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														Recentemente, tenho pesquisado as evidências de conexões sistêmicas entre escolhas energéticas, oceanos e mudanças climáticas, e avaliado como as estratégias de sustentabilidade comunicadas por algumas empresas não condizem com suas práticas. Mas afinal, quais são as relações entre escolhas energéticas, oceanos e mudanças climáticas?

As escolhas energéticas desempenham um papel fundamental nas mudanças climáticas e, consequentemente, nos oceanos. A queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, para gerar energia para indústrias, transportes e residências, é responsável por uma parcela das emissões de gases de efeito estufa (GEE), que contribuem para as mudanças climáticas. Essas emissões têm um impacto direto nos oceanos, pois o aumento da temperatura do planeta faz com que as águas se aqueçam e se expandam, contribuindo para a elevação do nível do mar. Além disso, o aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, gás absorvido pelos oceanos, torna a água mais ácida. Os impactos da acidificação dos oceanos incluem prejuízo para a biodiversidade marinha, como corais, moluscos e crustáceos, alteração de ecossistemas, redução da produção de oxigênio e danos à pesca, ao turismo e à extração de petróleo e gás. Uma pesquisa inédita, conduzida em 2018 pela professora Andréa Bento, estimou que a economia do mar brasileira representou 19% do PIB nacional em 2015, incluindo segmentos como petróleo, transporte, pesca, cabos submarinos, lazer e turismo.

Ou seja, o aumento da emissão de GEE contribui para a acidificação dos oceanos, que contribui para o aumento da temperatura atmosférica, já que os oceanos desempenham um papel importante na absorção de carbono. Esses processos estão interconectados e fazem parte de um fenômeno chamado "feedbacks climáticos". Uma estratégia para reduzir as emissões de GEE e limitar as mudanças climáticas é promover escolhas energéticas mais sustentáveis, como o uso de energias renováveis, como a solar, a eólica e a hidrelétrica. Essas fontes de energia são mais limpas e têm um impacto muito menor sobre o meio ambiente do que os combustíveis fósseis. No caso dos oceanos, para limitar os efeitos negativos das atividades humanas em seu equilíbrio, é imprescindível reduzir a emissão de GEE, proteger as áreas marinhas, controlar a pesca e a sobrepesca, reduzir a poluição, especialmente plástica, desenvolver uma governança global para controlar o transporte marítimo e a extração de petróleo e gás em águas profundas, além de promover a conscientização pública.

Gostaria de chamar atenção para um dos drivers do desequilíbrio dos oceanos que é a extração de petróleo e gás em águas profundas, uma atividade que afeta significativamente o equilíbrio dos ecossistemas marinhos e a biodiversidade dos oceanos, principalmente devido à construção de plataformas, aos derramamentos de petróleo e produtos químicos utilizados na exploração e produção, além do descarte inadequado de resíduos.

Em resumo, nossas escolhas energéticas impactam a emissão de GEE, a temperatura do planeta e o equilíbrio dos oceanos. O desequilíbrio dos oceanos, por sua vez, reforça as mudanças climáticas.

Para viabilizar escolhas energéticas limpas e garantir o equilíbrio dos oceanos, é crucial prestar atenção em setores críticos, como o de óleo e gás. No Brasil, a Petrobras é a maior empresa de óleo e gás natural e tem uma estrutura de economia mista. Isso significa que a empresa é de propriedade pública e tem ações negociadas na Bolsa de Valores, com participação de outras empresas privadas e do Estado. O Estado, por sua vez, detém a maior parte das ações da empresa, o que confere ao governo um papel importante na gestão da Petrobras.

Vários relatórios de sustentabilidade de anos anteriores e entrevistas com executivos da Petrobras mencionam o compromisso da empresa em investir em energias renováveis. No seu Plano de Negócios e Gestão para o período de 2021-2025, a Petrobras estabeleceu um investimento de cerca de US$ 220 milhões em energias renováveis, o que inclui projetos de geração de energia eólica, solar e biomassa. Apesar de representar um valor significativo, esse montante equivale a apenas cerca de 0,5% do total de investimentos planejados pela empresa para o período. No relatório de sustentabilidade de 2021, a Petrobras reportou investimentos de R$ 22,4 milhões em P&D no segmento de biocombustíveis avançados e R$ 36,1 milhões em energia renovável, totalizando R$ 58,5 milhões. No entanto, a empresa informou que deixou de atuar no segmento de geração de energia eólica e hidrelétrica.

O Plano Estratégico (PE) de 2023-2027 reforça que a estratégia da empresa está focada na descarbonização, ou seja, na redução de emissões, por meio de melhorias nas operações de extração e produção de petróleo e gás. O PE indica que os investimentos em produção de energia limpa, cerca de US$ 600 milhões, representam menos de 1% dos investimentos projetados totais da Petrobras. Se forem incluídos os investimentos em redução de emissão de carbono, esse valor sobe para pouco mais de 5%. Por outro lado, a empresa planeja alocar US$ 64 bilhões (83% de sua despesa de capital, ou CAPEX) na área de Exploração e Produção nos próximos cinco anos, especialmente em projetos no pré-sal, que responderão por 78% de toda a produção da Petrobras em 2027, reforçando um foco em energias não renováveis e extração abaixo do leito do mar. Apesar de o setor estar investindo cada vez mais em energias renováveis, a Petrobras parece estar caminhando contra a maré. Como uma empresa estatal em um país que se comprometeu – de acordo com a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, publicada em março de 2022 – a reduzir em 37% as emissões de GEE até 2025 e em 50% até 2030 em relação aos níveis de 2005, seria de esperar que seus investimentos e estratégias estivessem alinhados a esse comprometimento. No entanto, a empresa parece ter adotado uma estratégia diferente daquela preconizada pelo seu principal acionista – o Estado.

Na teoria, como já escrevi nesta coluna, um problema complexo requer pensamento sistêmico, como é o caso de escolhas energéticas, proteção dos oceanos e estratégia climática. É preciso ter consciência das relações sistêmicas para garantir coerência e consistência entre comprometimentos públicos e estratégias implementadas. Isso vale para empresas privadas e estatais.

Na prática, no caso do governo brasileiro e das estratégias da Petrobras, muito dessas definições tem influência do governo anterior e de seu baixo comprometimento com políticas climáticas. Meu voto de otimismo e esperança é que o posicionamento de liderança na agenda climática do novo governo saia do mundo dos compromissos públicos e passe a ser a realidade na execução de investimentos e estratégias.


Priscila Borin Claro é professora associada e líder do Centro de Sustentabilidade e Negócios do Insper. É mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de Wageningen (WUR) e doutora em Administração e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal de Lavras.


COLUNA PUBLICADA NA FOLHA DE S. PAULO 

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Problemas complexos e relações sistêmicas: escolhas energéticas, oceanos e mudanças climáticas

Recentemente, tenho pesquisado as evidências de conexões sistêmicas entre escolhas energéticas, oceanos e mudanças climáticas, e avaliado como as estratégias de sustentabilidade comunicadas por algumas empresas não condizem com suas práticas. Mas afinal, quais são as relações entre escolhas energéticas, oceanos e mudanças climáticas?

As escolhas energéticas desempenham um papel fundamental nas mudanças climáticas e, consequentemente, nos oceanos. A queima de combustíveis fósseis, como petróleo, carvão e gás natural, para gerar energia para indústrias, transportes e residências, é responsável por uma parcela das emissões de gases de efeito estufa (GEE), que contribuem para as mudanças climáticas. Essas emissões têm um impacto direto nos oceanos, pois o aumento da temperatura do planeta faz com que as águas se aqueçam e se expandam, contribuindo para a elevação do nível do mar. Além disso, o aumento das emissões de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera, gás absorvido pelos oceanos, torna a água mais ácida. Os impactos da acidificação dos oceanos incluem prejuízo para a biodiversidade marinha, como corais, moluscos e crustáceos, alteração de ecossistemas, redução da produção de oxigênio e danos à pesca, ao turismo e à extração de petróleo e gás. Uma pesquisa inédita, conduzida em 2018 pela professora Andréa Bento, estimou que a economia do mar brasileira representou 19% do PIB nacional em 2015, incluindo segmentos como petróleo, transporte, pesca, cabos submarinos, lazer e turismo.

Ou seja, o aumento da emissão de GEE contribui para a acidificação dos oceanos, que contribui para o aumento da temperatura atmosférica, já que os oceanos desempenham um papel importante na absorção de carbono. Esses processos estão interconectados e fazem parte de um fenômeno chamado "feedbacks climáticos". Uma estratégia para reduzir as emissões de GEE e limitar as mudanças climáticas é promover escolhas energéticas mais sustentáveis, como o uso de energias renováveis, como a solar, a eólica e a hidrelétrica. Essas fontes de energia são mais limpas e têm um impacto muito menor sobre o meio ambiente do que os combustíveis fósseis. No caso dos oceanos, para limitar os efeitos negativos das atividades humanas em seu equilíbrio, é imprescindível reduzir a emissão de GEE, proteger as áreas marinhas, controlar a pesca e a sobrepesca, reduzir a poluição, especialmente plástica, desenvolver uma governança global para controlar o transporte marítimo e a extração de petróleo e gás em águas profundas, além de promover a conscientização pública.

Gostaria de chamar atenção para um dos drivers do desequilíbrio dos oceanos que é a extração de petróleo e gás em águas profundas, uma atividade que afeta significativamente o equilíbrio dos ecossistemas marinhos e a biodiversidade dos oceanos, principalmente devido à construção de plataformas, aos derramamentos de petróleo e produtos químicos utilizados na exploração e produção, além do descarte inadequado de resíduos.

Em resumo, nossas escolhas energéticas impactam a emissão de GEE, a temperatura do planeta e o equilíbrio dos oceanos. O desequilíbrio dos oceanos, por sua vez, reforça as mudanças climáticas.

Para viabilizar escolhas energéticas limpas e garantir o equilíbrio dos oceanos, é crucial prestar atenção em setores críticos, como o de óleo e gás. No Brasil, a Petrobras é a maior empresa de óleo e gás natural e tem uma estrutura de economia mista. Isso significa que a empresa é de propriedade pública e tem ações negociadas na Bolsa de Valores, com participação de outras empresas privadas e do Estado. O Estado, por sua vez, detém a maior parte das ações da empresa, o que confere ao governo um papel importante na gestão da Petrobras.

Vários relatórios de sustentabilidade de anos anteriores e entrevistas com executivos da Petrobras mencionam o compromisso da empresa em investir em energias renováveis. No seu Plano de Negócios e Gestão para o período de 2021-2025, a Petrobras estabeleceu um investimento de cerca de US$ 220 milhões em energias renováveis, o que inclui projetos de geração de energia eólica, solar e biomassa. Apesar de representar um valor significativo, esse montante equivale a apenas cerca de 0,5% do total de investimentos planejados pela empresa para o período. No relatório de sustentabilidade de 2021, a Petrobras reportou investimentos de R$ 22,4 milhões em P&D no segmento de biocombustíveis avançados e R$ 36,1 milhões em energia renovável, totalizando R$ 58,5 milhões. No entanto, a empresa informou que deixou de atuar no segmento de geração de energia eólica e hidrelétrica.

O Plano Estratégico (PE) de 2023-2027 reforça que a estratégia da empresa está focada na descarbonização, ou seja, na redução de emissões, por meio de melhorias nas operações de extração e produção de petróleo e gás. O PE indica que os investimentos em produção de energia limpa, cerca de US$ 600 milhões, representam menos de 1% dos investimentos projetados totais da Petrobras. Se forem incluídos os investimentos em redução de emissão de carbono, esse valor sobe para pouco mais de 5%. Por outro lado, a empresa planeja alocar US$ 64 bilhões (83% de sua despesa de capital, ou CAPEX) na área de Exploração e Produção nos próximos cinco anos, especialmente em projetos no pré-sal, que responderão por 78% de toda a produção da Petrobras em 2027, reforçando um foco em energias não renováveis e extração abaixo do leito do mar. Apesar de o setor estar investindo cada vez mais em energias renováveis, a Petrobras parece estar caminhando contra a maré. Como uma empresa estatal em um país que se comprometeu – de acordo com a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil, publicada em março de 2022 – a reduzir em 37% as emissões de GEE até 2025 e em 50% até 2030 em relação aos níveis de 2005, seria de esperar que seus investimentos e estratégias estivessem alinhados a esse comprometimento. No entanto, a empresa parece ter adotado uma estratégia diferente daquela preconizada pelo seu principal acionista – o Estado.

Na teoria, como já escrevi nesta coluna, um problema complexo requer pensamento sistêmico, como é o caso de escolhas energéticas, proteção dos oceanos e estratégia climática. É preciso ter consciência das relações sistêmicas para garantir coerência e consistência entre comprometimentos públicos e estratégias implementadas. Isso vale para empresas privadas e estatais.

Na prática, no caso do governo brasileiro e das estratégias da Petrobras, muito dessas definições tem influência do governo anterior e de seu baixo comprometimento com políticas climáticas. Meu voto de otimismo e esperança é que o posicionamento de liderança na agenda climática do novo governo saia do mundo dos compromissos públicos e passe a ser a realidade na execução de investimentos e estratégias.


Priscila Borin Claro é professora associada e líder do Centro de Sustentabilidade e Negócios do Insper. É mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de Wageningen (WUR) e doutora em Administração e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal de Lavras.


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