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Não, você não acessou a coluna errada. Tampouco viramos, da noite para o dia, "detetives selvagens". O tema, reconhecemos, é sombrio. Para piorar, são milhares os homicídios inexplicáveis, todos os anos, pelos quatro cantos do planeta —e não apenas alguns poucos casos bizarros que colocam detetives de cabelo em pé.

Obviamente, assassinar uma pessoa é um ato de violência. Num sentido mais amplo, inexplicável. Seguramente, injustificável. Mas não há como tapar o sol com a peneira: no mundo todo, milhares de pessoas são assassinadas todos os dias. E mais: em alguns países, vemos um número absurdamente alto de homicídios; em outros, ao contrário do esperado, eles ocorrem com frequência baixa.

Nesta coluna, recorremos aos dados para entender a relação entre homicídios intencionais e variáveis econômicas. E, a partir daí, identificamos países onde acontecem homicídios demais e onde eles são surpreendentemente baixos.

Todos os dados usados aqui podem ser localizados por você na base de dados do Banco Mundial.

A RENDA DE UM PAÍS AFETA O NÚMERO DE HOMICÍDIOS?

Em termos médios, no mundo considerado desenvolvido (renda acima de US$ 20 mil anuais por habitante), a taxa de homicídios por 100 mil habitantes é cerca de dez vezes menor que a prevalecente nos países considerados subdesenvolvidos (renda abaixo de US$ 20 mil anuais por habitante).
Parece um tanto equivocado argumentar que, naturalmente, existam mais homicidas em Honduras do que na Dinamarca, por exemplo. Mas, então, por que essa diferença tão grande? Já que as pessoas, fundamentalmente, não diferem muito entre si (quando falamos de grandes grupos de indivíduos), qual a explicação? Será que a economia consegue resolver esse enigma? Nos países mais desenvolvidos, as instituições socioeconômicas são de melhor qualidade. Aliás, ser desenvolvido é justamente isso! Entre elas, temos a polícia que funciona melhor, uma Justiça mais rápida e menos corrupta, leis mais inteligentes, um sistema carcerário de maior qualidade etc. Isso faz diferença: o criminoso não é um tolo; implicitamente, faz a conta, mede prós e contras, e, com tudo na balança, escolhe ou não outra profissão. Os custos de cometer um crime na Alemanha, por exemplo, são muito elevados. Primeiro, porque a chance de ser apanhado e condenado é muito maior do que em El Salvador. Segundo, há tantas outras oportunidades para as pessoas que faz muito pouco sentido seguir o caminho do crime! Como o nível educacional é melhor, os empregos pagam bem mais. E, para os mais desamparados, há uma ampla rede de proteção social. Entrar para o crime e matar alguém, abrindo mão de tudo isso? Num país rico, o crime definitivamente não compensa. E A DESIGUALDADE TAMBÉM INTERFERE? Sim, além do nível de renda de um país, o grau de desigualdade socioeconômica também é relevante, até mais que as outras variáveis. Pense num exemplo extremo: todos os indivíduos têm a renda igualzinha à do vizinho. Convenhamos, nesse caso, faz bem menos sentido assaltá-lo a mão armada, certo? Agora, se um grupo de pessoas na sociedade tem renda muito baixa e poucas possibilidades na vida (porque não tiveram acesso à boa educação) e, enquanto isso, outros cidadãos utilizam as diversas oportunidades interessantes que a vida lhes oferece... Bem, aí o quadro muda. De fato, como podemos ver no gráfico a seguir, desigualdade e homicídios andam de mãos dadas.
Se pusermos renda per capita e desigualdade para explicarem conjuntamente os índices de homicídios, teremos o que os economistas chamam de um belo ajuste estatístico. Renda e desigualdade explicam todos os assassinatos? Não menos interessante nesta história toda é a parte que o modelo estatístico não explica. Mesmo isolando os níveis de renda e de desigualdade, alguns países têm homicídios demais da conta. E outros são inesperadamente pouco violentos. Na Zâmbia, por exemplo, ocorrem 5 homicídios por 100 mil habitantes, um número similar ao dos Estados Unidos! Mas, por ser pobre e desigual, o número de homicídios que esperaríamos para a Zâmbia seria algo na casa dos 25!
O que eles estão fazendo de correto que explica essa agradável discrepância? A mesma pergunta vale para nosso vizinho Chile, um país ainda muito desigual, que, em vez de ter 16 homicídios por 100 mil, tem apenas 3! A China era para ter 10, mas tem 1. Regime de repressão, talvez? Mas há o outro lado —mais triste— da moeda: países com homicídios demais. Porém, no caso desse grupo, o gráfico tem formato diferente: muitos países com pequena discrepância e alguns poucos com bastante. O Brasil está aí nesse grupo. Seus 22 homicídios eram para ser 19. Para os europeus do grupo a história é bem outra: em vez de 0 homicídio, eles têm 1 ou 2. Mas a coisa fica feia mesmo no caso dos 5 latino-americanos mais à direita. O modelo estatístico prevê uma taxa de homicídios entre 10 e 20, mas o número real é muitíssimo maior. Guerra contra drogas? Policia e Justiça mais corruptas do que esperado? Estado fraco e grupos locais fortes? Enfim, resumo da ópera: crescimento e distribuição de renda ajudam bastante na redução dos assassinatos. Mas há, seguramente, outras coisas que podem contribuir para um menor índice de homicídios. E como a Zâmbia é muito longe, vamos dar um pulo no Chile para ver se aprendemos algo.

*Texto originalmente publicado na nossa Coluna da Folha, em 4 de outubro de 2016

Por que tantos assassinatos sem explicação?

Não, você não acessou a coluna errada. Tampouco viramos, da noite para o dia, "detetives selvagens". O tema, reconhecemos, é sombrio. Para piorar, são milhares os homicídios inexplicáveis, todos os anos, pelos quatro cantos do planeta —e não apenas alguns poucos casos bizarros que colocam detetives de cabelo em pé. Obviamente, assassinar uma pessoa é um ato de violência. Num sentido mais amplo, inexplicável. Seguramente, injustificável. Mas não há como tapar o sol com a peneira: no mundo todo, milhares de pessoas são assassinadas todos os dias. E mais: em alguns países, vemos um número absurdamente alto de homicídios; em outros, ao contrário do esperado, eles ocorrem com frequência baixa. Nesta coluna, recorremos aos dados para entender a relação entre homicídios intencionais e variáveis econômicas. E, a partir daí, identificamos países onde acontecem homicídios demais e onde eles são surpreendentemente baixos. Todos os dados usados aqui podem ser localizados por você na base de dados do Banco Mundial. A RENDA DE UM PAÍS AFETA O NÚMERO DE HOMICÍDIOS? Em termos médios, no mundo considerado desenvolvido (renda acima de US$ 20 mil anuais por habitante), a taxa de homicídios por 100 mil habitantes é cerca de dez vezes menor que a prevalecente nos países considerados subdesenvolvidos (renda abaixo de US$ 20 mil anuais por habitante).
Parece um tanto equivocado argumentar que, naturalmente, existam mais homicidas em Honduras do que na Dinamarca, por exemplo. Mas, então, por que essa diferença tão grande? Já que as pessoas, fundamentalmente, não diferem muito entre si (quando falamos de grandes grupos de indivíduos), qual a explicação? Será que a economia consegue resolver esse enigma? Nos países mais desenvolvidos, as instituições socioeconômicas são de melhor qualidade. Aliás, ser desenvolvido é justamente isso! Entre elas, temos a polícia que funciona melhor, uma Justiça mais rápida e menos corrupta, leis mais inteligentes, um sistema carcerário de maior qualidade etc. Isso faz diferença: o criminoso não é um tolo; implicitamente, faz a conta, mede prós e contras, e, com tudo na balança, escolhe ou não outra profissão. Os custos de cometer um crime na Alemanha, por exemplo, são muito elevados. Primeiro, porque a chance de ser apanhado e condenado é muito maior do que em El Salvador. Segundo, há tantas outras oportunidades para as pessoas que faz muito pouco sentido seguir o caminho do crime! Como o nível educacional é melhor, os empregos pagam bem mais. E, para os mais desamparados, há uma ampla rede de proteção social. Entrar para o crime e matar alguém, abrindo mão de tudo isso? Num país rico, o crime definitivamente não compensa. E A DESIGUALDADE TAMBÉM INTERFERE? Sim, além do nível de renda de um país, o grau de desigualdade socioeconômica também é relevante, até mais que as outras variáveis. Pense num exemplo extremo: todos os indivíduos têm a renda igualzinha à do vizinho. Convenhamos, nesse caso, faz bem menos sentido assaltá-lo a mão armada, certo? Agora, se um grupo de pessoas na sociedade tem renda muito baixa e poucas possibilidades na vida (porque não tiveram acesso à boa educação) e, enquanto isso, outros cidadãos utilizam as diversas oportunidades interessantes que a vida lhes oferece... Bem, aí o quadro muda. De fato, como podemos ver no gráfico a seguir, desigualdade e homicídios andam de mãos dadas.
Se pusermos renda per capita e desigualdade para explicarem conjuntamente os índices de homicídios, teremos o que os economistas chamam de um belo ajuste estatístico. Renda e desigualdade explicam todos os assassinatos? Não menos interessante nesta história toda é a parte que o modelo estatístico não explica. Mesmo isolando os níveis de renda e de desigualdade, alguns países têm homicídios demais da conta. E outros são inesperadamente pouco violentos. Na Zâmbia, por exemplo, ocorrem 5 homicídios por 100 mil habitantes, um número similar ao dos Estados Unidos! Mas, por ser pobre e desigual, o número de homicídios que esperaríamos para a Zâmbia seria algo na casa dos 25!
O que eles estão fazendo de correto que explica essa agradável discrepância? A mesma pergunta vale para nosso vizinho Chile, um país ainda muito desigual, que, em vez de ter 16 homicídios por 100 mil, tem apenas 3! A China era para ter 10, mas tem 1. Regime de repressão, talvez? Mas há o outro lado —mais triste— da moeda: países com homicídios demais. Porém, no caso desse grupo, o gráfico tem formato diferente: muitos países com pequena discrepância e alguns poucos com bastante. O Brasil está aí nesse grupo. Seus 22 homicídios eram para ser 19. Para os europeus do grupo a história é bem outra: em vez de 0 homicídio, eles têm 1 ou 2. Mas a coisa fica feia mesmo no caso dos 5 latino-americanos mais à direita. O modelo estatístico prevê uma taxa de homicídios entre 10 e 20, mas o número real é muitíssimo maior. Guerra contra drogas? Policia e Justiça mais corruptas do que esperado? Estado fraco e grupos locais fortes? Enfim, resumo da ópera: crescimento e distribuição de renda ajudam bastante na redução dos assassinatos. Mas há, seguramente, outras coisas que podem contribuir para um menor índice de homicídios. E como a Zâmbia é muito longe, vamos dar um pulo no Chile para ver se aprendemos algo.
*Texto originalmente publicado na nossa Coluna da Folha, em 4 de outubro de 2016

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