Uma plataforma que vai te ajudar a entender um pouco mais de economia.

														A partir de janeiro, o funcionamento do cheque especial muda. Haverá um teto de 8% ao mês para quem utilizar essa modalidade, e o
cliente que optar por um limite de mais de 500 reais vai precisar pagar uma
tarifa pelo uso desse “seguro”. A medida tem gerado bastante barulho, então caminhemos
devagar e cuidadosamente pelos argumentos.


Comecemos pelo começo: o cheque especial é um serviço que guarda semelhança com um seguro tradicional. Você paga todo mês o seguro do carro para a eventualidade de um acidente ou furto, e você o paga mesmo que termine não usando. O uso do cheque especial também tem essa característica: você precisa dele para emergências, quando seu fluxo de caixa surpreende adversamente e você não tem como evitar ficar negativo. Deixar clara essa semelhança com o seguro tradicional é o primeiro passo para entender por que as mudanças propostas pelo BC fazem sentido.

Note que quando você entra no negativo, o banco incorre num custo. Aquele vermelhinho lá é o banco que cobre (pois alguém tem que receber o cheque que você passou), usando capital dele para pagar suas contas. Portanto, faz sentido você pagar por esse serviço. Mas o que não faz lá muito sentido é o valor que ele cobra para isso hoje em dia, às vezes acima de 10% ao mês (o juro básico da economia é 5% ao ano), e como o serviço está estruturado.

O limite do cheque especial – ou seja, o valor que determina a partir de quanto o banco começa a te cobrar aquela taxa astronômica – é, em geral, bem elevado para as pessoas que possuem mais recursos, e bem apertado para os que possuem menos. Porém, mil reais negativos são mil reais negativos, e tem assim o mesmo custo para o banco que cobra a diferença, venham eles da conta do pobre, da classe média ou do rico.

Porque o limite varia diretamente com a renda, os mais pobres caem mais frequentemente na região pra lá do limite máximo. Assim, mesmo levando em conta as renegociações entre banco e clientes, que reduzem o custo da dívida em várias situações, o que ocorre é um subsídio cruzado esquisito: os mais pobres terminam subsidiando o limite elevado dos outros (que oneram o banco quando ficam negativos, digamos, em 2 mil reais, mas começam a pagar por isso somente quando ficam muito negativos, em, digamos 5 mil reais).

Bancos não são malvados ou bonzinhos: eles apenas maximizam o lucro, como o padeiro perto da sua casa. Clientes mais ricos são mais lucrativos para os bancos, e por isso as instituições financeiras concorrem mais por esses. A concorrência por clientes de baixa renda é menor. Fosse esse mercado plenamente competitivo e a escala pesasse pouco (há um custo fixo comum para empréstimos de mil ou 100 mil reais, o que significa que empréstimos menores são mais custosos para os bancos), isso não seria um problema. Mas mercados plenamente competitivos são mais usuais em livros-texto do que no mundo real. E, ainda que em diversos serviços a competição entre bancos seja acirrada, isso não é verdadeiro para o caso específico do cheque especial.

Os economistas de viés mais liberal costumam condenar controle de preços. E estão absolutamente corretos na imensa maioria dos casos, como já argumentamos aqui diversas vezes. Se as pessoas fossem plenamente racionais, como na maioria dos nossos modelos teóricos, teríamos pouco com que nos preocupar. Mesmo com competição imperfeita, um teto de preços poderia gerar problemas de provimento que mais que compensassem os ganhos.

O fato é que o sujeito do mundo real muitas vezes não faz a conta. “Cheque especial custando mais de 200% ao ano é pra ser usado uma vez na vida, se isso! E pago com a venda da televisão e do anel de casamento, assim que possível.” Toda uma imensa área da literatura econômica, a economia comportamental, indica que as coisas não são bem assim. Principalmente em finanças e em mercados nos quais você participa poucas vezes na vida (compra de casa, por exemplo), nos quais o aprendizado com erros e acertos é infrequente. Sejamos realistas, nesses dois itens aí a gente erra muito. E quanto menor o nível de instrução, é mais provável cair numa enrascada.

O nome técnico do problema é “preferências hiperbólicas”: usualmente damos muito peso e atenção para o aqui e agora, e menos para o amanhã. E a correria do dia a dia absorve muito das nossas possibilidades cognitivas, ou seja, muitas vezes paramos pouco para pensar se estamos fazendo a coisa certa: você está realmente lendo a revista que assina? Seu plano de TV a cabo está valendo a pena?

Voltando ao nosso problema, na prática isso significa, por exemplo, que muita gente toma mais dívida do que deveria, gasta mais do que deveria, ingere mais calorias do que deveria, fuma, bebe demais, estuda menos do que deveria, faz menos atividade física do que deveria etc.

Educação financeira é um caminho poderoso para combatermos esses erros sistemáticos nas finanças pessoais. Mas toma tempo e é imperfeito. Por isso, faz sentido um empurrãozinho na direção correta, um nudge como diz o Nobel Richard Thaler.

As críticas mais comuns que estão pipocando: (i) o governo começa fixando um preço aqui, depois toma gosto; (ii) com o teto (juros mais baixos para alguns), as pessoas vão usar mais esse serviço que queremos desencorajar (justamente por ser inapropriado para uso frequente); (iii) quem não usa vai ter que pagar uma tarifa; (iv) o cheque especial vai acabar por conta desse controle e muitos clientes sairão perdendo.

Sobre a crítica (i), não faz muito sentido o governo extrapolar. Ainda mais no caso de um governo de viés claramente liberal. Se amanhã colocarem teto de 2% ao mês para empréstimos a empresas, a gente vai para as ruas. Em relação a (ii): todas as estimativas disponíveis sugerem que a elasticidade-preço da demanda é baixíssima nesse caso e, de todo modo, não dá para fazer análise olhando apenas para demanda. Os bancos vão, provavelmente, reduzir oferta; o que não é necessariamente ruim dada a hipótese de clientes hiperbólicos e desatentos. O item (iii) é também uma crítica incorreta: hoje a classes média e média alta ficam no negativo sem pagar nada por isso, porque seus limites são elevados (mas, claramente, alguém paga). Quer ter esse serviço disponível para mais do que 500 reais? Pague o seguro e negocie a taxa com o banco. Não quer? Ninguém forçará você a pagar o seguro. Se você não usa cheque especial, opte por isso e não pague nada! Por fim, quanto a (iv), sejamos razoáveis. O teto é de 8% ao mês. É um pé-direito alto, de dar dor de pescoço. Seria realmente surpreendente se os bancos restringissem de modo severo a oferta desse serviço podendo cobrar esses valores. Estivéssemos falando de um teto de 4% ao mês (juros ainda extremamente altos), essa seria uma crítica a ser levada mais a sério.

A medida é boa e foi bem desenhada. Não fere a boa teoria econômica, como aventado por alguns. Tampouco faz milagres na luta por uma taxa de juros de mercado mais baixa. Mas milagres, sabemos bem, não existem. O importante é que vai na direção correta. Para terminar, só chamo a atenção daqueles que podem achar que agora o cheque especial ficou barato. Não ficou não! Ainda está caríssimo! Usar o cheque especial da forma errada, por exemplo entrando nele todo final de mês, ainda é atalho certo para o buraco!


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O teto no cheque especial

A partir de janeiro, o funcionamento do cheque especial muda. Haverá um teto de 8% ao mês para quem utilizar essa modalidade, e o cliente que optar por um limite de mais de 500 reais vai precisar pagar uma tarifa pelo uso desse “seguro”. A medida tem gerado bastante barulho, então caminhemos devagar e cuidadosamente pelos argumentos.


Comecemos pelo começo: o cheque especial é um serviço que guarda semelhança com um seguro tradicional. Você paga todo mês o seguro do carro para a eventualidade de um acidente ou furto, e você o paga mesmo que termine não usando. O uso do cheque especial também tem essa característica: você precisa dele para emergências, quando seu fluxo de caixa surpreende adversamente e você não tem como evitar ficar negativo. Deixar clara essa semelhança com o seguro tradicional é o primeiro passo para entender por que as mudanças propostas pelo BC fazem sentido.

Note que quando você entra no negativo, o banco incorre num custo. Aquele vermelhinho lá é o banco que cobre (pois alguém tem que receber o cheque que você passou), usando capital dele para pagar suas contas. Portanto, faz sentido você pagar por esse serviço. Mas o que não faz lá muito sentido é o valor que ele cobra para isso hoje em dia, às vezes acima de 10% ao mês (o juro básico da economia é 5% ao ano), e como o serviço está estruturado.

O limite do cheque especial – ou seja, o valor que determina a partir de quanto o banco começa a te cobrar aquela taxa astronômica – é, em geral, bem elevado para as pessoas que possuem mais recursos, e bem apertado para os que possuem menos. Porém, mil reais negativos são mil reais negativos, e tem assim o mesmo custo para o banco que cobra a diferença, venham eles da conta do pobre, da classe média ou do rico.

Porque o limite varia diretamente com a renda, os mais pobres caem mais frequentemente na região pra lá do limite máximo. Assim, mesmo levando em conta as renegociações entre banco e clientes, que reduzem o custo da dívida em várias situações, o que ocorre é um subsídio cruzado esquisito: os mais pobres terminam subsidiando o limite elevado dos outros (que oneram o banco quando ficam negativos, digamos, em 2 mil reais, mas começam a pagar por isso somente quando ficam muito negativos, em, digamos 5 mil reais).

Bancos não são malvados ou bonzinhos: eles apenas maximizam o lucro, como o padeiro perto da sua casa. Clientes mais ricos são mais lucrativos para os bancos, e por isso as instituições financeiras concorrem mais por esses. A concorrência por clientes de baixa renda é menor. Fosse esse mercado plenamente competitivo e a escala pesasse pouco (há um custo fixo comum para empréstimos de mil ou 100 mil reais, o que significa que empréstimos menores são mais custosos para os bancos), isso não seria um problema. Mas mercados plenamente competitivos são mais usuais em livros-texto do que no mundo real. E, ainda que em diversos serviços a competição entre bancos seja acirrada, isso não é verdadeiro para o caso específico do cheque especial.

Os economistas de viés mais liberal costumam condenar controle de preços. E estão absolutamente corretos na imensa maioria dos casos, como já argumentamos aqui diversas vezes. Se as pessoas fossem plenamente racionais, como na maioria dos nossos modelos teóricos, teríamos pouco com que nos preocupar. Mesmo com competição imperfeita, um teto de preços poderia gerar problemas de provimento que mais que compensassem os ganhos.

O fato é que o sujeito do mundo real muitas vezes não faz a conta. “Cheque especial custando mais de 200% ao ano é pra ser usado uma vez na vida, se isso! E pago com a venda da televisão e do anel de casamento, assim que possível.” Toda uma imensa área da literatura econômica, a economia comportamental, indica que as coisas não são bem assim. Principalmente em finanças e em mercados nos quais você participa poucas vezes na vida (compra de casa, por exemplo), nos quais o aprendizado com erros e acertos é infrequente. Sejamos realistas, nesses dois itens aí a gente erra muito. E quanto menor o nível de instrução, é mais provável cair numa enrascada.

O nome técnico do problema é “preferências hiperbólicas”: usualmente damos muito peso e atenção para o aqui e agora, e menos para o amanhã. E a correria do dia a dia absorve muito das nossas possibilidades cognitivas, ou seja, muitas vezes paramos pouco para pensar se estamos fazendo a coisa certa: você está realmente lendo a revista que assina? Seu plano de TV a cabo está valendo a pena?

Voltando ao nosso problema, na prática isso significa, por exemplo, que muita gente toma mais dívida do que deveria, gasta mais do que deveria, ingere mais calorias do que deveria, fuma, bebe demais, estuda menos do que deveria, faz menos atividade física do que deveria etc.

Educação financeira é um caminho poderoso para combatermos esses erros sistemáticos nas finanças pessoais. Mas toma tempo e é imperfeito. Por isso, faz sentido um empurrãozinho na direção correta, um nudge como diz o Nobel Richard Thaler.

As críticas mais comuns que estão pipocando: (i) o governo começa fixando um preço aqui, depois toma gosto; (ii) com o teto (juros mais baixos para alguns), as pessoas vão usar mais esse serviço que queremos desencorajar (justamente por ser inapropriado para uso frequente); (iii) quem não usa vai ter que pagar uma tarifa; (iv) o cheque especial vai acabar por conta desse controle e muitos clientes sairão perdendo.

Sobre a crítica (i), não faz muito sentido o governo extrapolar. Ainda mais no caso de um governo de viés claramente liberal. Se amanhã colocarem teto de 2% ao mês para empréstimos a empresas, a gente vai para as ruas. Em relação a (ii): todas as estimativas disponíveis sugerem que a elasticidade-preço da demanda é baixíssima nesse caso e, de todo modo, não dá para fazer análise olhando apenas para demanda. Os bancos vão, provavelmente, reduzir oferta; o que não é necessariamente ruim dada a hipótese de clientes hiperbólicos e desatentos. O item (iii) é também uma crítica incorreta: hoje a classes média e média alta ficam no negativo sem pagar nada por isso, porque seus limites são elevados (mas, claramente, alguém paga). Quer ter esse serviço disponível para mais do que 500 reais? Pague o seguro e negocie a taxa com o banco. Não quer? Ninguém forçará você a pagar o seguro. Se você não usa cheque especial, opte por isso e não pague nada! Por fim, quanto a (iv), sejamos razoáveis. O teto é de 8% ao mês. É um pé-direito alto, de dar dor de pescoço. Seria realmente surpreendente se os bancos restringissem de modo severo a oferta desse serviço podendo cobrar esses valores. Estivéssemos falando de um teto de 4% ao mês (juros ainda extremamente altos), essa seria uma crítica a ser levada mais a sério.

A medida é boa e foi bem desenhada. Não fere a boa teoria econômica, como aventado por alguns. Tampouco faz milagres na luta por uma taxa de juros de mercado mais baixa. Mas milagres, sabemos bem, não existem. O importante é que vai na direção correta. Para terminar, só chamo a atenção daqueles que podem achar que agora o cheque especial ficou barato. Não ficou não! Ainda está caríssimo! Usar o cheque especial da forma errada, por exemplo entrando nele todo final de mês, ainda é atalho certo para o buraco!


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