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Por Priscilla Borin Claro *



Antes de nos aprofundarmos no decreto do presidente Michel Temer em relação à exploração mineral na Amazônia – motivo de tanta polêmica nos últimos dias –, alguns esclarecimentos são necessários.

O que é a Renca?

É uma área de reserva mineral na qual as pesquisas e a exploração, segundo Decreto de 1984, somente poderiam ser conduzidas pelo Estado.

O que mudaria com a publicação do Decreto que extingue a Renca?

A área se tornaria passível de exploração pelo setor privado. O previsto era que aproximadamente 30% da região fosse liberada para a exploração privada de minérios tais como ouro, manganês, cobre, ferro e outros. O argumento do governo era atrair investimentos para a área a fim de dinamizar a economia do país, pois a medida seria capaz de revitalizar a mineração brasileira.

E que polêmica é essa?

A decisão e a forma como foi comunicada geraram vários ruídos, o que fez o governo voltar atrás e pedir tempo para consultar múltiplos stakeholders por meio do recém-criado Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca. Um dos ruídos foi que a área liberada para exploração seria de preservação ambiental, o que não é verdade. A área liberada para exploração privada seria somente a de reserva mineral. Segundo o texto do Decreto já revogado, a permissão para as atividades "se aplica apenas às áreas onde não haja restrições de outra natureza, como proteção da vegetação nativa, unidades de conservação, terras indígenas e áreas em faixas de fronteira”. Ou seja, as Unidades de Conservação (UCs), de proteção integral, parcial ou mesmo as terras indígenas seriam mantidas. Isto, pelo menos, é o que estava no papel. Mas aqui vale um aprofundamento fundamentado em dois argumentos. O primeiro argumento se refere à natureza da atividade mineradora e de seus impactos diretos e indiretos. Sabemos que a atividade mineradora tradicional é uma atividade poluidora, com reduzidos benefícios para a população local. É óbvio que, dependendo da forma como a atividade seja empregada e do nível de integração das comunidades locais na cadeia de valor, é possível reduzir os impactos diretos negativos. Por outro lado, existem alguns potenciais impactos indiretos ligados à mineração. Uma exploração mineral pode incentivar a migração para a área explorada, o que gera mais pressão na floresta e, consequentemente, desmatamento ilegal, incêndios, perda da biodiversidade e comprometimento dos recursos hídricos. Em paralelo, é comum que haja acirramento de conflitos fundiários e ameaça a povos indígenas e populações tradicionais. O segundo argumento se refere ao padrão corrente de desmatamento em UCs da Amazônia. Recentemente, temos assistido a um aumento do desmatamento e de queimadas em UCs, como mostram as pesquisas do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com base em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para o período de 2015 e 2016. O desmatamento dentro das UCs alcançou quase 2.300 quilômetros quadrados em 2015. Além do aumento na taxa de desmatamento nas áreas protegidas, houve também aumento do peso do corte de árvores em UCs em relação ao total de corte de árvores da região, de 6% para 12% entre 2012 e 2015. O desmatamento foi concentrado em 50 UCs localizadas em fronteira agropecuária ou sob influência de projetos de rodovias e hidrelétricas e próximas de assentamentos rurais (drivers). 23730526_10155137471096344_1581197743_o Além desses drivers demográficos e tecnológicos, o fraco ambiente institucional brasileiro, no que se refere à garantia e à proteção de direitos de propriedade pública e coletiva em especial na Amazônia Legal, não desmotiva o desmatamento. No contexto atual, o risco de ser pego desmatando e o tamanho da punição são relativamente baixos, não inibindo o comportamento devastador. A pergunta que surge é: por que na área do entorno da Renca o padrão seria diferente? A partir dos argumentos levantados acima, não podemos afirmar com certeza que as áreas de proteção ambiental ao redor da Renca serão preservadas. Especialmente se levarmos em conta que quando a Renca foi criada, em 1984, existia apenas uma das nove áreas de conservação que hoje lá estão: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d’Este. Aqui a polêmica é maior,  pois existem algumas sugestões de que boa parte do potencial mineral da Renca esteja nas áreas de conservação criadas posteriormente ao Decreto. Concluindo: é bem possível que a presença de mineradoras nas áreas legalmente abertas à atividade atraiam ainda mais pessoas dispostas a praticar o garimpo ilegal nas unidades de conservação ou áreas protegidas (mineração superficial e com maiores impactos). Diante de todos os possíveis cenários, era esperado ao menos um plano governamental cadenciado para reativação das atividades mineradoras na região. Plano este que não deveria estar focado somente em crescimento econômico e que integrasse as “vozes” dos múltiplos stakeholders. Talvez seja este o contexto da decisão de suspender os efeitos da medida de extinção da Renca. Extrapolando para além da polêmica sobre a Renca, o governo brasileiro poderia utilizar este momento para repensar de forma estruturada o modelo de desenvolvimento da Amazônia. Na minha percepção, o Brasil poderia dar um salto ao investir em modelos de desenvolvimento focados em serviços ambientais da floresta, diversificando para além das commodities. Isso não significa que as commodities sejam “demônios”; pelo contrário, são elas que sustentam nosso país economicamente. Mas isso não justifica continuar fazendo o mesmo para obter os mesmo resultados (ruins) nas dimensões ambientais e sociais — sejam eles aumento de desmatamento ou precários Índices de Desenvolvimento Humano, como é o caso de municípios da Amazônia Legal. Um novo modelo diversificado de uso dos recursos da Amazônia contribuiria não só para a perenidade dos recursos naturais e da cultura local, mas também para honrarmos os compromissos que assumimos internacionalmente em relação ao clima e à biodiversidade. * Priscila é professora adjunta do Insper e dedica-se às disciplinas de Estratégia Organizacional e Competitiva, Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa e Sustentabilidade nos Programas de Graduação, Certificates e L.LC Direito Empresarial.   

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O que está em jogo na Amazônia? Entenda o decreto de Temer

Por Priscilla Borin Claro * Antes de nos aprofundarmos no decreto do presidente Michel Temer em relação à exploração mineral na Amazônia – motivo de tanta polêmica nos últimos dias –, alguns esclarecimentos são necessários. O que é a Renca? É uma área de reserva mineral na qual as pesquisas e a exploração, segundo Decreto de 1984, somente poderiam ser conduzidas pelo Estado. O que mudaria com a publicação do Decreto que extingue a Renca? A área se tornaria passível de exploração pelo setor privado. O previsto era que aproximadamente 30% da região fosse liberada para a exploração privada de minérios tais como ouro, manganês, cobre, ferro e outros. O argumento do governo era atrair investimentos para a área a fim de dinamizar a economia do país, pois a medida seria capaz de revitalizar a mineração brasileira. E que polêmica é essa? A decisão e a forma como foi comunicada geraram vários ruídos, o que fez o governo voltar atrás e pedir tempo para consultar múltiplos stakeholders por meio do recém-criado Comitê de Acompanhamento das Áreas Ambientais da Extinta Renca. Um dos ruídos foi que a área liberada para exploração seria de preservação ambiental, o que não é verdade. A área liberada para exploração privada seria somente a de reserva mineral. Segundo o texto do Decreto já revogado, a permissão para as atividades "se aplica apenas às áreas onde não haja restrições de outra natureza, como proteção da vegetação nativa, unidades de conservação, terras indígenas e áreas em faixas de fronteira”. Ou seja, as Unidades de Conservação (UCs), de proteção integral, parcial ou mesmo as terras indígenas seriam mantidas. Isto, pelo menos, é o que estava no papel. Mas aqui vale um aprofundamento fundamentado em dois argumentos. O primeiro argumento se refere à natureza da atividade mineradora e de seus impactos diretos e indiretos. Sabemos que a atividade mineradora tradicional é uma atividade poluidora, com reduzidos benefícios para a população local. É óbvio que, dependendo da forma como a atividade seja empregada e do nível de integração das comunidades locais na cadeia de valor, é possível reduzir os impactos diretos negativos. Por outro lado, existem alguns potenciais impactos indiretos ligados à mineração. Uma exploração mineral pode incentivar a migração para a área explorada, o que gera mais pressão na floresta e, consequentemente, desmatamento ilegal, incêndios, perda da biodiversidade e comprometimento dos recursos hídricos. Em paralelo, é comum que haja acirramento de conflitos fundiários e ameaça a povos indígenas e populações tradicionais. O segundo argumento se refere ao padrão corrente de desmatamento em UCs da Amazônia. Recentemente, temos assistido a um aumento do desmatamento e de queimadas em UCs, como mostram as pesquisas do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), com base em dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) para o período de 2015 e 2016. O desmatamento dentro das UCs alcançou quase 2.300 quilômetros quadrados em 2015. Além do aumento na taxa de desmatamento nas áreas protegidas, houve também aumento do peso do corte de árvores em UCs em relação ao total de corte de árvores da região, de 6% para 12% entre 2012 e 2015. O desmatamento foi concentrado em 50 UCs localizadas em fronteira agropecuária ou sob influência de projetos de rodovias e hidrelétricas e próximas de assentamentos rurais (drivers). 23730526_10155137471096344_1581197743_o Além desses drivers demográficos e tecnológicos, o fraco ambiente institucional brasileiro, no que se refere à garantia e à proteção de direitos de propriedade pública e coletiva em especial na Amazônia Legal, não desmotiva o desmatamento. No contexto atual, o risco de ser pego desmatando e o tamanho da punição são relativamente baixos, não inibindo o comportamento devastador. A pergunta que surge é: por que na área do entorno da Renca o padrão seria diferente? A partir dos argumentos levantados acima, não podemos afirmar com certeza que as áreas de proteção ambiental ao redor da Renca serão preservadas. Especialmente se levarmos em conta que quando a Renca foi criada, em 1984, existia apenas uma das nove áreas de conservação que hoje lá estão: o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, as Florestas Estaduais do Paru e do Amapá, a Reserva Biológica de Maicuru, a Estação Ecológica do Jari, a Reserva Extrativista Rio Cajari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Rio Iratapuru e as Terras Indígenas Waiãpi e Rio Paru d’Este. Aqui a polêmica é maior,  pois existem algumas sugestões de que boa parte do potencial mineral da Renca esteja nas áreas de conservação criadas posteriormente ao Decreto. Concluindo: é bem possível que a presença de mineradoras nas áreas legalmente abertas à atividade atraiam ainda mais pessoas dispostas a praticar o garimpo ilegal nas unidades de conservação ou áreas protegidas (mineração superficial e com maiores impactos). Diante de todos os possíveis cenários, era esperado ao menos um plano governamental cadenciado para reativação das atividades mineradoras na região. Plano este que não deveria estar focado somente em crescimento econômico e que integrasse as “vozes” dos múltiplos stakeholders. Talvez seja este o contexto da decisão de suspender os efeitos da medida de extinção da Renca. Extrapolando para além da polêmica sobre a Renca, o governo brasileiro poderia utilizar este momento para repensar de forma estruturada o modelo de desenvolvimento da Amazônia. Na minha percepção, o Brasil poderia dar um salto ao investir em modelos de desenvolvimento focados em serviços ambientais da floresta, diversificando para além das commodities. Isso não significa que as commodities sejam “demônios”; pelo contrário, são elas que sustentam nosso país economicamente. Mas isso não justifica continuar fazendo o mesmo para obter os mesmo resultados (ruins) nas dimensões ambientais e sociais — sejam eles aumento de desmatamento ou precários Índices de Desenvolvimento Humano, como é o caso de municípios da Amazônia Legal. Um novo modelo diversificado de uso dos recursos da Amazônia contribuiria não só para a perenidade dos recursos naturais e da cultura local, mas também para honrarmos os compromissos que assumimos internacionalmente em relação ao clima e à biodiversidade. * Priscila é professora adjunta do Insper e dedica-se às disciplinas de Estratégia Organizacional e Competitiva, Gestão Ambiental e Responsabilidade Social Corporativa e Sustentabilidade nos Programas de Graduação, Certificates e L.LC Direito Empresarial.    Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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