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							O mercado global de títulos públicos tem atravessado uma forte turbulência. Nos Estados Unidos, as taxas de juros de títulos de 10 anos saltaram de 3,8% ao ano no final do segundo trimestre até patamares acima de 4,7% na semana passada. A turbulência se transmitiu ao resto do mundo e, na Europa, reavivou temores quanto a crises fiscais em países com dívidas públicas elevadas, como a Itália, além de dificultar a fixação do banco central japonês em manter taxas de juros muito baixas.

Que causas podem ser apontadas como explicação para elevações nas taxas de juros nos títulos de longa duração em relação às taxas nos mercados monetários, que refletem as taxas básicas implementadas por bancos centrais? Duas são possíveis. Uma diz respeito às expectativas quanto a taxas futuras a serem estabelecidas pelos bancos centrais, enquanto outra reflete os prêmios exigidos por compradores para incorrer no risco de prazos, ou seja, por ficarem sujeitos a surpresas quanto à evolução de taxas de juros esperadas.

Nos Estados Unidos, podem-se apontar as expectativas quanto a taxas futuras como um fator ligado à alta recente. Até os últimos dois meses, o mercado estava apostando que o Federal Reserve (Fed) seria levado a iniciar um ciclo de redução de taxas ainda esse ano ou no início do próximo. Tal aposta perdeu força e o recado do Fed de que taxas já altas vão permanecer “mais altas por mais tempo” passou a ser ouvido.

No entanto, há motivos para considerar que mudanças no “prêmio pelo prazo” têm sido o fator mais influente na subida acentuada das últimas semanas. O Fed de Nova York oferece diariamente uma estimativa do “prêmio pelo prazo” nos títulos do Tesouro de 10 anos. De agosto para cá, uma subida de 0,7 ponto percentual explicaria o aumento de taxas neste período.

Esse aumento no prêmio parece estar refletindo a evolução de oferta e demanda por títulos mais longos. Segue o “aperto quantitativo” aplicado pelo Fed, ao mesmo tempo que a emissão de nova dívida se elevou – nos Estados Unidos e alhures. A hipótese de uma queda nos estoques de títulos de dívida pública dos Estados Unidos detidos pela China, por sua vez, tem sido contestada por Brian Setser, do Conselho de Relações Exteriores (CFR, em inglês).

O fato é que analistas e autoridades monetárias nos Estados Unidos têm elevado suas estimativas da “taxa natural de juros”, ou seja, do nível até onde juros terão que ir para estarem ausentes as pressões inflacionárias e deflacionárias. O âmbito global desse aumento se expressa no aumento das taxas reais de juros encaradas pela Itália e pela Grécia. Enquanto nos Estados Unidos tem-se uma resistência do crescimento e da criação de empregos (336 mil em setembro), juros mais altos estão ocorrendo num contexto de estagflação na Zona do Euro.

E quanto às consequências da subida dos juros longos? Mohamed El-Erian disse que, provavelmente, "alguma coisa vai quebrar". A venda massiva em escala global de títulos de dívida pública, com consequente aumento de juros e de custos de captação para os níveis mais elevados em mais de uma década, significa perdas potencialmente pesadas para bancos, seguradoras, fundos de pensões e gestores de ativos que têm em carteira bilhões de dólares em dívida soberana e corporativa, acumulados nos últimos anos com carrego de taxas de juros bem mais baixas.

Vimos o efeito disso sobre bancos regionais e médios dos Estados Unidos em março, levando à falência do Banco do Vale do Silício e outros. A saída de depositantes para o mercado monetário e as perdas não realizadas pela retenção em carteira de papéis com juros mais baixos foram letais para alguns, algo domesticado apenas com a posterior extensão de garantias de depósitos e linhas de crédito público. Na Zona do Euro, o Banco Central Europeu vê baixa probabilidade de choques similares, já que as carteiras dos bancos são desenhadas para ser detidas até a maturidade dos ativos, além do possível recurso a mercados de recompra e outras medidas que evitem a liquidação de carteiras.

Seguradoras e fundos de pensão podem manter em carteira seus ativos até a maturidade, estando menos sujeitos a perdas não realizadas. O que não pode ocorrer é alguma corrida de liquidação de seus ativos, quer por causa de estratégias de alavancagem – como ocorreu no Reino Unido –, quer por demanda de seus credores.

O maior foco de preocupação é o sistema de bancos paralelos (shadow banks) ou intermediários financeiros não sujeitos a regulamentação. Estão aí os fundos de hedge, fundos de private equity, credores hipotecários e até mesmo grandes bancos de investimento. Desde a crise financeira global de 2008, houve uma espécie de “metamorfose” nas finanças nacionais e internacionais, com a retração de bancos comerciais na intermediação financeira e a ocupação de espaço por essas instituições. Agora, teme-se que a opacidade na exposição a riscos dessas instituições não sujeitas a regulação, como a bancária, esteja escondendo forte vulnerabilidade a subidas abruptas nas taxas de juros.

Juros mais altos nos Estados Unidos e no resto do mundo reforçam a tendência de desaceleração no crescimento da economia global.

E o Brasil e as demais economias emergentes? Os diferenciais de taxas de juros e a aversão ao risco impactam as moedas dos mercados emergentes em geral, incluindo o real. Desde julho, as moedas desses países têm na média se depreciado, em grande medida por conta de refluxos no ingresso de capital externo. O comportamento da taxa de câmbio tem uma transmissão para a inflação, mas continuamos achando que o Banco Central do Brasil permanecerá cortando 50 pontos básicos em suas próximas reuniões, com a desvalorização cambial compensada por outros determinantes da inflação.

Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S. PAULO 

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O que está acontecendo com taxas longas de juros na economia global

O mercado global de títulos públicos tem atravessado uma forte turbulência. Nos Estados Unidos, as taxas de juros de títulos de 10 anos saltaram de 3,8% ao ano no final do segundo trimestre até patamares acima de 4,7% na semana passada. A turbulência se transmitiu ao resto do mundo e, na Europa, reavivou temores quanto a crises fiscais em países com dívidas públicas elevadas, como a Itália, além de dificultar a fixação do banco central japonês em manter taxas de juros muito baixas.

Que causas podem ser apontadas como explicação para elevações nas taxas de juros nos títulos de longa duração em relação às taxas nos mercados monetários, que refletem as taxas básicas implementadas por bancos centrais? Duas são possíveis. Uma diz respeito às expectativas quanto a taxas futuras a serem estabelecidas pelos bancos centrais, enquanto outra reflete os prêmios exigidos por compradores para incorrer no risco de prazos, ou seja, por ficarem sujeitos a surpresas quanto à evolução de taxas de juros esperadas.

Nos Estados Unidos, podem-se apontar as expectativas quanto a taxas futuras como um fator ligado à alta recente. Até os últimos dois meses, o mercado estava apostando que o Federal Reserve (Fed) seria levado a iniciar um ciclo de redução de taxas ainda esse ano ou no início do próximo. Tal aposta perdeu força e o recado do Fed de que taxas já altas vão permanecer “mais altas por mais tempo” passou a ser ouvido.

No entanto, há motivos para considerar que mudanças no “prêmio pelo prazo” têm sido o fator mais influente na subida acentuada das últimas semanas. O Fed de Nova York oferece diariamente uma estimativa do “prêmio pelo prazo” nos títulos do Tesouro de 10 anos. De agosto para cá, uma subida de 0,7 ponto percentual explicaria o aumento de taxas neste período.

Esse aumento no prêmio parece estar refletindo a evolução de oferta e demanda por títulos mais longos. Segue o “aperto quantitativo” aplicado pelo Fed, ao mesmo tempo que a emissão de nova dívida se elevou – nos Estados Unidos e alhures. A hipótese de uma queda nos estoques de títulos de dívida pública dos Estados Unidos detidos pela China, por sua vez, tem sido contestada por Brian Setser, do Conselho de Relações Exteriores (CFR, em inglês).

O fato é que analistas e autoridades monetárias nos Estados Unidos têm elevado suas estimativas da “taxa natural de juros”, ou seja, do nível até onde juros terão que ir para estarem ausentes as pressões inflacionárias e deflacionárias. O âmbito global desse aumento se expressa no aumento das taxas reais de juros encaradas pela Itália e pela Grécia. Enquanto nos Estados Unidos tem-se uma resistência do crescimento e da criação de empregos (336 mil em setembro), juros mais altos estão ocorrendo num contexto de estagflação na Zona do Euro.

E quanto às consequências da subida dos juros longos? Mohamed El-Erian disse que, provavelmente, "alguma coisa vai quebrar". A venda massiva em escala global de títulos de dívida pública, com consequente aumento de juros e de custos de captação para os níveis mais elevados em mais de uma década, significa perdas potencialmente pesadas para bancos, seguradoras, fundos de pensões e gestores de ativos que têm em carteira bilhões de dólares em dívida soberana e corporativa, acumulados nos últimos anos com carrego de taxas de juros bem mais baixas.

Vimos o efeito disso sobre bancos regionais e médios dos Estados Unidos em março, levando à falência do Banco do Vale do Silício e outros. A saída de depositantes para o mercado monetário e as perdas não realizadas pela retenção em carteira de papéis com juros mais baixos foram letais para alguns, algo domesticado apenas com a posterior extensão de garantias de depósitos e linhas de crédito público. Na Zona do Euro, o Banco Central Europeu vê baixa probabilidade de choques similares, já que as carteiras dos bancos são desenhadas para ser detidas até a maturidade dos ativos, além do possível recurso a mercados de recompra e outras medidas que evitem a liquidação de carteiras.

Seguradoras e fundos de pensão podem manter em carteira seus ativos até a maturidade, estando menos sujeitos a perdas não realizadas. O que não pode ocorrer é alguma corrida de liquidação de seus ativos, quer por causa de estratégias de alavancagem – como ocorreu no Reino Unido –, quer por demanda de seus credores.

O maior foco de preocupação é o sistema de bancos paralelos (shadow banks) ou intermediários financeiros não sujeitos a regulamentação. Estão aí os fundos de hedge, fundos de private equity, credores hipotecários e até mesmo grandes bancos de investimento. Desde a crise financeira global de 2008, houve uma espécie de “metamorfose” nas finanças nacionais e internacionais, com a retração de bancos comerciais na intermediação financeira e a ocupação de espaço por essas instituições. Agora, teme-se que a opacidade na exposição a riscos dessas instituições não sujeitas a regulação, como a bancária, esteja escondendo forte vulnerabilidade a subidas abruptas nas taxas de juros.

Juros mais altos nos Estados Unidos e no resto do mundo reforçam a tendência de desaceleração no crescimento da economia global.

E o Brasil e as demais economias emergentes? Os diferenciais de taxas de juros e a aversão ao risco impactam as moedas dos mercados emergentes em geral, incluindo o real. Desde julho, as moedas desses países têm na média se depreciado, em grande medida por conta de refluxos no ingresso de capital externo. O comportamento da taxa de câmbio tem uma transmissão para a inflação, mas continuamos achando que o Banco Central do Brasil permanecerá cortando 50 pontos básicos em suas próximas reuniões, com a desvalorização cambial compensada por outros determinantes da inflação.

Otaviano Canuto foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no Ministério da Fazenda e professor da USP e da Unicamp. Atualmente é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não-residente da Brookings Institution, professor na Elliott School of International Affairs da George Washington University e professor afiliado na Universidade Mohammed VI. Fez mestrado na Concordia University em Montreal e doutorado na Unicamp, ambos em economia.

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