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Diante da  grave crise econômica que começa a destruir empregos e renda, muitos economistas de boa família têm defendido que os bancos centrais do mundo pisem avec gusto no acelerador da política monetária, como fizeram  no fim da década passada, quando confrontados com a grande crise financeira do novo século, originária no setor de empréstimos subprime. Nós do PQ? acreditamos que eles estão corretos: é hora de fazer o que for necessário para evitar um cenário como o da  Grande Depressão (porque é disso que se trata). 

O que dificulta o debate, no entanto, é a existência de um outro grupo de economistas  ?  em quantidade não desprezível em regiões tropicais  ?  que sempre, ou quase sempre, advogam políticas loucamente expansionistas. É a moçada da redenção pelo aumento dos investimentos públicos,  irresponsáveis que pensam que déficits elevados pagam a si mesmos ou que imprudência fiscal não gera descontrole de preços. Nem parece que viveram na América Latina dos anos 1980. O problema todo é que, num ambiente confuso, fica difícil para o leitor menos técnico diferenciar joio do trigo  ?  sob nosso julgamento, o joio é o grupo dos que não ligam para a restrição orçamentária e acreditam que a política monetária pode fazer milagres como alterar o curso do crescimento de longo prazo da economia.  Não importa que nossa prescrição de política econômica neste momento agrade mais ao grupo com quem menos concordamos em condições normais de temperatura e pressão. We are not in Kansas anymore. A crise econômica é gravíssima e para enfrentá-la precisamos superar nossos medos. 

Findo o longo preâmbulo, pulamos para a conclusão antes de elaborarmos o argumento: o BC brasileiro já fez bastante coisa preparando o navio para a tempestade, mas precisa urgentemente fazer mais. Entre outras coisas, na nossa visão, deveria jogar a taxa Selic imediatamente para perto de zero. 

Qual o problema de juros extremamente baixos? Tradicionalmente, isso resulta em inflação incomodamente alta.  O canal é simples: juros muito baixos aquecem a demanda na economia, e assim como na física, com muito calor temos preços se expandindo mais rapidamente.  Mas reflita, levando em conta a situação atual: em primeiro lugar, a inflação projetada pelos mercados para este ano está ali na casa dos 2%. Isso é abaixo da banda inferior do intervalo de inflação estipulado pelo Conselho Monetário Nacional. Em outras palavras, o BC vai muito provavelmente descumprir sua obrigação com a sociedade em 2020. Descumprimento de meta vale para os dois lados, caros ouvintes, não apenas para cima. Segundo ponto:  é difícil imaginar uma explosão de demanda nesta situação. Olhe a sua volta: está todo mundo em casa! Todos superprecavidos, com medo do desemprego que já vira a esquina. Nesse ambiente, de onde mesmo virá essa explosão do consumo que preocupa tanto os guardiões da inflação? Não conseguimos vislumbrar...

Juros menores não farão muito para reativar a economia. O objetivo na verdade é mais modesto: (a) facilitar a rolagem de dívidas do setor real da economia que não tem como honrar seus compromissos enquanto as vendas seguirem anêmicas; e (b), ao longo do tempo, facilitar o repagamento da dívida do governo que vai subir, e muito, nos próximos trimestres.

Sobre (a), enfatize-se que a extensão de linhas de crédito às empresas é uma preocupação pública do BC, que já reduziu compulsórios e facilitou a extensão de crédito ao setor financeiro. Parte (grande) do problema, claro, é que num momento como este é bem difícil “convencer” os bancos a emprestar essa liquidez adicional. A grana não está chegando na ponta das empresas. Nem garantias elevadas por parte do Tesouro (que se dispôs a cobrir 85% da inadimplência resultante dos créditos para pagamento de folha salarial) estão sendo suficientes. Outra iniciativa do BC foi a PEC que liberará a autoridade monetária para comprar títulos privados diretamente, sem a necessidade de intermediários financeiros. Esse será um grande passo na luta contra a brutal recessão que se avizinha.

Sobre (b), há muitos ortodoxos contra a ideia. “BC não pode fazer política fiscal”, clamam eles, nervosos. A aversão faz sentido. O governo tem que se pagar com seus impostos tradicionais, de forma transparente. Não queremos um governo contando com a ajudinha do impressor de moeda para fechar o caixa. A situação corrente, porém, é diversa desse quadro tradicional de irresponsabilidade fiscal. O déficit vai se agigantar, e dessa vez  ?  ouçam bem!  ?  o governo não é o culpado. Mais ainda: se o governo lutar contra o aumento do déficit agora, a recessão será ainda mais profunda. O que implicará dívida pública ainda mais elevada lá na frente. 

Enfim, é hora de usar a munição monetária existente e não existente. No futuro, normaliza-se a política monetária e a trazemos de volta ao arcabouço tradicional quando estivermos mais afastados do olho do furacão. Roberto Campos e seus diretores têm credibilidade suficiente para se vestir de cordeirinhos agora. Depois podem voltar a afiar os dentes contra a inflação.


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Política Monetária em Tempos de Cólera

Diante da  grave crise econômica que começa a destruir empregos e renda, muitos economistas de boa família têm defendido que os bancos centrais do mundo pisem avec gusto no acelerador da política monetária, como fizeram  no fim da década passada, quando confrontados com a grande crise financeira do novo século, originária no setor de empréstimos subprime. Nós do PQ? acreditamos que eles estão corretos: é hora de fazer o que for necessário para evitar um cenário como o da  Grande Depressão (porque é disso que se trata). 

O que dificulta o debate, no entanto, é a existência de um outro grupo de economistas  ?  em quantidade não desprezível em regiões tropicais  ?  que sempre, ou quase sempre, advogam políticas loucamente expansionistas. É a moçada da redenção pelo aumento dos investimentos públicos,  irresponsáveis que pensam que déficits elevados pagam a si mesmos ou que imprudência fiscal não gera descontrole de preços. Nem parece que viveram na América Latina dos anos 1980. O problema todo é que, num ambiente confuso, fica difícil para o leitor menos técnico diferenciar joio do trigo  ?  sob nosso julgamento, o joio é o grupo dos que não ligam para a restrição orçamentária e acreditam que a política monetária pode fazer milagres como alterar o curso do crescimento de longo prazo da economia.  Não importa que nossa prescrição de política econômica neste momento agrade mais ao grupo com quem menos concordamos em condições normais de temperatura e pressão. We are not in Kansas anymore. A crise econômica é gravíssima e para enfrentá-la precisamos superar nossos medos. 

Findo o longo preâmbulo, pulamos para a conclusão antes de elaborarmos o argumento: o BC brasileiro já fez bastante coisa preparando o navio para a tempestade, mas precisa urgentemente fazer mais. Entre outras coisas, na nossa visão, deveria jogar a taxa Selic imediatamente para perto de zero. 

Qual o problema de juros extremamente baixos? Tradicionalmente, isso resulta em inflação incomodamente alta.  O canal é simples: juros muito baixos aquecem a demanda na economia, e assim como na física, com muito calor temos preços se expandindo mais rapidamente.  Mas reflita, levando em conta a situação atual: em primeiro lugar, a inflação projetada pelos mercados para este ano está ali na casa dos 2%. Isso é abaixo da banda inferior do intervalo de inflação estipulado pelo Conselho Monetário Nacional. Em outras palavras, o BC vai muito provavelmente descumprir sua obrigação com a sociedade em 2020. Descumprimento de meta vale para os dois lados, caros ouvintes, não apenas para cima. Segundo ponto:  é difícil imaginar uma explosão de demanda nesta situação. Olhe a sua volta: está todo mundo em casa! Todos superprecavidos, com medo do desemprego que já vira a esquina. Nesse ambiente, de onde mesmo virá essa explosão do consumo que preocupa tanto os guardiões da inflação? Não conseguimos vislumbrar...

Juros menores não farão muito para reativar a economia. O objetivo na verdade é mais modesto: (a) facilitar a rolagem de dívidas do setor real da economia que não tem como honrar seus compromissos enquanto as vendas seguirem anêmicas; e (b), ao longo do tempo, facilitar o repagamento da dívida do governo que vai subir, e muito, nos próximos trimestres.

Sobre (a), enfatize-se que a extensão de linhas de crédito às empresas é uma preocupação pública do BC, que já reduziu compulsórios e facilitou a extensão de crédito ao setor financeiro. Parte (grande) do problema, claro, é que num momento como este é bem difícil “convencer” os bancos a emprestar essa liquidez adicional. A grana não está chegando na ponta das empresas. Nem garantias elevadas por parte do Tesouro (que se dispôs a cobrir 85% da inadimplência resultante dos créditos para pagamento de folha salarial) estão sendo suficientes. Outra iniciativa do BC foi a PEC que liberará a autoridade monetária para comprar títulos privados diretamente, sem a necessidade de intermediários financeiros. Esse será um grande passo na luta contra a brutal recessão que se avizinha.

Sobre (b), há muitos ortodoxos contra a ideia. “BC não pode fazer política fiscal”, clamam eles, nervosos. A aversão faz sentido. O governo tem que se pagar com seus impostos tradicionais, de forma transparente. Não queremos um governo contando com a ajudinha do impressor de moeda para fechar o caixa. A situação corrente, porém, é diversa desse quadro tradicional de irresponsabilidade fiscal. O déficit vai se agigantar, e dessa vez  ?  ouçam bem!  ?  o governo não é o culpado. Mais ainda: se o governo lutar contra o aumento do déficit agora, a recessão será ainda mais profunda. O que implicará dívida pública ainda mais elevada lá na frente. 

Enfim, é hora de usar a munição monetária existente e não existente. No futuro, normaliza-se a política monetária e a trazemos de volta ao arcabouço tradicional quando estivermos mais afastados do olho do furacão. Roberto Campos e seus diretores têm credibilidade suficiente para se vestir de cordeirinhos agora. Depois podem voltar a afiar os dentes contra a inflação.


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