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O investimento direto externo no Brasil este ano continua fraco. Por outro lado, na conta financeira com o exterior, assistiu-se em outubro e novembro a um ingresso significativo de recursos, para aplicações tanto em ações quanto em instrumentos de renda fixa. 

A conta dos investimentos em carteira no ano continua no vermelho. A saída substancial de março e abril, refletindo o tremendo choque que a Covid-19 trouxe para os mercados financeiros globais, ainda não foi inteiramente compensada pelos ingressos ocorridos a partir de junho. Mas, para alguns, os números recentes deram margem a um sentimento de que a melhora nas condições financeiras internacionais foi suficiente para garantir tranquilidade no front externo.

O fluxo externo de entrada foi inclusive um fator importante para que o índice Ibovespa registrasse em novembro uma alta de 17,73%, até sexta-feira passada, o que reduziu a queda em 2020 para 4,35%. Em dólares, por conta da apreciação do real no mês, a valorização foi de quase 25%, colocando a bolsa brasileira como a de melhor desempenho em comparação com outras novas economias emergentes e os três maiores índices de Wall Street (S&P 500, Nasdaq e Dow Jones). Também é bom notar que a parcela de investidores externos detendo títulos domésticos da dívida pública mobiliária subiu de 9,44% para 9,79% em outubro.

E então? Estariam exagerados aqueles que tanto chamaram atenção para a necessidade de avanços no lado de políticas domésticas, eliminando dúvidas quanto ao futuro do arcabouço de política fiscal e aprovando reformas que facilitem o cumprimento do teto dos gastos como pré-condição para contar com o ingresso de recursos financeiros externos na recuperação do crescimento econômico brasileiro? 

A verdade é que os fluxos de capital para economias emergentes respondem a fatores e impulsos externos, de âmbito mais geral, e domésticos, específicos ao país. São sempre o resultado combinado de ambos, o que implica reconhecer que, no limite, fatores domésticos fazem a diferença que singulariza o caso de cada país. No quadro brasileiro atual, não dá para contar inteiramente com a evolução das condições financeiras internacionais.

Vejamos o lado externo. As notícias sobre vacinas com eficácia e menores requisitos de manejo logístico alimentaram o otimismo em relação ao futuro da economia global, apesar dos receios quanto a ondas de contaminação até que estejam amplamente aplicadas. Mas, como sói acontecer em tais circunstâncias de melhor humor, o apetite para assumir riscos aumentou, particularmente diante da perspectiva de continuidade prolongada de baixas taxas de retorno nas aplicações de pouco risco. Também o resultado das eleições nos Estados Unidos contribuiu para tal, prenunciando-se o fim das incertezas da era Trump.  

Assistiu-se então em novembro a uma corrida em direção a ativos de economias emergentes, acompanhada de outra para ações e títulos de dívida nos Estados Unidos. No caso dos emergentes, um claro retorno ao quadro anterior ao choque financeiro da Covid-19 e à fuga de capital em março. 

Os fundos de ações de emergentes atraíram quase US$ 14 bilhões na segunda e na terceira semanas de novembro, ao passo que US$ 22 bilhões se moveram para bolsas naqueles países no mês. Títulos de dívida daqueles países também foram adquiridos com intensidade. 

O apetite por risco e a perspectiva de melhora da economia global se manifestaram numa rotação de carteiras, com uma demanda mais acentuada por energia e serviços financeiros em relação à de ativos já valorizados em Wall Street. A bolsa brasileira como destino se beneficiou do ato de ter bancos, Vale e Petrobras como papéis principais. 

Há também a previsão de que o dólar sofrerá uma gradual desvalorização em relação às demais moedas. Isso não apenas tende a valorizar em dólar os dividendos e os juros obtidos em moedas locais com ativos emergentes, como a facilitar o pagamento de compromissos de dívida no exterior de governos e empresas desses países. Basta nos lembrarmos das agruras de alguns – como Argentina e Turquia em 2018 – em momentos de valorização do dólar.

É claro que permanece no radar a possibilidade de que, em algum momento, o Federal Reserve se veja instado a subir juros e/ou desfazer seu “afrouxamento quantitativo” (QE). A simples possibilidade poderia gerar um novo “taper tantrum” como o de 2013, quando o mero anúncio pelo Fed de estar planejando a saída do QE provocou enorme choque de saída de capital de emergentes com déficits em conta corrente, inclusive Brasil na época. De qualquer modo, isso não está sendo considerado como algo provável no futuro próximo.

E o lado específico no caso brasileiro? Antes de tudo, deve-se observar que o grosso do ingresso recente vem vindo de forma “passiva”, ou seja, como componente de fundos que buscam exposição a ativos de emergentes em geral, conjunto no qual o Brasil ocupa posição significativa apesar de mudanças recentes nos correspondentes índices. Como um volume crescente de recursos nos mercados financeiros globais tem sido conduzido pelos“exchange traded funds” (ETFs), acontece que, em termos relativos, os ativos de menor qualidade (títulos soberanos com classificação de risco elevado, mercados acionários menos líquidos etc.) sofrem mais impactos positivos e negativos que os outros nas situações de, respectivamente, aumento e queda de tamanho dos ETFs. 

O recente ingresso de capital no Brasil não incluiu volume considerável do lado dos investidores “ativos”, ou seja, daqueles que olham diretamente para ativos específicos. Para esses, os determinantes domésticos específicos ao país pesam mais. Para a onda positiva se desdobrar em disponibilidade de recursos externos para financiar investimentos no país, progresso e confiança na agenda fiscal e regulatória doméstica serão relevantes. 

Inclusive por meio de parcerias público-privadas, já que as restrições fiscais continuarão apertadas nos próximos anos. Como o ingresso de recursos deixou de ser obtido via oferta de prêmios elevados de juros da dívida pública, seu retorno pleno terá de ocorrer para exposição a ativos de outra natureza. Estou entre aqueles que acham que a economia brasileira se encontra diante de uma bifurcação de caminhos, com possíveis trajetórias positivas ou negativas na interação entre prêmios de risco, juros, dívida pública e PIB. Entradas ou saídas de capital estarão reforçando, respectivamente, trajetórias positivas e negativas. 

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não residente do Brookings Institute,  membro visitante do ILAS em Columbia University, professor na Elliott School of International Affairs (GWU) e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no ministério da fazenda e professor da USP e da Unicamp.

COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE SÃO PAULO

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Os dois lados dos fluxos de capital para o Brasil

O investimento direto externo no Brasil este ano continua fraco. Por outro lado, na conta financeira com o exterior, assistiu-se em outubro e novembro a um ingresso significativo de recursos, para aplicações tanto em ações quanto em instrumentos de renda fixa. 

A conta dos investimentos em carteira no ano continua no vermelho. A saída substancial de março e abril, refletindo o tremendo choque que a Covid-19 trouxe para os mercados financeiros globais, ainda não foi inteiramente compensada pelos ingressos ocorridos a partir de junho. Mas, para alguns, os números recentes deram margem a um sentimento de que a melhora nas condições financeiras internacionais foi suficiente para garantir tranquilidade no front externo.

O fluxo externo de entrada foi inclusive um fator importante para que o índice Ibovespa registrasse em novembro uma alta de 17,73%, até sexta-feira passada, o que reduziu a queda em 2020 para 4,35%. Em dólares, por conta da apreciação do real no mês, a valorização foi de quase 25%, colocando a bolsa brasileira como a de melhor desempenho em comparação com outras novas economias emergentes e os três maiores índices de Wall Street (S&P 500, Nasdaq e Dow Jones). Também é bom notar que a parcela de investidores externos detendo títulos domésticos da dívida pública mobiliária subiu de 9,44% para 9,79% em outubro.

E então? Estariam exagerados aqueles que tanto chamaram atenção para a necessidade de avanços no lado de políticas domésticas, eliminando dúvidas quanto ao futuro do arcabouço de política fiscal e aprovando reformas que facilitem o cumprimento do teto dos gastos como pré-condição para contar com o ingresso de recursos financeiros externos na recuperação do crescimento econômico brasileiro? 

A verdade é que os fluxos de capital para economias emergentes respondem a fatores e impulsos externos, de âmbito mais geral, e domésticos, específicos ao país. São sempre o resultado combinado de ambos, o que implica reconhecer que, no limite, fatores domésticos fazem a diferença que singulariza o caso de cada país. No quadro brasileiro atual, não dá para contar inteiramente com a evolução das condições financeiras internacionais.

Vejamos o lado externo. As notícias sobre vacinas com eficácia e menores requisitos de manejo logístico alimentaram o otimismo em relação ao futuro da economia global, apesar dos receios quanto a ondas de contaminação até que estejam amplamente aplicadas. Mas, como sói acontecer em tais circunstâncias de melhor humor, o apetite para assumir riscos aumentou, particularmente diante da perspectiva de continuidade prolongada de baixas taxas de retorno nas aplicações de pouco risco. Também o resultado das eleições nos Estados Unidos contribuiu para tal, prenunciando-se o fim das incertezas da era Trump.  

Assistiu-se então em novembro a uma corrida em direção a ativos de economias emergentes, acompanhada de outra para ações e títulos de dívida nos Estados Unidos. No caso dos emergentes, um claro retorno ao quadro anterior ao choque financeiro da Covid-19 e à fuga de capital em março. 

Os fundos de ações de emergentes atraíram quase US$ 14 bilhões na segunda e na terceira semanas de novembro, ao passo que US$ 22 bilhões se moveram para bolsas naqueles países no mês. Títulos de dívida daqueles países também foram adquiridos com intensidade. 

O apetite por risco e a perspectiva de melhora da economia global se manifestaram numa rotação de carteiras, com uma demanda mais acentuada por energia e serviços financeiros em relação à de ativos já valorizados em Wall Street. A bolsa brasileira como destino se beneficiou do ato de ter bancos, Vale e Petrobras como papéis principais. 

Há também a previsão de que o dólar sofrerá uma gradual desvalorização em relação às demais moedas. Isso não apenas tende a valorizar em dólar os dividendos e os juros obtidos em moedas locais com ativos emergentes, como a facilitar o pagamento de compromissos de dívida no exterior de governos e empresas desses países. Basta nos lembrarmos das agruras de alguns – como Argentina e Turquia em 2018 – em momentos de valorização do dólar.

É claro que permanece no radar a possibilidade de que, em algum momento, o Federal Reserve se veja instado a subir juros e/ou desfazer seu “afrouxamento quantitativo” (QE). A simples possibilidade poderia gerar um novo “taper tantrum” como o de 2013, quando o mero anúncio pelo Fed de estar planejando a saída do QE provocou enorme choque de saída de capital de emergentes com déficits em conta corrente, inclusive Brasil na época. De qualquer modo, isso não está sendo considerado como algo provável no futuro próximo.

E o lado específico no caso brasileiro? Antes de tudo, deve-se observar que o grosso do ingresso recente vem vindo de forma “passiva”, ou seja, como componente de fundos que buscam exposição a ativos de emergentes em geral, conjunto no qual o Brasil ocupa posição significativa apesar de mudanças recentes nos correspondentes índices. Como um volume crescente de recursos nos mercados financeiros globais tem sido conduzido pelos“exchange traded funds” (ETFs), acontece que, em termos relativos, os ativos de menor qualidade (títulos soberanos com classificação de risco elevado, mercados acionários menos líquidos etc.) sofrem mais impactos positivos e negativos que os outros nas situações de, respectivamente, aumento e queda de tamanho dos ETFs. 

O recente ingresso de capital no Brasil não incluiu volume considerável do lado dos investidores “ativos”, ou seja, daqueles que olham diretamente para ativos específicos. Para esses, os determinantes domésticos específicos ao país pesam mais. Para a onda positiva se desdobrar em disponibilidade de recursos externos para financiar investimentos no país, progresso e confiança na agenda fiscal e regulatória doméstica serão relevantes. 

Inclusive por meio de parcerias público-privadas, já que as restrições fiscais continuarão apertadas nos próximos anos. Como o ingresso de recursos deixou de ser obtido via oferta de prêmios elevados de juros da dívida pública, seu retorno pleno terá de ocorrer para exposição a ativos de outra natureza. Estou entre aqueles que acham que a economia brasileira se encontra diante de uma bifurcação de caminhos, com possíveis trajetórias positivas ou negativas na interação entre prêmios de risco, juros, dívida pública e PIB. Entradas ou saídas de capital estarão reforçando, respectivamente, trajetórias positivas e negativas. 

Otaviano Canuto é membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não residente do Brookings Institute,  membro visitante do ILAS em Columbia University, professor na Elliott School of International Affairs (GWU) e principal do Center for Macroeconomics and Development em Washington. Foi vice-presidente e diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente no BID. Também foi secretário de assuntos internacionais no ministério da fazenda e professor da USP e da Unicamp.


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