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Em 2022 teremos eleições presidenciais. A discussão sobre política econômica ainda está em estágio bastante inicial. Ainda não temos todas as candidaturas definidas, tampouco programas de governo. Porém, já conhecemos boa parte dos dilemas da economia brasileira, e o que esses eventuais programas precisariam conter.


No mês passado, iniciamos uma série com esta motivação, abordando inicialmente a questão das contas públicas ou da política fiscal . Neste texto damos continuidade à discussão, desta vez falando de política monetária.

Como funciona uma política monetária?

A política monetária é atribuição do Banco Central, que controla a quantidade de dinheiro em circulação. Como boa parte dos bancos centrais no mundo, o do Brasil faz a política monetária utilizando uma meta de juros. O Banco Central ajusta a quantidade de moeda na economia de modo a atingir um determinado valor para a taxa básica, conhecida como Selic. E ela acaba influenciando outras taxas de juros na economia.

A principal missão do Banco Central é manter a estabilidade de preços. No Brasil, isso é realizado dentro do sistema de metas de inflação. A meta de um ano é determinada antecipadamente pelo Conselho Monetário Nacional. Em geral, há um centro da meta, e um intervalo de tolerância. Para 2022, por exemplo, o centro da meta é 3,5%, com 1,5% de tolerância para cima e para baixo.

O Banco Central então precisa ajustar sua política monetária de modo a manter a inflação mais próxima da meta. Se a inflação está muito alta, ele tende a aumentar a Selic. Isso puxa outras taxas de juros para cima, o que desestimula consumo e investimento. A atividade econômica esfria, fazendo com que produtores tenham mais dificuldade em aumentar seus preços, o que contribui para diminuir a inflação. Por outro lado, quando a inflação está muito baixa, o Banco Central tende a fazer o contrário, reduzindo a taxa de juros.

Frente a uma inflação elevada, uma subida na Selic pode ainda sinalizar que o Banco Central está preocupado com a estabilidade de preços. Isso ajuda a ajustar as expectativas de inflação para baixo, fazendo com que produtores já comecem a aumentar menos seus preços hoje, contribuindo para baixar a inflação.

Então podemos esperar discussões, entre as candidaturas, em torno da taxa Selic. Alguns presidenciáveis podem argumentar que a Selic está muito alta, e precisa ser reduzida para incentivar a economia e gerar empregos. Outros podem ainda dizer que o Banco Central está muito “frouxo”, e que precisa dar um choque na Selic para domar a inflação.

Nada disso será possível, pelo menos imediatamente.

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou e o presidente Bolsonaro sancionou uma lei que garante autonomia ao Banco Central. Em particular, o presidente e boa parte dos diretores da instituição passaram a ter mandatos fixos de quatro anos, e não coincidentes com os do presidente da República. Isso implica que o próximo chefe do Executivo herdará a quase toda a diretoria do atual Banco Central. Mudanças substanciais só seriam possíveis no meio do mandato do presidente da República.

Além disso, a meta de inflação já é determinada em antecipação. Ou seja, o próximo presidente da República pouco poderá fazer, pelo menos diretamente, para mexer com os rumos da Selic no curto prazo. Promessas de quedas radicais na taxa de juros, por um passe de mágica, são vazias.

Para contornar esta questão, o presidenciável poderia prometer acabar com a autonomia do Banco Central. Mas isso não depende apenas do presidente da República, pois requer a aprovação do Congresso. E traria uma questão adicional.

O ponto da autonomia do Banco Central é blindar a instituição de pressões políticas na definição da política monetária. A movimentação do presidente nesse sentido, principalmente se quiser baixar a Selic, já elevaria as expectativas de inflação. Isso faria com que uma parcela dos produtores passasse a reajustar seus preços em antecipação, trazendo mais inflação, e dificultando a tarefa do Banco Central de manter a estabilidade de preços. Ele provavelmente teria que aumentar a Selic, levando ao resultado contrário ao pretendido.

Mas tudo isso significa que não há nada que o novo presidente possa fazer?

Não. A política monetária não é efetiva em controlar a inflação sem contas públicas arrumadas. Se o governo consistentemente gasta mais do que arrecada, e sua dívida cresce sem controle, há um cenário cada vez mais provável em que o governo imprimirá dinheiro para pagar suas contas, mesmo com um Banco Central no papel autônomo. E isso traria uma inflação alta lá na frente. A consequência é um aumento na expectativa de inflação no presente.

Já presenciamos um movimento nessa direção recentemente, com a PEC dos precatórios e o relaxamento da regra do teto dos gastos. As perspectivas para as contas públicas pioraram, o risco da dívida pública brasileira aumentou, e as expectativas de inflação para 2022 se elevaram. O Banco Central reagiu, apertando o passo na escalada da Selic.

Se quisermos ter taxas de juros e inflação mais baixas, o próximo Presidente da República e o Congresso Nacional precisarão se debruçar sobre essa questão das contas públicas. Provavelmente pensando em uma nova regra que garanta sustentabilidade para a dívida do governo. Isso sim é algo que programas de governo precisam abordar.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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O que um programa de governo precisa conter em política monetária?

Em 2022 teremos eleições presidenciais. A discussão sobre política econômica ainda está em estágio bastante inicial. Ainda não temos todas as candidaturas definidas, tampouco programas de governo. Porém, já conhecemos boa parte dos dilemas da economia brasileira, e o que esses eventuais programas precisariam conter.


No mês passado, iniciamos uma série com esta motivação, abordando inicialmente a questão das contas públicas ou da política fiscal . Neste texto damos continuidade à discussão, desta vez falando de política monetária.

Como funciona uma política monetária?

A política monetária é atribuição do Banco Central, que controla a quantidade de dinheiro em circulação. Como boa parte dos bancos centrais no mundo, o do Brasil faz a política monetária utilizando uma meta de juros. O Banco Central ajusta a quantidade de moeda na economia de modo a atingir um determinado valor para a taxa básica, conhecida como Selic. E ela acaba influenciando outras taxas de juros na economia.

A principal missão do Banco Central é manter a estabilidade de preços. No Brasil, isso é realizado dentro do sistema de metas de inflação. A meta de um ano é determinada antecipadamente pelo Conselho Monetário Nacional. Em geral, há um centro da meta, e um intervalo de tolerância. Para 2022, por exemplo, o centro da meta é 3,5%, com 1,5% de tolerância para cima e para baixo.

O Banco Central então precisa ajustar sua política monetária de modo a manter a inflação mais próxima da meta. Se a inflação está muito alta, ele tende a aumentar a Selic. Isso puxa outras taxas de juros para cima, o que desestimula consumo e investimento. A atividade econômica esfria, fazendo com que produtores tenham mais dificuldade em aumentar seus preços, o que contribui para diminuir a inflação. Por outro lado, quando a inflação está muito baixa, o Banco Central tende a fazer o contrário, reduzindo a taxa de juros.

Frente a uma inflação elevada, uma subida na Selic pode ainda sinalizar que o Banco Central está preocupado com a estabilidade de preços. Isso ajuda a ajustar as expectativas de inflação para baixo, fazendo com que produtores já comecem a aumentar menos seus preços hoje, contribuindo para baixar a inflação.

Então podemos esperar discussões, entre as candidaturas, em torno da taxa Selic. Alguns presidenciáveis podem argumentar que a Selic está muito alta, e precisa ser reduzida para incentivar a economia e gerar empregos. Outros podem ainda dizer que o Banco Central está muito “frouxo”, e que precisa dar um choque na Selic para domar a inflação.

Nada disso será possível, pelo menos imediatamente.

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou e o presidente Bolsonaro sancionou uma lei que garante autonomia ao Banco Central. Em particular, o presidente e boa parte dos diretores da instituição passaram a ter mandatos fixos de quatro anos, e não coincidentes com os do presidente da República. Isso implica que o próximo chefe do Executivo herdará a quase toda a diretoria do atual Banco Central. Mudanças substanciais só seriam possíveis no meio do mandato do presidente da República.

Além disso, a meta de inflação já é determinada em antecipação. Ou seja, o próximo presidente da República pouco poderá fazer, pelo menos diretamente, para mexer com os rumos da Selic no curto prazo. Promessas de quedas radicais na taxa de juros, por um passe de mágica, são vazias.

Para contornar esta questão, o presidenciável poderia prometer acabar com a autonomia do Banco Central. Mas isso não depende apenas do presidente da República, pois requer a aprovação do Congresso. E traria uma questão adicional.

O ponto da autonomia do Banco Central é blindar a instituição de pressões políticas na definição da política monetária. A movimentação do presidente nesse sentido, principalmente se quiser baixar a Selic, já elevaria as expectativas de inflação. Isso faria com que uma parcela dos produtores passasse a reajustar seus preços em antecipação, trazendo mais inflação, e dificultando a tarefa do Banco Central de manter a estabilidade de preços. Ele provavelmente teria que aumentar a Selic, levando ao resultado contrário ao pretendido.

Mas tudo isso significa que não há nada que o novo presidente possa fazer?

Não. A política monetária não é efetiva em controlar a inflação sem contas públicas arrumadas. Se o governo consistentemente gasta mais do que arrecada, e sua dívida cresce sem controle, há um cenário cada vez mais provável em que o governo imprimirá dinheiro para pagar suas contas, mesmo com um Banco Central no papel autônomo. E isso traria uma inflação alta lá na frente. A consequência é um aumento na expectativa de inflação no presente.

Já presenciamos um movimento nessa direção recentemente, com a PEC dos precatórios e o relaxamento da regra do teto dos gastos. As perspectivas para as contas públicas pioraram, o risco da dívida pública brasileira aumentou, e as expectativas de inflação para 2022 se elevaram. O Banco Central reagiu, apertando o passo na escalada da Selic.

Se quisermos ter taxas de juros e inflação mais baixas, o próximo Presidente da República e o Congresso Nacional precisarão se debruçar sobre essa questão das contas públicas. Provavelmente pensando em uma nova regra que garanta sustentabilidade para a dívida do governo. Isso sim é algo que programas de governo precisam abordar.

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