos laboratórios uma vacina para todas as cepas que circulam por aí. A última surgiu recentemente no Senado, e se bobearmos, vai chegar a toda população muito rapidamente. Hora de incomodar o seu senador, caro leitor. 

Políticos – com as exceções que comprovam a regra, obviamente – gostam de apontar bodes expiatórios, de jogar para a plateia e indicar culpados. Sobretudo em momentos difíceis. Com a economia indo para o buraco e os poderes com dificuldade de implementar planos eficazes, ainda que pouco grandiosos, o Senado se volta contra o sistema financeiro. O problema é que mesmo direcionando a bazuca aos bancos, parte enorme dos danos vai cair no colo da sociedade – de novo.  

Comecemos pelo desastroso PL 1.166/2020, do senador Alvaro Dias, que propõe um teto para o juro cobrado no cheque especial e no cartão de crédito de 20% ao ano. Ao mesmo tempo, impede os bancos de reagir a isso reduzindo os limites de crédito hoje em vigor. É de dar inveja aos planejadores centrais soviéticos e é, obviamente, inconstitucional. 

Vamos por partes.

Em primeiro lugar, vejamos as consequências de uma vertente menos amalucada do projeto, a que fixa apenas preços máximos. Porque sim, o juro é um preço, o preço do crédito (como a taxa de câmbio, que é o preço da moeda nacional). Numa economia no estilo da União Soviética, o governo fixa o preço da banana, do aluguel, do lápis, do sabonete e também o da taxa de empréstimos dos bancos. O problema, claro, é que são os preços livres que sinalizam para a sociedade a escassez relativa das coisas, ou seja, quanto custa produzir e quanto as pessoas anseiam por cada um dos milhares de itens produzidos na economia. 

Se o governo fixa o preço do café em 4 reais, enquanto o preço de mercado dele é de 12 reais, o que você acha que vai acontecer? Digamos que a intenção é estimular o consumo de café para que as pessoas fiquem acordadas até mais tarde estudando matemática. O objetivo, apesar de muito nobre, não será alcançado. Porque não faz sentido pensar apenas na demanda por café, que sem dúvida cresceria. Temos que olhar para a oferta também! O produtor de café tem um monte de custos, e também a opção de simplesmente não produzir café a um preço que não lhe pareça razoável. Com a medida pró-consumo-do-café aprovada no Senado, as pessoas terão menos acesso a café (prejudicando assim o aprendizado de matemática!). 

O mesmíssimo vale para o cartão de crédito e para o cheque especial. Com limite de 20% ao ano, a oferta desse produto vai despencar, pois ele deixa de ser interessante para os bancos. Apenas alguns poucos ungidos terão acesso a esses produtos a essas taxas. E serão justamente os que menos precisam. Se o Senado quer destruir esse mercado, beleza, está na rota certa. Por favor, que o leitor não confunda isso com não querermos ver os bancos competindo mais entre si e com outros agentes. A competição bancária precisa crescer para que os juros caiam, mas fixar preço máximo em uma ordem de magnitude abaixo das taxas de mercado não aumenta a competição entre os bancos. O que o faz são o cadastro positivo, o open banking e os incentivos às fintech. Dado o patamar realmente muito elevado das taxas de empréstimo no Brasil, nós do PQ? estamos abertos inclusive a experimentalismos de natureza não ortodoxa. Mas não a loucuras como o PL 1.166/2020. 

Veja que estávamos comentando sobre a ideia de fixar tetos de juros muito abaixo dos patamares atuais. Mas, aparentemente, a proposta é ainda pior: quer fazer isso sem deixar que os bancos ajustem o volume de crédito concedido aos clientes por meio de tais instrumentos. É como se o seu chefe cortasse seu salário a 20% do que você ganha hoje e o impedisse de pedir demissão ou de chegar (bastante) atrasado todo dia. É mucho loco. Não passa, mas se passar gera apenas uma crise bancária de proporções épicas. E mesmo não passando sequer a versão que não proíbe redução de volumes, só o fato de o Senado estar cogitando uma sandice dessas já envia um sinal bem ruim aos mercados. 

Outro PL em discussão é o 911 – talvez o número derive da emergência em levantarmos recursos fiscais para enfrentar o coronavírus. Esse projeto propõe elevar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos de 20% para 50%. Mas quem aumenta imposto no meio de uma recessão? E pondo de lado essa primeira obviedade, por que o dos bancos, visto que eles já pagam mais imposto que todos os outros setores da economia (alíquota efetiva de 45% contra 35% do restante)? Talvez ainda mais incompreensível para um economista: o objetivo não é reduzir os juros? Se você aumenta o imposto sobre o feijão, parte disso termina num preço mais caro para o consumidor – e parte num valor mais baixo entrando no caixa do produtor. O mesmo, e isso deveria ser óbvio, vai acontecer com o preço do crédito: mais impostos, juro ao consumidor maior. 

Será que forçar os senadores a lavar as mãos muitas vezes por dia ajuda no combate ao vírus do populismo? Caso você conclua que não, fica um pedido nosso: enviar àquele em quem você votou este texto aqui.


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O outro vírus

Não bastasse a covid-19 para dificultar a vida do brasileiro, surgem sinais de outro patógeno de grande poder de devastação na região de Brasília: trata-se do vírus do populismo econômico. É verdade que ele circula no Brasil desde a época de Cabral. Mas, ainda assim, não conseguimos arrancar dos laboratórios uma vacina para todas as cepas que circulam por aí. A última surgiu recentemente no Senado, e se bobearmos, vai chegar a toda população muito rapidamente. Hora de incomodar o seu senador, caro leitor. 

Políticos – com as exceções que comprovam a regra, obviamente – gostam de apontar bodes expiatórios, de jogar para a plateia e indicar culpados. Sobretudo em momentos difíceis. Com a economia indo para o buraco e os poderes com dificuldade de implementar planos eficazes, ainda que pouco grandiosos, o Senado se volta contra o sistema financeiro. O problema é que mesmo direcionando a bazuca aos bancos, parte enorme dos danos vai cair no colo da sociedade – de novo.  

Comecemos pelo desastroso PL 1.166/2020, do senador Alvaro Dias, que propõe um teto para o juro cobrado no cheque especial e no cartão de crédito de 20% ao ano. Ao mesmo tempo, impede os bancos de reagir a isso reduzindo os limites de crédito hoje em vigor. É de dar inveja aos planejadores centrais soviéticos e é, obviamente, inconstitucional. 

Vamos por partes.

Em primeiro lugar, vejamos as consequências de uma vertente menos amalucada do projeto, a que fixa apenas preços máximos. Porque sim, o juro é um preço, o preço do crédito (como a taxa de câmbio, que é o preço da moeda nacional). Numa economia no estilo da União Soviética, o governo fixa o preço da banana, do aluguel, do lápis, do sabonete e também o da taxa de empréstimos dos bancos. O problema, claro, é que são os preços livres que sinalizam para a sociedade a escassez relativa das coisas, ou seja, quanto custa produzir e quanto as pessoas anseiam por cada um dos milhares de itens produzidos na economia. 

Se o governo fixa o preço do café em 4 reais, enquanto o preço de mercado dele é de 12 reais, o que você acha que vai acontecer? Digamos que a intenção é estimular o consumo de café para que as pessoas fiquem acordadas até mais tarde estudando matemática. O objetivo, apesar de muito nobre, não será alcançado. Porque não faz sentido pensar apenas na demanda por café, que sem dúvida cresceria. Temos que olhar para a oferta também! O produtor de café tem um monte de custos, e também a opção de simplesmente não produzir café a um preço que não lhe pareça razoável. Com a medida pró-consumo-do-café aprovada no Senado, as pessoas terão menos acesso a café (prejudicando assim o aprendizado de matemática!). 

O mesmíssimo vale para o cartão de crédito e para o cheque especial. Com limite de 20% ao ano, a oferta desse produto vai despencar, pois ele deixa de ser interessante para os bancos. Apenas alguns poucos ungidos terão acesso a esses produtos a essas taxas. E serão justamente os que menos precisam. Se o Senado quer destruir esse mercado, beleza, está na rota certa. Por favor, que o leitor não confunda isso com não querermos ver os bancos competindo mais entre si e com outros agentes. A competição bancária precisa crescer para que os juros caiam, mas fixar preço máximo em uma ordem de magnitude abaixo das taxas de mercado não aumenta a competição entre os bancos. O que o faz são o cadastro positivo, o open banking e os incentivos às fintech. Dado o patamar realmente muito elevado das taxas de empréstimo no Brasil, nós do PQ? estamos abertos inclusive a experimentalismos de natureza não ortodoxa. Mas não a loucuras como o PL 1.166/2020. 

Veja que estávamos comentando sobre a ideia de fixar tetos de juros muito abaixo dos patamares atuais. Mas, aparentemente, a proposta é ainda pior: quer fazer isso sem deixar que os bancos ajustem o volume de crédito concedido aos clientes por meio de tais instrumentos. É como se o seu chefe cortasse seu salário a 20% do que você ganha hoje e o impedisse de pedir demissão ou de chegar (bastante) atrasado todo dia. É mucho loco. Não passa, mas se passar gera apenas uma crise bancária de proporções épicas. E mesmo não passando sequer a versão que não proíbe redução de volumes, só o fato de o Senado estar cogitando uma sandice dessas já envia um sinal bem ruim aos mercados. 

Outro PL em discussão é o 911 – talvez o número derive da emergência em levantarmos recursos fiscais para enfrentar o coronavírus. Esse projeto propõe elevar a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos bancos de 20% para 50%. Mas quem aumenta imposto no meio de uma recessão? E pondo de lado essa primeira obviedade, por que o dos bancos, visto que eles já pagam mais imposto que todos os outros setores da economia (alíquota efetiva de 45% contra 35% do restante)? Talvez ainda mais incompreensível para um economista: o objetivo não é reduzir os juros? Se você aumenta o imposto sobre o feijão, parte disso termina num preço mais caro para o consumidor – e parte num valor mais baixo entrando no caixa do produtor. O mesmo, e isso deveria ser óbvio, vai acontecer com o preço do crédito: mais impostos, juro ao consumidor maior. 

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