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A decisão do Banco Central (BC) em não mexer na taxa de juros (Selic) na semana passada continua dando pano para manga.

Sim, há fatores que de fato justificam esse posicionamento. Com a dívida pública em patamares perigosos, aumentar a taxa de juros tornaria o problema ainda mais grave. Basicamente, seria necessário um esforço fiscal (economia de grana) ainda mais intenso para segurar a dívida – e o caixa do governo já está no chão. Além disso, a atividade econômica está capengando, com crescimento negativo e desemprego em alta. Um aumento no juro prejudicaria ainda mais a situação do Brasil.

O problema não foi a decisão em si, mas a forma como foi comunicada ao público. O BC vinha sinalizando há tempos um forte aumento nos juros para combater o surto inflacionário. Mas, na hora H, deu para trás. E de um jeito muito estranho.

No mesmo dia em que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se reuniria para tomar a decisão sobre os juros, o presidente da instituição, Alexandre Tombini, avisou em comunicado que estava preocupado com a mudança da previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a economia brasileira. O FMI passava a considerar oficialmente uma recessão ainda mais profunda para 2016.

Só que todo mundo já esperava que 2016 seria ruim assim! O FMI só confirmava esse cenário sombrio. Uma guinada tamanha na política monetária só se justificaria com base em informações novas – e não houve novidade nenhuma na divulgação do FMI. Portanto, isso só faria sentido se o FMI soubesse mais do que a economia brasileira do que o próprio BC.

É algo difícil de acreditar.

Começaram então a aparecer rumores sobre ingerência política nas decisões do BC – e que os números do FMI seriam apenas uma desculpa. Haveria o dedo da presidente Dilma ou do ex-presidente Lula nessa história?

Ninguém sabe. Mas essa possibilidade passou a ganhar força no mercado.

No mundo de bancos centrais e da política monetária, palavras não são vento. Anúncios importam, e muito, ainda mais em sistema de metas de inflação, como o BC supostamente opera.

No sistema de metas de inflação, o BC anuncia uma meta para a taxa de inflação e ajusta sua política monetária (de juros) de modo a chegar o mais próximo possível desse valor.

Hoje a meta é de 4,5% ao ano (o que parece piada, já que a inflação beirou os 11% em 2015). Permite-se ainda um intervalo de variação para a inflação, para acomodar a existência de choques (casos de seca ou outros eventos imponderáveis que afetem preços de produtos). No Brasil, esse intervalo é de 2 pontos percentuais, para cima ou para baixo. Logo, o centro da meta é 4,5%, mas permite-se que a inflação varie entre 2,5% e 6,5%.

É crucial que o sistema tenha credibilidade. Desse modo, as expectativas dos formadores de preço em relação à inflação são domadas e fica mais fácil controlar a inflação.

Se os formadores de preço acreditam que a inflação será baixa, eles tendem a reajustar menos seus preços já hoje. Mas se eles esperam mais inflação lá na frente, quer dizer que perderão muito dinheiro se seu preço ficar parado. Dessa forma as remarcações de preços são maiores hoje mesmo, para prevenir as perdas esperadas por eles.
No linguajar dos economistas, o sistema de metas de inflação ajuda a “ancorar” as expectativas.

Mas a credibilidade do BC já vinha sendo arranhada nos últimos anos. Há tempos a inflação está longe do centro da meta (4,5%). No início da presente década, a inflação não estourou o teto do intervalo (6,5%) só porque o governo segurou na marra alguns preços da economia, como energia e combustíveis. Esses preços interferem diretamente em vários outros praticados em diversas cadeias produtivas. Em 2015, com o ajuste necessário realizado nesses preços, a inflação se espalhou e ficou bem fora do intervalo proposto pelo BC.

O que os dados dizem?

Na semana passada, foi jogada uma pá de cal sobre o sistema de metas. A trapalhada do BC sinalizou que a instituição jogou a toalha no combate à inflação. E dá para ver certinho isso nos dados de expectativas de inflação.

Periodicamente, o BC realiza a tal da pesquisa Focus, na qual apresenta o que os agentes do mercado (empresas de consultoria e bancos) estão esperando para coisas como crescimento, taxa de câmbio e inflação num futuro próximo.

Esse documento fornece uma medida da expectativa do mercado para essas variáveis. Essas expectativas são revisadas à medida que novas informações chegam.

A figura abaixo (clique na imagem para ampliar) mostra a média dessas expectativas para a inflação de 2017 (medida pelo IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em diversas datas em que o BC apurou tais dados junto aos agentes do mercado.

grafico expectativas inflação

No início de 2015 (círculo amarelo), note bem a queda nessas expectativas, provavelmente ligada à entrada de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda e ao seu projeto de ajuste fiscal. Soma-se a isso a perspectiva de recessão brava, o que tende a dificultar os aumentos de preços.

Mas já a partir de setembro (círculo verde) vemos uma reversão dessa tendência, quando a expectativa de inflação para 2017 passa a crescer. Naquela época já ficava claro que o governo brasileiro não conseguiria cumprir seu plano de ajuste, o que passou a puxar a expectativa para cima.

Preste atenção também no que acontece no final da amostra (círculo vermelho): a expectativa média de inflação disparou depois da trapalhada do BC. Entre os dias 20 – quando a manutenção dos juros foi anunciada – e 22 de janeiro, a expectativa média para 2017 subiu de 5,46% para 5,74% de inflação ao ano. Dá uma boa ideia da arranhada que a credibilidade do BC sofreu...

O surpreendente disso tudo é como a diretoria do BC não sofreu nenhuma sanção, mesmo depois da desastrosa condução do ocorrido na semana passada. Joga ainda mais combustível à história de que Tombini fez exatamente o que a chefe mandou.

(Agradecemos Juan Jensen, da 4E Consultoria, pelos dados)


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Por que o controle da inflação foi perdido?

A decisão do Banco Central (BC) em não mexer na taxa de juros (Selic) na semana passada continua dando pano para manga. Sim, há fatores que de fato justificam esse posicionamento. Com a dívida pública em patamares perigosos, aumentar a taxa de juros tornaria o problema ainda mais grave. Basicamente, seria necessário um esforço fiscal (economia de grana) ainda mais intenso para segurar a dívida – e o caixa do governo já está no chão. Além disso, a atividade econômica está capengando, com crescimento negativo e desemprego em alta. Um aumento no juro prejudicaria ainda mais a situação do Brasil. O problema não foi a decisão em si, mas a forma como foi comunicada ao público. O BC vinha sinalizando há tempos um forte aumento nos juros para combater o surto inflacionário. Mas, na hora H, deu para trás. E de um jeito muito estranho. No mesmo dia em que o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC se reuniria para tomar a decisão sobre os juros, o presidente da instituição, Alexandre Tombini, avisou em comunicado que estava preocupado com a mudança da previsão do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a economia brasileira. O FMI passava a considerar oficialmente uma recessão ainda mais profunda para 2016. Só que todo mundo já esperava que 2016 seria ruim assim! O FMI só confirmava esse cenário sombrio. Uma guinada tamanha na política monetária só se justificaria com base em informações novas – e não houve novidade nenhuma na divulgação do FMI. Portanto, isso só faria sentido se o FMI soubesse mais do que a economia brasileira do que o próprio BC. É algo difícil de acreditar. Começaram então a aparecer rumores sobre ingerência política nas decisões do BC – e que os números do FMI seriam apenas uma desculpa. Haveria o dedo da presidente Dilma ou do ex-presidente Lula nessa história? Ninguém sabe. Mas essa possibilidade passou a ganhar força no mercado. No mundo de bancos centrais e da política monetária, palavras não são vento. Anúncios importam, e muito, ainda mais em sistema de metas de inflação, como o BC supostamente opera. No sistema de metas de inflação, o BC anuncia uma meta para a taxa de inflação e ajusta sua política monetária (de juros) de modo a chegar o mais próximo possível desse valor. Hoje a meta é de 4,5% ao ano (o que parece piada, já que a inflação beirou os 11% em 2015). Permite-se ainda um intervalo de variação para a inflação, para acomodar a existência de choques (casos de seca ou outros eventos imponderáveis que afetem preços de produtos). No Brasil, esse intervalo é de 2 pontos percentuais, para cima ou para baixo. Logo, o centro da meta é 4,5%, mas permite-se que a inflação varie entre 2,5% e 6,5%. É crucial que o sistema tenha credibilidade. Desse modo, as expectativas dos formadores de preço em relação à inflação são domadas e fica mais fácil controlar a inflação. Se os formadores de preço acreditam que a inflação será baixa, eles tendem a reajustar menos seus preços já hoje. Mas se eles esperam mais inflação lá na frente, quer dizer que perderão muito dinheiro se seu preço ficar parado. Dessa forma as remarcações de preços são maiores hoje mesmo, para prevenir as perdas esperadas por eles. No linguajar dos economistas, o sistema de metas de inflação ajuda a “ancorar” as expectativas. Mas a credibilidade do BC já vinha sendo arranhada nos últimos anos. Há tempos a inflação está longe do centro da meta (4,5%). No início da presente década, a inflação não estourou o teto do intervalo (6,5%) só porque o governo segurou na marra alguns preços da economia, como energia e combustíveis. Esses preços interferem diretamente em vários outros praticados em diversas cadeias produtivas. Em 2015, com o ajuste necessário realizado nesses preços, a inflação se espalhou e ficou bem fora do intervalo proposto pelo BC. O que os dados dizem? Na semana passada, foi jogada uma pá de cal sobre o sistema de metas. A trapalhada do BC sinalizou que a instituição jogou a toalha no combate à inflação. E dá para ver certinho isso nos dados de expectativas de inflação. Periodicamente, o BC realiza a tal da pesquisa Focus, na qual apresenta o que os agentes do mercado (empresas de consultoria e bancos) estão esperando para coisas como crescimento, taxa de câmbio e inflação num futuro próximo. Esse documento fornece uma medida da expectativa do mercado para essas variáveis. Essas expectativas são revisadas à medida que novas informações chegam. A figura abaixo (clique na imagem para ampliar) mostra a média dessas expectativas para a inflação de 2017 (medida pelo IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo) em diversas datas em que o BC apurou tais dados junto aos agentes do mercado. grafico expectativas inflação No início de 2015 (círculo amarelo), note bem a queda nessas expectativas, provavelmente ligada à entrada de Joaquim Levy no Ministério da Fazenda e ao seu projeto de ajuste fiscal. Soma-se a isso a perspectiva de recessão brava, o que tende a dificultar os aumentos de preços. Mas já a partir de setembro (círculo verde) vemos uma reversão dessa tendência, quando a expectativa de inflação para 2017 passa a crescer. Naquela época já ficava claro que o governo brasileiro não conseguiria cumprir seu plano de ajuste, o que passou a puxar a expectativa para cima. Preste atenção também no que acontece no final da amostra (círculo vermelho): a expectativa média de inflação disparou depois da trapalhada do BC. Entre os dias 20 – quando a manutenção dos juros foi anunciada – e 22 de janeiro, a expectativa média para 2017 subiu de 5,46% para 5,74% de inflação ao ano. Dá uma boa ideia da arranhada que a credibilidade do BC sofreu... O surpreendente disso tudo é como a diretoria do BC não sofreu nenhuma sanção, mesmo depois da desastrosa condução do ocorrido na semana passada. Joga ainda mais combustível à história de que Tombini fez exatamente o que a chefe mandou. (Agradecemos Juan Jensen, da 4E Consultoria, pelos dados) VEJA MAIS
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