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Há pelo menos 20 anos, o locutor Galvão Bueno argumenta que goleiros deveriam permanecer no meio do gol em cobranças de pênaltis. A ideia é que, se adotasse essa estratégia, o goleiro poderia defender aqueles pênaltis batidos justamente no centro da meta. Em uma disputa de pênaltis isso pode ser valioso, já que em geral poucas cobranças são desperdiçadas. Um pênalti defendido faz uma baita diferença.

A discussão é válida. Na verdade, um pouco de Teoria dos Jogos nos ajuda a entender por que goleiros não deveriam seguir a estratégia sugerida por Galvão Bueno.

A Teoria dos Jogos nasceu como um ramo da matemática, mas influenciou decisivamente o desenvolvimento da teoria econômica moderna. Ela estuda a interação estratégica entre indivíduos, isto é, situações em que indivíduos afetam-se mutuamente quando tomam decisões, e que tipo de resultado (equilíbrio) pode emergir dessas interações.

Tome o exemplo comum em economia, envolvendo uma empresa (montadora de veículos) e um fornecedor (fabricante de autopeças) que devem decidir se se instalam em determinado local. A montadora só entra no mercado se houver um fornecedor instalado; o fornecedor só entra se houver alguém para comprar o seu produto.

Note o componente de interação estratégica: o que a montadora decide fazer altera o retorno do fornecedor, e vice-versa.

Em Teoria dos Jogos, há dois tipos de estratégia que podem ser seguidas por um jogador: estratégias puras, em que ele faz sempre a mesma coisa em determinada situação; e estratégias mistas, em que o jogador age de maneira probabilística, isto é, ele constantemente altera seu comportamento quando submetido a uma mesma situação.

No exemplo acima, uma estratégia pura seria, do lado da montadora, sempre entrar no mercado quando o fornecedor se instalar; e não entrar se o fornecedor decide ficar de fora. Em estratégias mistas, o jogador lança uma moeda para cima (com probabilidades por ele definidas), e toma a decisão com base no resultado.

Essa história de estratégias mistas pode soar estranha para muita gente. Mas é justamente no futebol que elas podem ser observadas e testadas.

Por quê? Porque, em cobranças de pênaltis, nunca é ótimo jogar estratégias puras, seja para o goleiro, seja para o batedor. No caso, se o goleiro atuar como se estivesse usando estratégias puras, ele sempre escolheria o mesmo lado (direito, esquerdo ou centro). O batedor, sabendo disso, selecionaria outro canto, convertendo o pênalti com elevada probabilidade.

A mesma coisa vale para o cobrador do pênalti. Se ele batesse sempre do mesmo lado, o goleiro se anteciparia e teria boas chances de defender a cobrança.

Para ter uma ideia de por que usar estratégias puras nesse contexto é uma roubada, veja o exemplo de Sócrates na Copa do Mundo de 1986. No jogo Brasil x Polônia, ele converte uma cobrança de uma forma peculiar, tomando pouca distância antes da batida.



Nas quartas de final do mesmo torneio, quando o Brasil foi eliminado pela França nos pênaltis, Sócrates repetiu o mesmo movimento. Dessa vez, o goleiro defendeu.



Voltando à sugestão de Galvão Bueno: se o goleiro permanecesse sempre no meio do gol, seria o equivalente a jogar estratégias puras. Os batedores, sabendo disso, fariam cobranças fortes em alguns dos cantos. As chances de conversão seriam enormes. Claramente não vale a pena seguir uma estratégia nesse estilo.

Se o goleiro quiser ter alguma chance de defender um pênalti, ele precisa jogar estratégias mistas, isto é, ele deve mudar o canto escolhido o tempo todo. Isso cria dúvidas na cabeça do batedor, gerando chances maiores de defesa.

Da mesma forma, batedores devem constantemente alterar o local em que colocam a bola. O goleiro, assim, não saberá ao certo em que lado será a cobrança, aumentando as chances de conversão.

O artigo acadêmico de Pierre Chiappori, Steven Levitt e Tim Groseclose usa justamente dados de pênaltis para testar estratégias mistas. Com base em cobranças realizadas nos campeonatos espanhol e italiano, notam que os comportamentos de goleiros e cobradores se encaixam na situação de estratégias mistas: cobradores estão constantemente mudando os lados das cobranças, e goleiros alterando o local em que se posicionam na meta.

Batedores, entretanto, tendem a preferir o canto oposto (isto é, destros fazem proporcionalmente mais cobranças no canto esquerdo, e canhotos no canto direito). Isso faz sentido, pois o jogador bate mais forte na bola quando faz o chute cruzado, tendo portanto maiores chances de conversão. Os goleiros se adaptam a isso, e selecionam também com maior frequência o canto de preferência do cobrador.

Há, entretanto, um fato curioso: como notado por Galvão Bueno, goleiros quase nunca permanecem no centro do gol. E batedores poderiam se beneficiar disso, se realizassem mais cobranças justamente nessa posição. Mas não o fazem. Deixo essa discussão, no entanto, para outro texto, a ser divulgado na nossa página.

 

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Por que o goleiro não fica no meio do gol no pênalti?

Há pelo menos 20 anos, o locutor Galvão Bueno argumenta que goleiros deveriam permanecer no meio do gol em cobranças de pênaltis. A ideia é que, se adotasse essa estratégia, o goleiro poderia defender aqueles pênaltis batidos justamente no centro da meta. Em uma disputa de pênaltis isso pode ser valioso, já que em geral poucas cobranças são desperdiçadas. Um pênalti defendido faz uma baita diferença. A discussão é válida. Na verdade, um pouco de Teoria dos Jogos nos ajuda a entender por que goleiros não deveriam seguir a estratégia sugerida por Galvão Bueno. A Teoria dos Jogos nasceu como um ramo da matemática, mas influenciou decisivamente o desenvolvimento da teoria econômica moderna. Ela estuda a interação estratégica entre indivíduos, isto é, situações em que indivíduos afetam-se mutuamente quando tomam decisões, e que tipo de resultado (equilíbrio) pode emergir dessas interações. Tome o exemplo comum em economia, envolvendo uma empresa (montadora de veículos) e um fornecedor (fabricante de autopeças) que devem decidir se se instalam em determinado local. A montadora só entra no mercado se houver um fornecedor instalado; o fornecedor só entra se houver alguém para comprar o seu produto. Note o componente de interação estratégica: o que a montadora decide fazer altera o retorno do fornecedor, e vice-versa. Em Teoria dos Jogos, há dois tipos de estratégia que podem ser seguidas por um jogador: estratégias puras, em que ele faz sempre a mesma coisa em determinada situação; e estratégias mistas, em que o jogador age de maneira probabilística, isto é, ele constantemente altera seu comportamento quando submetido a uma mesma situação. No exemplo acima, uma estratégia pura seria, do lado da montadora, sempre entrar no mercado quando o fornecedor se instalar; e não entrar se o fornecedor decide ficar de fora. Em estratégias mistas, o jogador lança uma moeda para cima (com probabilidades por ele definidas), e toma a decisão com base no resultado. Essa história de estratégias mistas pode soar estranha para muita gente. Mas é justamente no futebol que elas podem ser observadas e testadas. Por quê? Porque, em cobranças de pênaltis, nunca é ótimo jogar estratégias puras, seja para o goleiro, seja para o batedor. No caso, se o goleiro atuar como se estivesse usando estratégias puras, ele sempre escolheria o mesmo lado (direito, esquerdo ou centro). O batedor, sabendo disso, selecionaria outro canto, convertendo o pênalti com elevada probabilidade. A mesma coisa vale para o cobrador do pênalti. Se ele batesse sempre do mesmo lado, o goleiro se anteciparia e teria boas chances de defender a cobrança. Para ter uma ideia de por que usar estratégias puras nesse contexto é uma roubada, veja o exemplo de Sócrates na Copa do Mundo de 1986. No jogo Brasil x Polônia, ele converte uma cobrança de uma forma peculiar, tomando pouca distância antes da batida. Nas quartas de final do mesmo torneio, quando o Brasil foi eliminado pela França nos pênaltis, Sócrates repetiu o mesmo movimento. Dessa vez, o goleiro defendeu. Voltando à sugestão de Galvão Bueno: se o goleiro permanecesse sempre no meio do gol, seria o equivalente a jogar estratégias puras. Os batedores, sabendo disso, fariam cobranças fortes em alguns dos cantos. As chances de conversão seriam enormes. Claramente não vale a pena seguir uma estratégia nesse estilo. Se o goleiro quiser ter alguma chance de defender um pênalti, ele precisa jogar estratégias mistas, isto é, ele deve mudar o canto escolhido o tempo todo. Isso cria dúvidas na cabeça do batedor, gerando chances maiores de defesa. Da mesma forma, batedores devem constantemente alterar o local em que colocam a bola. O goleiro, assim, não saberá ao certo em que lado será a cobrança, aumentando as chances de conversão. O artigo acadêmico de Pierre Chiappori, Steven Levitt e Tim Groseclose usa justamente dados de pênaltis para testar estratégias mistas. Com base em cobranças realizadas nos campeonatos espanhol e italiano, notam que os comportamentos de goleiros e cobradores se encaixam na situação de estratégias mistas: cobradores estão constantemente mudando os lados das cobranças, e goleiros alterando o local em que se posicionam na meta. Batedores, entretanto, tendem a preferir o canto oposto (isto é, destros fazem proporcionalmente mais cobranças no canto esquerdo, e canhotos no canto direito). Isso faz sentido, pois o jogador bate mais forte na bola quando faz o chute cruzado, tendo portanto maiores chances de conversão. Os goleiros se adaptam a isso, e selecionam também com maior frequência o canto de preferência do cobrador. Há, entretanto, um fato curioso: como notado por Galvão Bueno, goleiros quase nunca permanecem no centro do gol. E batedores poderiam se beneficiar disso, se realizassem mais cobranças justamente nessa posição. Mas não o fazem. Deixo essa discussão, no entanto, para outro texto, a ser divulgado na nossa página.   Para ficar por dentro do que rola no Por Quê?, clique aqui e assine a nossa Newsletter.
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